Scot Consultoria
scotconsultoria-br.noticiascatarinenses.com

O mundo est mesmo mais fechado? 4t42e

por Andr M. Nassar
20/03/2009 - 13:34
por Andr M. Nassar medida que avanamos mar adentro na outrora crise financeira e atual crise econmica mundial, mais somos surpreendidos pela criatividade dos governos, que no apenas opinam sobre polticas adotadas por outros pases, como tambm buscam, sobretudo, solues que vo no mnimo no sentido contrrio ao da resoluo da situao. So dignos de meno, no Brasil e fora dele, as aes protecionistas tomadas pela Argentina e os novos movimentos de estatizao na Venezuela, que levaro para ainda mais longe qualquer disponibilidade de o j escasso crdito internacional chegar perto de ambos os mercados. O assunto da imposio de barreiras ao comrcio, no contexto da crise mundial, uma espcie de unanimidade: h concordncia de que, diante da queda vertiginosa dos fluxos comerciais, fruto das restries ao crdito e da reduo da demanda, medidas que discriminem contra o comrcio ajudaro a adiar as expectativas de crescimento da economia mundial em 2009. No entanto, do mesmo jeito que, se questionada, a maioria das pessoas diria que o protecionismo uma prtica negativa, a mesma maioria teria dificuldades em precisar por que, onde e como o protecionismo malfico. Mostrar-se contra o aumento das barreiras ao comrcio, como tem sido corretamente a estratgia empregada por alguns governos - entre eles o brasileiro - e por instituies internacionais, infelizmente no impede os pases de continuarem a perseguir os interesses dos produtores nacionais. Apesar do alarde, o que essa crise tem demonstrado que, apesar da enorme evoluo do sistema multilateral de comrcio - de 1947, quando foi realizada a primeira rodada do Acordo Geral sobre Tarifas e Comrcio (Gatt, na sigla em ingls), at os dias de hoje -, os pases sempre encontram solues criativas para buscar formas de proteo que ou no esto claramente definidas e estabelecidas nas regras de comrcio, ou se aproveitam de brechas ainda existentes nas regras e necessitaro de mais algumas rodadas de negociao para ser fechadas. Falo de pases desenvolvidos, no primeiro caso - com seus pacotes pesados de ajuda ao setor automobilstico e, por que no citar, ao financeiro - e dos pases em desenvolvimento, que ainda utilizam instrumentos primitivos como a imposio de licenas no automticas de importao e formas menos sutis baseadas em puro e simples aumento de tarifas, prtica que tem sido escolhida pelos asiticos. Tambm se valendo das imperfeies, por assim dizer, das regras multilaterais de comrcio, os nmeros de 2008 indicam que os pedidos e a imposio de medidas antidumping cresceram ao longo do ano. Um levantamento feito por tcnicos do Banco Mundial indica que houve expressivo crescimento de medidas antidumping no segundo semestre de 2008, em comparao com o primeiro. O mesmo levantamento afirma que, excluindo o antidumping, 45 medidas de restrio ao comrcio foram adotadas de outubro de 2008 at fevereiro de 2009, 12 delas relativas a pases desenvolvidos e concentradas em pacotes de ajuda e subsdios a agricultores, e 35 em pases em desenvolvimento, predominando a elevao de tarifas, as barreiras no tarifrias, a proibio de importaes e os pacotes de ajuda a setores especficos (o estudo pode ser obtido no endereo http://www.voxeu.org/index.php?q=node/3183). No h dvida, portanto, de que a reduo do comrcio mundial vem acompanhada por usos mais intensos de medidas de restrio. Diante desse cenrio, camos na tentao de fazer comparaes com a crise de 1929, especificamente com a promulgao da Lei Smoot-Hawley, de 1930, que elevou a tarifa mdia de importao dos EUA de 38,5% para 53%. Hoje, sabe-se que o aumento das tarifas norte-americanas no somente levou a uma reduo das importaes, afetando os exportadores, mas tambm piorou a situao do mercado internacional de capitais, agravando ainda mais a crise mundial. A comparao, claro, no se aplica - e no apenas porque o regime multilateral impe tetos para as tarifas, como tambm porque, com exceo de nada honrosos casos como a Argentina, as medidas bvias de restrio (aumento de tarifas e uso de licenas de importao), por enquanto, foram dirigidas a setores especficos, e no a todo o universo de produtos, como fizeram os americanos em 1930. Alm disso, as medidas no bvias, como pacotes de ajuda a setores especficos - fazendo uma ressalva ao absurdo aumento nos subsdios aos agricultores a que hoje assistimos nos EUA e na Unio Europeia - so de difcil mensurao, porque podem desviar comrcio, levando a um aumento das compras de produtores locais, mas podem estimular a economia, gerando maiores importaes em setores no cobertos por elas. Assim, o mpeto protecionista deveria ser barrado sobretudo nas medidas que causam bvias distores ao comrcio, como aumento de tarifas, uso de barreiras no tarifrias (as famigeradas licenas de importao argentinas) e subsdios aos agricultores. Infelizmente tais medidas esto, em termos gerais, abrigadas no arcabouo de regras da Organizao Mundial do Comrcio (OMC), permitindo aos pases usufrurem delas sem constrangimento adicional. E como se no bastasse o fato de que ou as medidas esto de acordo com as regras da OMC ou oferecem poucas evidncias que discriminam contra o comrcio, os pases ainda querem menos protees para seus produtos de exportao e mais protees para os produtos no competitivos. A soluo dessa matriz de interesses bvia: todos preferem mais proteo. Assim, embora sejam vlidos os esforos de usar a reunio do G-20 em Londres para reforar os malefcios das medidas restritivas ao comrcio, sabemos que os pases no abriro mo delas. Nosso consolo que na crise atual, diferente de 1929, menor comrcio resultado, e no causa dela.
Andr M. Nassar, engenheiro agrnomo formado pela ESALQ-USP, com doutorado pela Faculdade de Economia, istrao e Contabilidade da USP. Desde julho de 2003 Diretor Geral do Instituto de Estudos do Comrcio e Negociaes Internacionais (ICONE). As principais reas de atuao no ICONE so: negociaes internacionais multilaterais e extra-regionais; desenho de cenrios quantitativos e de projees de longo prazo de comrcio agrcola; poltica comercial agrcola em pases desenvolvidos e em desenvolvimento; contenciosos da Organizao Mundial do Comrcio.