Scot Consultoria
scotconsultoria-br.noticiascatarinenses.com

Doena holandesa ou brasileira? 1v4u57

por Andr M. Nassar
07/03/2006 - 19:49
O nosso ado de nao colonial dependente dos ciclos do pau-brasil, da cana-de-acar, do ouro e do caf deve explicar o negativismo que pesa sobre o setor das commodities. Preos de commodities oscilam em mercados abertos de fcil arbitragem. Quando eles esto num pico de baixa, proliferam crticas sobre o nosso padro exportador tpico de nao pobre, sobre o baixo dinamismo deste segmento e sobre a inevitvel deteriorao dos termos de troca internacionais. Quando os preos entram num ciclo de alta, vm as crticas sobre os efeitos inflacionrios das commodities ou sobre a iminente derrubada da floresta amaznica. O ltimo modismo brasileiro na matria, que tem gerado calorosas discusses, seria a contaminao do Pas pela chamada "doena holandesa": a suposta exploso nos preos das commodities desde 2002, puxada pela demanda asitica, seria responsvel pela apreciao da taxa de cmbio real, gerando um processo de "desindustrializao" da economia, com a paulatina destruio de produo na indstria e nos servios. No limite, a economia brasileira voltaria ao tempo das plantations e do extrativismo de minrios. A nossa primeira constatao a de que a parcela das commodities (brutas e industrializadas) no total das exportaes cresceu pouco na ltima dcada, variando entre 30% e 40% da pauta, com uma ligeira tendncia de crescimento a partir de 2000 e estabilizao no patamar de 39% desde o incio do boom de preos, em 2002. No entanto, os produtos no-commoditizados tambm mostram um expressivo crescimento no mesmo perodo, em setores to diversos como avies, equipamentos de telecomunicaes e automveis. O Brasil soube aproveitar as oportunidades da forte expanso recente do comrcio mundial. Para analisar o vetor "preos internacionais" inicialmente decidimos descartar indicadores que atribuem peso excessivo s commodities energticas, como o ndice de Preos de Commodities Primrias do FMI, no qual a ponderao do petrleo representa 40% do ndice, mas apenas 3% das exportaes brasileiras. No tem sentido comparar a nossa pauta de commodities com a de pases tipicamente exportadores de petrleo ou minrios, como Venezuela, Nigria, Rssia, Arbia Saudita ou Chile. Criamos, ento, o ndice de Preos das Commodities Brasileiras, composto pela ponderao da cesta de commodities exportadas pelo Pas no perodo 1996-2005. A concluso a de que, com exceo do petrleo e do minrio de ferro, os demais preos tiveram em 2004-2005 altas bem menos expressivas do que as alardeadas, semelhantes s altas anteriores de 1996-1997, do final dos anos 80 e muito menores, em termos reais, do que o boom que se seguiu aos choques do petrleo de 1973 e 1979. O ndice d os elementos para enterrar a idia estapafrdia de taxar as exportaes de commodities, que andou sendo ressuscitada mais uma vez. Agora, se os preos internacionais no so to espetaculares como se pensa, como explicar, ento, o bom desempenho das exportaes? A explicao est no expressivo aumento das quantidades exportadas, com enorme destaque para soja em gros, algodo e carnes em geral. Estimulados pelo cmbio desvalorizado entre 2001 e 2004, conseguimos aproveitar o crescimento quantitativo da demanda mundial e ainda ganhamos market share em razo de intensos ganhos de produtividade e de crises que afastaram os nossos principais concorrentes (quebras de safra, aftosa, vaca louca, etc.). O Brasil cresce mais do que o mundo em 80% das commodities analisadas. Tais fatores no garantem, porm, a liderana alcanada. O ano de 2005 foi marcado pelo ressurgimento das velhas doenas brasileiras: valorizao excessiva da nossa moeda, crises climticas, ressurgimento da aftosa, etc. No presente momento, nuvens negras fecham o horizonte: cmbio real se valorizando ainda mais, infra-estrutura "padro Iraque", risco de febre aviria, neoprotecionismos tarifrios, sanitrios e ambientais, etc. O estudo traz pelo menos trs evidncias que contestam a existncia de um processo massivo de "desindustrializao" em curso: os crescentes supervits comerciais dos setores no-commoditizados a partir de 2002, a recuperao do emprego industrial a partir de 2004 e a noo equivocada de que exportar commodities seria uma atividade no-industrial atrasada. Por trs da exportao brasileira de commodities h uma complexa rede de indstrias de insumos, mquinas, processamento de produtos e prestadores de servios. A culpa pelos cortes de investimento e pela fuga de empresas que vm sendo noticiados em um ou outro setor no das commodities, e sim do custo Brasil. Ou seja, a doena no holandesa, e sim brasileira, velha conhecida de todos ns. O nico remdio efetivo est no desatolamento das reformas estruturais, principalmente na rea dos gastos governamentais, fator que mais nos distancia das outras economias emergentes. Com as reformas os juros podem cair mais rapidamente e a moeda voltar para o saudoso patamar de dois anos atrs. Com maior isonomia de juros e cmbio, deveramos considerar seriamente a necessidade de reduzir, via negociaes, as barreiras que dificultam as importaes de bens intermedirios, ponto crucial para tornar a nossa indstria mais competitiva. O mundo provavelmente nos presenteou, de fato, com um "corao novo" nos primeiros anos deste sculo. Mas ele j comea a ficar comprometido pela nossa eterna recusa a adotar dietas alimentares de reduo do sobrepeso e pelo velho hbito de ficarmos irando o nosso prprio umbigo, sem notar que os atrasados de ontem esto hoje com o fsico em ordem, e j quase completando a maratona.