por marcos sawaya jank
De um lado, agricultores fecham estradas, queimam mquinas agrcolas e fazem uma nova marcha a Braslia para mostrar a sua revolta com as margens negativas generalizadas do seu negcio. Do outro, aumentam as invases ilegais dos que sustentam a falsa tese de que possvel construir uma agricultura pujante com o fatiamento de terras produtivas e sua distribuio a cidados com pouca ou nenhuma experincia no ramo, custa do bombeamento permanente de subsdios governamentais.
No interior, costuma-se ouvir que o Brasil nunca teve poltica agrcola. Isso no verdade. Nos ltimos 50 anos o Brasil seguiu trs modelos distintos de poltica agrcola. De 1950 a 1990, o mote do modelo era "ocupao territorial e segurana alimentar". O governo comandava uma poltica altamente intervencionista, baseada em crdito rural subsidiado, preos mnimos garantidos, agncias reguladoras (IBC, IAA) e substituio de importaes (programas de lcool e trigo). Com mo-de-ferro, o governo controlava preos, formava estoques e manipulava tarifas sobre exportaes e importaes, para garantir o abastecimento. O lado positivo desse perodo foram os investimentos consistentes em pesquisa e desenvolvimento de tecnologia tropical.
Nos anos 90, o governo eliminou quase todos os subsdios e mecanismos de interveno nos mercados. Entre os governos Sarney e Lula, os recursos para polticas agrcolas e agrrias caram de 5,6% para 1,8% dos gastos totais do governo federal. O novo mote da ao governamental ou a ser "agricultura familiar e reforma agrria". Levantamentos de Jos Garcia Gasques, do Ipea, mostram que nos ltimos seis anos os recursos para agricultura familiar e polticas agrrias aumentaram cerca de 10% ao ano, em termos reais, atingindo R$ 5,5 bilhes, ou 45% dos gastos totais com o setor agropecurio (ante apenas 6% do total nos governos Sarney, Collor e Itamar). Em contrapartida, os gastos com as polticas agrcolas tradicionais caram 4,3% ao ano no mesmo perodo. Itens como defesa sanitria, extenso rural, irrigao, eletrificao rural e promoo comercial tiveram corte de gastos entre 11% e 35% ao ano. Caram tambm, a uma taxa menor, os recursos para pesquisa agropecuria, abastecimento alimentar e subvenes diversas (equalizao de juros, securitizao de dvidas, garantia de preos, financiamentos, etc.).
Enquanto a corrida tecnolgica "exclua" milhes de agricultores com terra todos os anos, o governo fixou-se na idia que a distribuio de pequenos lotes de terra iria "incluir" milhares de novos agricultores. Outras teses do gnero foram se enraizando nas estruturas burocrticas de Braslia, como a idia de que haveria uma "agricultura patronal" em permanente conflito com a "agricultura familiar", e o divisor entre elas seria a rea da propriedade e a capacidade ou no de contratar empregados, dois parmetros que no fazem sentido num pas em que o fator de produo restritivo o capital, e no a terra e a mo-de-obra. O desenvolvimento do Centro-Oeste est a para provar que pequenos agricultores familiares do Sul se transformaram em mdios e grandes agricultores patronais na esteira das oportunidades de migrao, baseadas em uso de tecnologia, ganhos de escala e aumento de renda. Outras idias de duvidosa comprovao emprica so o "agronegcio" contra a "pequena agricultura", a soja necessariamente contra o meio ambiente e a postura obscurantista contra a biotecnologia agrcola.
Atualmente, os recursos pblicos para a agricultura se espalham em mais de uma centena de programas alocados em quatro ministrios: Agricultura, Desenvolvimento Agrrio, Pesca e Meio Ambiente. O curioso, porm, que os maiores problemas do setor no esto sob o controle desses rgos, que viraram meros "bombeiros" dos grandes desajustes macro que solapam o setor: 1) A valorizao da taxa de cmbio real - que jogou novamente os preos em reais por terra, em poucos meses; 2) as deficincias da infra-estrutura; 3) a insegurana jurdica e o desrespeito aos direitos de propriedade; e 4) a falta de uma poltica comercial mais agressiva para abrir mercados nos pases protecionistas.
Ocorre que a agricultura precisa mesmo de polticas macroeconmicas coerentes, e no de polticas agrcolas e agrrias contraditrias e confusas. Os paliativos adotados no varejo no resolvem os grandes equvocos no atacado. Com polticas macro to volteis a doena se espalha rapidamente e no h remdio capaz de curar as feridas abertas.
O nosso atual modelo de poltica agrcola pode ser descrito como "fragmentao de programas e apagar de incndios". Hoje se gasta cada vez mais com programas questionveis dirigidos a grupos especficos de beneficirios. O alongamento das dvidas gera dois pesos e duas medidas vis--vis os que no tm dvidas e os que as pagam em dia, desapropriaes custam caro e h srias dvidas quanto sustentabilidade de longo prazo dos assentamentos. Para no perderem os subsdios agricultores familiares tm restries a contratar empregados, o que incentiva a absurda explorao da mo-de-obra infantil dos seus filhos. Na outra ponta, faltam recursos para gerar os bens pblicos fundamentais para o bem-estar de todos os agricultores, como defesa sanitria, pesquisa, infra-estrutura, educao, seguro rural, certificao, rastreabilidade, etc.
O forte crescimento da demanda por alimentos, fibras e bioenergia um presente que o mundo est oferecendo agricultura brasileira. S que os desajustes das nossas polticas macroeconmicas e setoriais (agrcolas e agrrias) vo acabar nos fazendo perder esta oportunidade de ouro. Em vez de olharmos para o horizonte e aplicarmos medidas que aumentem a competitividade do setor e promovam, de fato, alguma incluso social, as nossas polticas pblicas esto totalmente voltadas para o retrovisor do veculo, que vai avanando em ziguezague, na beira do abismo.