Latifndio Ilgico 4s51

O que um latifndio? No ado, a resposta vinha fcil. Hoje, a pergunta exige esforo para ser respondida, remetendo ao ncleo do problema agrrio no Brasil. Semntica da boa. A historiografia consagrou o latifndio como mal maior de nossa formao social. O termo se origina no latim - lato fundis -, significando os grandes domnios da aristocracia na Roma antiga. O conceito se vincula ideia da imensido e da opresso no campo. Na poca colonial, o latifndio surgiu por aqui disfarado nas capitanias hereditrias. Grandes pores do territrio se dividiram entre os fidalgos do rei encarregados de colonizar as terras longnquas. No ciclo aucareiro do Nordeste, sculos atrs, a grande explorao comandava a economia. Historiadores tambm a chamaram de plantation, a vasta propriedade monocultora. O latifndio sempre caracterizou o domnio da oligarquia agrria, terra do coronel. No triste perodo escravista, os conflitos entre a casa grande e a senzala expunham as mazelas da desigual sociedade. Mais tarde, na economia cafeeira que abriu So Paulo, com o trabalho sendo liberto, o latifndio manteve sua forte presena at a grande crise de 1929-1930. Quando Getlio Vargas assumiu o poder, a oligarquia comeou a se desmantelar. Surgia, com a ajuda da imigrao, a classe mdia no campo. Derrotar o tradicional sistema latifundirio e vencer o imperialismo norte-americano configurou o estridente grito nacionalista que, nos anos 60, mobilizou a esquerda latino-americana. Todos se uniram contra o atraso rural. Na receita do desenvolvimento, eliminar o latifndio virou mantra. A unanimidade poltica se provou no Estatuto da Terra, promulgado pelo regime militar em novembro de 1964. Nem a turma da direita, que chutou a democracia no golpe, se ops desapropriao do latifndio, um obstculo ao progresso. A nova lei deu nome aos bois. Os latifndios aram a ser divididos em dois grupos: "por dimenso" e "por explorao". No primeiro caso, 600 mdulos de terra eram o limite de sua extenso, rea situada entre 20 mil e 50 mil hectares, dependendo da regio. Maior que isso, poderia ser desapropriado para reforma agrria. Terra dividida. J os latifndios "por explorao" precisavam, independentemente de seu tamanho, provar que eram produtivos. Da surgiram os ndices de produtividade que o Incra utiliza, at hoje, para caracterizar a funo social da propriedade rural. Se estiver ociosa, com baixa produo, pau nela. Vai para o assentamento dos sem-terra. Muito bem. Dois cadastramentos gerais foram realizados naquela poca. As estatsticas eram devastadoras, configurando forte concentrao da estrutura agrria. Em 1984, atualizados, os dados serviram para fundamentar o plano de reforma agrria da Nova Repblica. Eles mostravam que os latifndios se apropriavam de 90% do territrio. Um escndalo. O cadastro indicava existirem 305 latifndios "por dimenso", que, somados, detinham rea maior do que a explorada, na outra ponta, por milhes de pequenos agricultores. Ningum poderia concordar com isso. Reforma agrria j. Se a ditadura no aplicou, na prtica, o Estatuto da Terra, a democracia restabelecida o faria. Assim, h 25 anos, se iniciava a fase moderna da reforma agrria brasileira. Seus resultados sofrveis frustraram as expectativas, transformando a prometida redeno da misria rural numa polmica interminvel. Por qu? Duas explicaes importam aqui. Primeiro, destrinchando as estatsticas oficiais, verificou-se que, entre os latifndios "por explorao", 700 mil detinham rea menor que 100 hectares de terra. Quer dizer, eram "pequenos" latifndios. Um contrassenso incompreensvel. Segundo, entre os grandes, apenas um ou outro acabou efetivamente desapropriado na reforma agrria, por uma razo elementar: dificilmente eles eram encontrados nas vistorias de campo. Representavam enormes terras griladas, cadastradas no Incra, porm fictcias. Latifndios "fantasmas". O equvoco desnorteou os agraristas. Estava em curso um processo de modernizao agropecuria que, hoje, caracteriza o capitalismo no campo. Nos ltimos 30 anos, o latifndio transformou-se em grande empresa rural, mantendo-se grande, mas tornando-se produtivo. Integrado com a agroindstria, ao lado de fortes cooperativas, constitui o complexo chamado agronegcio. Aps a Constituio de 1988, mudou a lei agrria. Desapareceram as antigas denominaes do latifndio, substitudas pela nova caracterizao econmica da grande propriedade: produtiva ou improdutiva. At hoje, entretanto, o conceito histrico, to marcante, permanece sendo utilizado. E, infelizmente, deformado. Joo Pedro Stdile, idelogo do MST, caracteriza atualmente o latifndio como a propriedade rural que, embora cultivando caf, soja, cana, eucalipto, ou utilizada na pecuria, ocupe rea superior a mil hectares. Ponto. No interessa se utiliza tecnologia, paga bem aos empregados ou conserva o solo. Importa apenas o tamanho, alis, bem abaixo dos antigos latifndios "por dimenso". Ora, o modelo agrcola do Pas, ainda concentrador, pode ser criticado. Mas o latifndio sempre caracterizou relaes atrasadas de produo, mau uso da terra, servilismo. Confundir a empresa capitalista no campo com a propriedade oligrquica entorpece o raciocnio. Latifndio produtivo soa ilgico. Curiosa a mente das pessoas. H quem, no percebendo que o mundo mudou, repete o mesmo chavo a vida toda. Tromba com a realidade. Outros, mais inteligentes, sabem das mudanas. Mas, para manter o discurso atrasado, escondem-se na mentira dos conceitos. Deturpam a realidade.