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Prof. Dr. Pedro Eduardo Felcio - FEA - Unicamp lz39

por Equipe Scot Consultoria
19/08/2008 - 11:16
Prof. Dr Pedro Eduardo Felcio, por ele mesmo.
Estudei veterinria pensando em cuidar de animais, especialmente vacas leiteiras, mas cedo na carreira fui atrado pela idia de trabalhar no Centro de Tecnologia de Carnes, poca uma parceria entre o Instituto de Tecnologia de Alimentos e a Embrapa. No me arrependo da deciso porque tive a sorte de me permitirem concluir o mestrado que havia iniciado, na USP de Ribeiro Preto, enquanto fui professor de Zootecnia em Jaboticabal e, mais adiante, pude estudar em Kansas, nos Estados Unidos. Foi por esse caminho que cheguei Unicamp, onde leciono h 25 anos, tendo sido chefe de departamento, coordenador de ps-graduao - funo que desempenho agora pela segunda vez - e diretor-adjunto da Faculdade de Engenharia de Alimentos. Em maro do ano ado, concorri ao cargo de professor titular da rea de carnes e fui aprovado. Gosto de salientar que, ao final de 1989, recebi um convite para coordenar a implantao do novo campus da USP de Pirassununga, numa fazenda de mais de dois mil hectares. Aceitei e cumpri um mandato de quatro anos, penso ter feito um bom trabalho como e gostei de ter feito.
Scot Consultoria: Sabemos que qualidade algo bastante subjetivo. Mas possvel definir hoje o que seria uma carne de qualidade, em termos de aceitao mundial? E como a carne brasileira est inserida nesse contexto? Prof. Pedro Felcio: Qualquer alimento pode ter sua qualidade esmiuada, primeiro em termos higinico-sanitrios; depois, em conformidade, ou seja, no atendimento a padres e especificaes tcnicas; e, em seguida, quanto qualidade funcional, que o que os consumidores percebem como qualidade ao comprar e, depois, ao consumir o alimento. Em se tratando de carne, a questo higinico-sanitria tem importncia ainda maior do que nos alimentos de origem vegetal. O Brasil est muito bem neste item, mesmo no estando tudo resolvido. Na parte da conformidade ainda h muito por fazer, e (no que realmente interessa ao consumidor) s mais recentemente tem surgido algum interesse do setor pela aparncia, proporo de msculo e gordura, convenincia, maciez, sabor e suculncia. Estas trs ltimas caractersticas referem-se apenas aos cortes da regio dorsal: alcatra, contrafil e fil, mas justamente neles que deveramos agregar muito mais valor melhorando a alcatra e o contrafil, com garantia de qualidade para restaurantes, com base numa anlise de pontos crticos onde entram: gentica, manejo, alimentao, idade certa para abate, combate ao estresse no pr-abate, velocidade de resfriamento, etc. Como o nvel de exigncia muito alto na Europa, utilizam a carne tropical brasileira em “catering” (servios de alimentao e refeies prontas), e, nos supermercados, para ofertas a preos vantajosos para o consumidor. At onde sabemos, para a Rssia e todos os outros importadores a carne sul-americana de muito boa, em termos de qualidade, em todos os requisitos j mencionados. Scot Consultoria: Quais os papis da indstria e do pecuarista na produo de uma carne de qualidade? Eles esto trabalhando em sintonia? Prof. Pedro Felcio: Penso que h algumas iniciativas isoladas daqueles que pretendem valorizar uma marca que conquiste a preferncia do consumidor de maior poder aquisitivo e do segmento de refeies fora de casa, que vem crescendo muito rapidamente no pas. Consta que uma das grandes empresas frigorficas nacionais lder nesses arranjos, porque o presidente da mesma vem do comrcio, onde aprendeu a compreender as necessidades dos clientes e consumidores. E tem tambm os selos de qualidade de associaes de criadores de gado. Muitas experincias foram feitas com “novilho precoce” via associao de produtores ou ncleos, como o de Uberlndia, por volta do ano de 1999, mas a verdade que os frigorficos no tm interesse por gado jovem de acabamento e peso insuficientes, porque deixa poucos crditos de subprodutos e envolve os mesmos custos operacionais do gado mais pesado e mais gordo. Scot Consultoria: No caso especfico do produtor, vrias ferramentas/tecnologias esto disponveis para a padronizao de carcaas e melhoria da qualidade da carne, dentre elas tem-se o melhoramento gentico, o confinamento (e outras tecnologias de nutrio), a intensificao de pastagens, etc. Qual delas o senhor julga ser a mais importante? Ou na verdade o que importa uma boa interao entre elas? Prof. Pedro Felcio: Creio que tudo que feito para melhorar a produtividade tambm resulta em melhoria de qualidade das carcaas, como gentica e alimentao para aumentar o peso desmama e o ganho de peso ps-desmama, de modo a reduzir a idade de abate proporcionando um acabamento de gordura satisfatrio. Associar isso tudo com a castrao tambm da maior importncia. S tenho alguma desconfiana quanto ao confinamento no estilo americano, porque embora possa melhorar a qualidade funcional da carne, vai descaracterizar a carne tropical brasileira de produo a pasto, como parece j estar acontecendo com a carne argentina. Isto tudo tem a ver com a qualidade da carcaa, mas obviamente influencia na qualidade da carne tambm, embora no seja suficiente porque fica faltando a parte das tecnologias post-mortem, que acontece dentro da indstria frigorfica. Scot Consultoria: Sabemos que muitas vezes o produtor se sente desestimulado a investir na melhoria da qualidade de carcaa. Os programas de classificao e bonificao, criados pelos frigorficos, podem ser a soluo para esse problema? Eles tm atingido esse objetivo? Prof. Pedro Felcio: S bem recentemente teve incio no Brasil um processo de definio de uma “linguagem” comum a toda a cadeia produtiva da carne. Pode no ser muito correto dizer “toda a cadeia” porque o segmento de aougues e supermercados insiste em ficar distante deste tema, mas j uma grande coisa que pecuaristas e frigorficos esto se entendendo a respeito de peso de carcaa, acabamento, maturidade, castrao dos machos e manejo pr-abate adequado para evitar contuses. J temos iniciativas muito interessantes em termos de tipificao, agora torcer para que tenham continuidade e que contagiem as empresas que ainda no experimentaram a premiao como tcnica para atrair os melhores fornecedores de gado. As empresas deveriam planejar muito bem como vo classificar e premiar (classificar e atribuir prmios e desgios, ou seja, criar preos diferenciados o que se pode chamar de tipificao) antes de comear, para que no interrompam o processo algum tempo depois, desestimulando os fornecedores de gado que acreditaram na proposta. Scot Consultoria: Qual a sua opinio a respeito da criao de programas especficos de classificao e bonificao de carcaas (cada frigorfico com o seu), ao invs de um programa nacional, que nunca sai do papel? Prof. Pedro Felcio: Comeando a responder pelo final da pergunta, um programa oficial istrado pelo Ministrio da Agricultura, como se faz na Amrica do Norte e Unio Europia, no sai do papel porque a diretoria do DIPOA (Departamento de Inspeo de Produtos de Origem Animal) no entende que tudo que preciso fazer, no momento, oferecer os padres para classificao, certificar cursos de formao de tipificadores, e auditar o trabalho de empresas terceirizadas que j esto surgindo para prestar tal servio nos frigorficos. O foco do Ministrio deveria se restringir s transaes comerciais com gado e carcaas entre produtores e indstrias. nesse ponto que d “um n na cabea” do DIPOA, por no envolver varejo e consumidores no processo. A idia que precisa ser assimilada, e j tentamos ar isso ao atual diretor nos ltimos trs anos - a Instruo Normativa n.9, do ministro Roberto Rodrigues, de maio de 2004 - , fazer de tudo para implantar a classificao com base em critrios mnimos j definidos na IN 9, somente isto, o restante o mercado que faz. bom explicar que o DIPOA faria a superviso do sistema de classificao, mas quem tipifica, ou seja, diferencia preos, so as empresas, demonstrando o que lhes parecem ser as melhores carcaas. O Ministrio jamais diria o que melhor, apenas classificaria, diferentemente do que ocorre nos Estados Unidos, onde o USDA (Departamento de Agricultura) diz que carcaas “Choice” so melhores do que as “Select” e estas melhores do que “Standard”, em termos de qualidade da carne, que vai chegar identificada ao consumidor. Isto assim num sistema criado nos anos 20 do sculo ado, e devido fora da tradio no se consegue mudar, mas hoje muito diferente, no se pode fazer a mesma coisa atualmente. Agora, j que o ministrio no consegue entender isso e imaginar que a diferenciao ao consumidor ser feita posteriormente, o importante que as empresas no se sintam acanhadas de adotarem sistemas semelhantes e at iguais de classificao aos melhores j existentes, porque futuramente teremos mesmo que unificar critrios de classificao, digo critrios, no poltica de preos. A unificao ser necessria para evitar confundir a cabea dos fornecedores de gado. Scot Consultoria: Qualidade de processos (rastreabilidade, sanidade, bem-estar animal...) ou qualidade de produto (sabor, maciez, padro...). O que mais importante para a conquista e, depois, para a manuteno de mercados no exterior? Prof. Pedro Felcio: De certo modo eu respondi a esta pergunta quando disse que primeiro vem a qualidade higinico-sanitria e, claro, o que eu costumo chamar de novos conceitos de qualidade, que envolvem rastreabilidade, bem-estar animal, combate ao desmatamento, etc., depois vem a conformidade, e em seguida, ou at simultaneamente pode vir a qualidade funcional, isto , a qualidade percebida e, melhor ainda, se pudermos saber qual a qualidade desejada pelos consumidores. O Brasil parece se preocupar muito mais em ter timas condies higinico-sanitrias para as vendas no mercado externo do que no interno. Eu digo “parece” porque no quero gastar meu tempo para provar nada a quem se considerar ofendido, mas h muito tempo no vejo um ministro ou secretrio de governo demonstrar qualquer preocupao com o que acontece de errado na obteno higinica da carne e do leite, no s no tocante falta de inspeo, mas na inspeo de fachada, aquela que pe uma chancela oficial em alimento no inspecionado obtido em instalaes pouco higinicas, esta chega a ser pior do que a ausncia de inspeo, porque ilude o consumidor. Lembram-se do que disse o ministro quando houve a fraude do leite h bem pouco tempo em Minas Gerais? Disse que ia acabar com a inspeo permanente nos laticnios, no foi? Omisses assim vo minando aos poucos a confiana em ministrios e secretarias de agricultura, ensejando a criao de outros rgos de regulao e controle que coloquem a sade do consumidor em primeiro lugar. Scot Consultoria: E para o nosso mercado interno: o que importa preo ou a qualidade j comea a ser questionada? Prof. Pedro Felcio: Ao desativar o MESA – Ministrio Extraordinrio da Segurana Alimentar, e incorporar o Fome Zero ao Ministrio de Desenvolvimento Social e Combate Fome, o primeiro governo Lula perdeu a grande oportunidade de transform-lo no Ministrio dos Alimentos, que cuidaria de Segurana Alimentar (garantia de o da populao aos alimentos) e de Alimento Seguro (garantia de inocuidade dos alimentos). Acho que isto nem foi cogitado, estava s na minha cabea. O Brasil teria, com isto, ado ao resto do mundo uma mensagem de seriedade na maneira como cuida da qualidade dos alimentos que comercializa interna e externamente, e da disponibilidade destes para os brasileiros. muito diferente da criao de um ministrio da pesca para demonstrar que os recursos pesqueiros so importantes, porque se trata de produo, ento, o certo que fosse para a pasta da agricultura. A humanidade se preocupa primeiro em produzir o bastante para alimentar as populaes, depois em produzir da maneira mais eficiente possvel, e s ento a a investir em melhoria de qualidade. Dessas fases distintas, que ocorrem em momentos diferentes nas diversas regies do mundo, as duas primeiras podem ser muito bem istradas por ministrios de agricultura, mas a ltima, a da qualidade, requer rgos muito mais direcionados e com uma forte vinculao com a sade dos consumidores. uma pena que eu no tenha conseguido contagiar, poca, com a idia, alguma figura poltica importante, mas, tambm, quem poderia imaginar que o MESA teria uma vida to curta e que o Fome Zero se transformaria num programa de bolsas para famlias de baixa renda - com trs outros programas igualmente importantes, segundo o governo federal. Scot Consultoria: ltima pergunta. Sabemos que, historicamente, a carne brasileira sempre foi competitiva em preo. Essa vantagem est se perdendo em funo da valorizao da arroba (em dlares), que hoje uma das mais “caras” do mundo, frente de competidores como Austrlia e Uruguai, por exemplo. Nossa cadeia produtiva est preparada para lidar com essa nova realidade de mercado, ou seja, a carne brasileira tem outras “qualidades” alm do preo baixo? Prof. Pedro Felcio: Concordo que o diferencial de preos tem sido um fator da maior importncia, mas os atuais refletem uma situao de menor disponibilidade, porque abatemos gado demais nos ltimos quatro anos e, agora, falta carne a ponto de causar tamanha elevao em dlares. Como tambm faltam fornecedores no mercado internacional, podemos reajustar os preos da carne, substituir a bovina no mercado domstico por frango e carne suna e continuar exportando. Logo vir a recuperao dos rebanhos e o restabelecimento dos volumes de abate. No isso que me preocupa, mas sim o grau de concentrao dos frigorficos em meia dzia de grandes companhias. interessante recordar o que aconteceu nos Estados Unidos. Perto de 1920, as cinco maiores companhias controlavam 55% do mercado. Aps uma srie de aes do governo federal, o truste foi vencido, no s o da carne, mas tambm o do acar, do ao e do tabaco, e por muitos anos, os agricultores e pecuaristas puderam negociar livremente. Em 1970, as quatro maiores empresas tinham apenas 21% do mercado. Mas a o governo descuidou e as quatro grandes da carne – Tyson, Swift que agora pertence JBS, a Excel e a National Beef – chegaram a controlar 84% do mercado em 2006. Agora, junte-se uma concentrao como esta ao que eu disse h pouco sobre o confinamento no modelo americano e quem estiver nos lendo perceber o risco, para os pecuaristas, que vir quando as companhias frigorficas estiverem confinando ou contratando a produo de gado confinado para o suprimento prprio; ser como criar frangos para as integradoras, no ? Seria at interessante estimar quantos centavos por real de carne vendida hoje, nos supermercados, vai para os pecuaristas, e repetir a conta depois de 10 e 20 anos. O resultado poder ser surpreendente para muitos criadores de pequeno e mdio porte que nem se deram conta e j estaro fora do negcio. Pode ser at inevitvel, mas se tiverem conscincia do que ir ocorrer talvez encontrem uma sada honrosa, sem traumas. Se me permitirem deixar uma mensagem final, eu gostaria muito que o governo federal, via BNDES, que at hoje patrocinou a concentrao dos frigorficos, criasse um programa de revitalizao dos frigorficos que no esto entre os “big five”, aplicando um percentual, a fundo perdido, no fortalecimento do Servio de Inspeo Federal. Seria uma ao antitruste e, ao mesmo tempo, sanitria da maior importncia.