por marcos s. jank
Mais de 2.200 acordos bilaterais de proteo de investimentos no exterior j foram assinados por cerca de 180 pases. O Brasil, porm, sempre se recusou a ratificar este tipo de acordo com medo das aes que poderiam ser adotadas caso fssemos obrigados a indenizar empresas estrangeiras pelas nossas constantes mudanas das regras do jogo. O caso da nacionalizao da Petrobrs na Bolvia prova que hora de rever essa estratgia, j que estamos virando "gringos" nos outros pases e precisamos, agora, pensar tambm nos interesses das nossas empresas alm das fronteiras nacionais.
Hoje se fala muito da crescente internacionalizao de empresas nacionais, como Petrobrs, Vale do Rio Doce, Gerdau, Natura, Embraer e Embraco. O que pouca gente sabe que h milhares de casos de pequenos empreendedores brasileiros que vm enfrentando toda sorte de adversidades para expandir as suas atividades em regies remotas da Amrica do Sul.
Um dos exemplos mais notrios est no agronegcio. H quatro dcadas milhes de agricultores deixam sua terra natal no Sul do Pas em busca de melhores oportunidades no centro do continente. Muitos destes empreendedores atravessaram as fronteiras brasileiras, mudando o panorama da agropecuria nos pases vizinhos, com destaque para Uruguai, Argentina, Paraguai e Bolvia. Um dos exemplos clssicos o dos rizicultores brasileiros que migraram para a Argentina e o Uruguai buscando aproveitar as melhores condies de produo desses pases.
Graas combinao de novas variedades de soja e algodo, raas melhoradas de gado zebu indiano e gramneas africanas extraordinrias como a Brachiaria, o nosso Centro-Oeste conseguiu desenvolver-se na mesma velocidade da China. No contexto deste movimento silencioso, no demorou muito para que os produtores mais destemidos descobrissem o enorme potencial agrcola do Chaco paraguaio, para onde se dirigiram na esteira das polticas de colonizao das dcadas de 1970 e 80. No final da dcada de 90 j havia 460 mil brasileiros no Paraguai, ou 6% da populao do pas. Os "brasiguaios" possuem 1,2 milho de hectares nesse pas. Em alguns pontos da fronteira os brasileiros constituem 90% da populao local.
No incio dos anos 90, atrados por terras baratas e frteis e fortemente estimulados por incentivos do governo boliviano, milhares de sojicultores brasileiros aportaram no Departamento de Santa Cruz de la Sierra. Pouco a pouco, esse Departamento se transformou na principal regio agropecuria da Bolvia (70% da produo agrcola do pas!) e numa das mais promissoras fronteiras da produo de soja do mundo. Estimativas indicam a presena de mais de 30 mil agricultores brasileiros na Bolvia. Estima-se que 32% dos sojicultores do pas sejam brasileiros, cifra superior aos bolivianos (27%) e s colnias de cristos menonitas (28%); 35% da soja exportada pela Bolvia da responsabilidade de brasileiros. A soja o segundo produto de exportao da Bolvia, logo atrs do gs natural, e representa 6,5% do PIB do pas.
Nos ltimos dez anos, a rea da oleaginosa duplicou na Bolvia e aumentou 260% no Paraguai. Essa ampliao est diretamente relacionada com os investimentos e o know-how brasileiros. A expanso da atividade agropecuria brasileira nos pases vizinhos um caso de sucesso e tenses, decorrentes de movimentos migratrios estimulados por incentivos para a ocupao de reas de fronteira, de um lado, e de mudanas ciclotmicas no cenrio poltico regional, do outro.
A posse de Evo Morales, em janeiro, levou estatizao do petrleo e do gs, afetando os investimentos da Petrobrs. O prximo alvo de Morales podem ser os sojicultores brasileiros, bem mais dispersos em termos de renda e populao. No incio de junho, o governo boliviano anunciou a sua nova "revoluo agrria", que ser feita por meio da "regularizao dos ttulos de terra" pelo Estado, sob a alegao do no-cumprimento da sua funo social e da expulso de todos os proprietrios estrangeiros da zona de 50 quilmetros de fronteira (h pelo menos 200 propriedades de brasileiros nessa situao). H uma percepo no governo brasileiro de que ser muito difcil os brasileiros escaparem da desapropriao na Bolvia, em razo da fragilidade documental, ambiental e trabalhista.
No a primeira vez que a Bolvia nacionaliza o petrleo e promove reformas agrrias. Medidas puramente distributivas dessa natureza tm grande efeito populista, porm raramente geram sistemas mais eficientes. A ditadura do proletariado no comunismo no teria sucumbido se fosse um regime econmico mais eficiente. O projeto de Morales prev a nacionalizao de 11 milhes a 14 milhes de hectares, o que representa 11% das terras do pas, que sero distribudos a camponeses sem terra, a comunidades indgenas e aos bolivianos sem terra que estejam dispostos a trabalh-la. A grande presena de brasileiros ajuda a fomentar um clima de confronto em que os produtores so apontados como "imperialistas", "expansionistas" e "invasores", a exemplo do que j vem ocorrendo com os "brasiguaios" no Paraguai.
Em suma, terras frteis e baratas, empreendedorismo, tecnologia avanada e o forte incentivo dos governos da regio levaram milhares de agricultores brasileiros a construir uma vida inteira alm das nossas fronteiras nacionais. H muitos anos, os governos da regio se renem para fazer discursos eufricos recheados de promessas de amizade eterna, prosperidade e maior integrao regional. hora de cumprir as sucessivas promessas que foram feitas, garantindo os investimentos, os direitos de propriedade e a estabilidade das regras do jogo. Milhares de cidados que embarcaram nessa onda podero ter o seu futuro comprometido pela falta de seriedade dos governantes desta nossa Amrica Latina sempre to sofrida e voltil.