O Mundo Plano o ltimo best-seller de Thomas Friedman, premiado colunista do jornal The New York Times. O livro discute o "achatamento" do mundo moderno pelas cadeias produtivas de fornecimento de produtos e servios neste incio de sculo 21. O autor aponta dez foras que estariam gerando o fenmeno, dentre elas o fim do comunismo com a queda do Muro de Berlim em 1989, a rede de fibras ticas, as novas ferramentas da internet (World Wide Web, navegadores, buscadores de sites, etc.), os softwares de fluxo de trabalho e de cdigo aberto, o out-sourcing (terceirizao de servios para fornecedores no exterior), o offshoring (transferncia de produo para outro pas) e as mudanas na logstica de entrega.
O livro se concentra basicamente na emergncia da China e da ndia, as duas grandes baleias que aram o sculo ado submersas no isolamento. Quem ler o livro vai entender perfeitamente por que esses pases tiveram tanto destaque na ltima reunio do Frum Econmico Mundial, em Davos, e por que os americanos, sempre ansiosos por identificar determinismos e novos paradigmas, esto tendo pesadelos com a possibilidade de fuga de indstrias e empregos de seu mercado. A China citada uma ou mais vezes em 106 pginas do livro e a ndia, em 186. A ttulo de comparao, os outros dois "Brics", Rssia e Brasil, so citados em apenas 27 e 8 pginas, respectivamente. Claramente, o livro confirma que a hierarquia dos emergentes na sigla Brics deveria ser invertida para "Cirbs"!
O lado mais interessante da obra est nos mltiplos exemplos que ilustram a acelerao da globalizao das comunicaes e dos investimentos, o que vem gerando, em conseqncia, uma nova diviso do trabalho no mundo e o redesenho geogrfico das vantagens comparativas. O autor mostra que, se de um lado muitos sentem na pele os custos da realocao de empresas e empregos, de outra parte importante notar que o fenmeno est reduzindo a pobreza absoluta, ampliando exponencialmente o mercado consumidor e gerando inovaes, produtos e servios globais. Um dos exemplos curiosos do livro a descrio da cadeia de fornecimento just-in-time de um simples notebook da marca Dell, que envolve a coordenao de 400 firmas estabelecidas em 15 pases da Amrica do Norte, Europa e sia. Um contraponto muito interessante para o atual drama do Mercosul, que em maro vai completar 15 anos com o seu novo e excntrico Mecanismo de Adaptao Competitiva (MAC), cujo objetivo principal a substituio de importaes nacionais dentro de um bloco que, cinicamente, ainda insiste em se autodenominar "mercado comum".
Mas o livro tambm peca em exageros sensacionalistas e reducionismos infantis, desde apontar o carro popular como uma inveno da ndia aos elogios suposta "ditadura meritocrtica" chinesa, que completou as mudanas necessrias no atacado e no varejo. Instituies fortes (Justia, Constituio, ambiente regulatrio adequado, transparncia, combate corrupo, etc.) demoram dcadas para serem estabelecidas e ainda cedo para dizer que as duas baleias asiticas recm-emersas j tenham estabelecido uma nova modalidade invencvel de natao. Estamos no sexto ano do sculo 21 e muita gua ainda vai rolar: a crescente desigualdade de renda entre os que esto no mundo plano e os bilhes que tm ficado sua margem, o risco de ditaduras ineficientes (a China no est imune a polticas pblicas equivocadas, corrupo e presses por mudanas polticas), guerras e terrorismo, conflitos religiosos (ainda to vivos, como nos mostra a explosiva reao s caricaturas publicadas na Europa), os sucessivos erros da poltica externa dos EUA, literalmente ignorados pelo autor, as presses protecionistas e tantos outros fatores. Afinal, quem seria maior: o "mundo plano" ou o "mundo no plano"?
Enfim, deixando de lado o debate sobre o grau de uniformizao do mundo, fundamental discutir o papel do Brasil ante o rpido crescimento do leste da sia. As oportunidades so evidentes. Quanto mais o mundo se achatar, maior ser a demanda por produtos intensivos em recursos naturais (agronegcio, minerao, energia, etc.). A cada dia cresce a demanda por produtos oriundos do subsolo, terras frteis, gua e tecnologia tropical. O Brasil um dos pases que apresentam maior potencial de crescimento sustentvel neste segmento, o que pode e deve ser aproveitado de forma inteligente. Oportunidades tambm existem nos produtos cuja matria-prima a criatividade - como moda, cosmticos, msica e software -, mas a nossa internacionalizao ainda incipiente.
H tambm diversas ameaas. Uma delas a nossa velha mentalidade de substituio de importaes, que dificulta a presena do Pas nas cadeias globais de fornecimento de produtos e servios. Enquanto a sia caminhou para a promoo das exportaes, criando indstrias globalmente competitivas, por aqui ns insistimos na substituio de importaes, que, salvo raras excees, gerou uma indstria competitiva apenas regionalmente. Como exportar mais com tantas travas contra importaes? Outra ameaa se encontra nos setores intensivos em mo-de-obra (vesturio e calados, por exemplo), que encontram dificuldades crescentes com a competitividade asitica. Na verdade, a deficincia brasileira relaciona-se mais com as regras do jogo do que com os jogadores. O que hoje mais nos distancia dos pases emergentes que esto dando certo a nossa incapacidade de fazer as macrorreformas necessrias para reduzir o custo do capital e a volatilidade da taxa de cmbio e para tornar mais eficiente o ambiente regulatrio que cerca as empresas e os trabalhadores. No h quem no fique incomodado em ver o crescimento acelerado de pases que entraram no "mundo plano" muito depois do Brasil e que hoje j esto nos fazendo comer poeira.