A agem bblica que relata Davi e Golias serve de exemplo para relatar diversas situaes em que uma minoria em desvantagem vence uma maioria com as supostas vantagens ao seu lado. Muitas vezes a relao entre produtores e frigorficos pode ser relatada dessa maneira, onde um “Davi-pecuarista” tem sua posio desfavorecida diante de um “Golias-frigorfico”. Eventualmente, a vida imita a lenda.
Alguns autores de teorias econmicas explicam essa situao de maneira um pouco diferente: oligoplio, monoplio, inovao e outras denominaes se aplicam ao mercado do boi gordo, dependendo da situao ou foco que se queira descrever.
Joseph Schumpeter foi o primeiro acadmico a desenvolver uma teoria sobre ciclos econmicos e os principais impactos sobre o equilbrio de mercado. Basicamente, o autor parte do princpio de que alguma inovao – a introduo de um novo bem no mercado, a descoberta de um novo mtodo de comercializao de mercadorias, a conquista de novas fontes de matrias-primas, ou, por fim, a alterao da estrutura de mercado vigente, como a quebra de um monoplio – altere consideravelmente o equilbrio anteriormente existente no mercado.
Schumpeter tambm foi autor de uma expresso famosa entre os economistas, a chamada “destruio criativa”. Ela serviu para designar o constante processo de transformao que incentiva o progresso por meio da eliminao de agentes e produtos menos eficientes e defasados, em um cenrio de seleo em que s os agentes inovadores se sobressaem e conseguem sobreviver. Vale ressaltar – conseguem sobreviver.
Novas tecnologias de produo e gesto agropecuria – sistemas de integrao lavoura/pecuria, confinamentos, semi-confinamentos, sistemas agrosilvopastoris, alto-gro, proteo de preos (
hedge) e risco, entre outras – vieram na tentativa de fazer frente grande necessidade de eficcia na atividade – mais uma vez, sobreviver na atividade.
Utilizando a inovao de Schumpeter como foco de anlise, podemos itir algumas alteraes no mercado do boi gordo:
- Introduo de um novo bem no mercado: uma das propagandas do Plano Real, logo no seu incio, foi o o das classes C e D a protenas (notadamente, carne de frango). Veja abaixo a evoluo do consumo per capita de carne de frango e bovina a partir do incio do Plano Real.

Desde o incio do Plano Real, o consumo da carne de frango dobrou, indo de 19kg/hab em 1994 para 39kg/hab em 2009. No mesmo perodo, houve um aumento de 18% no consumo de carne bovina, permanecendo praticamente estvel em 37kg/hab nos ltimos 5 anos. A carne de frango veio para ficar, a eficincia da sua produo e baixo custo impactam seriamente os preos da carne bovina.
- Descoberta de um novo mtodo de comercializao de mercadorias: o mercado do boi gordo fundamentalmente tem como alvo o mercado interno. Ainda assim, o componente “exportao” ou a representar parte significativa da comercializao total brasileira de carnes, ando de 5,5% da produo total em 1994 para cerca de 20% em 2009. Entre 2003 e 2004 o Brasil ou a ocupar o primeiro lugar entre os principais pases exportadores, conforme o grfico abaixo.

A conquista do mercado externo foi louvvel graas competitividade da carne brasileira e hoje fator importante na formao do preo da arroba. Nas ocasies em que imprevistos nas exportaes de carne ocorrem – casos como o teor de ivermectina na carne, ou extraordinariamente na ocorrncia de aftosa – os cortes de exportao “inundam” o mercado interno, puxando os preos para baixo.
- A alterao da estrutura de mercado vigente: o nmero de “compradores” vm diminuindo drasticamente desde o incio do Plano Real. Fuses e aquisies foram uma constante, na maioria de suas vezes financiada por dinheiro pblico atravs de aquisies diretas ou emprstimos, favorecendo a concentrao do setor. A balana do poder de negociao pendeu muito mais aos frigorficos do que aos pecuaristas, muito embora alguns grupos tenham sado da atividade deixando “um rombo” aos pecuaristas. A destruio criativa vem para todos, nesse caso, embora no seja de responsabilidade de pecuaristas, muitas vezes eles tambm pagam o preo (caso de alguns em recuperao judicial).
Depois de todos os fatores descritos at agora, como foi possvel a manuteno do pecuarista na atividade diante de tamanha presso?
No foi. Sem dvida, o nmero de pecuaristas que arrendam suas terras para outras culturas, que venderam suas propriedades, que sofrem por leis ambientais confusas, legislao trabalhista incoerente e lucros decrescentes (quando existentes) no virou notcia.
A presso pela inovao, pela maior produtividade, diminuio de custos, escalas de produo, competio de outras culturas e toda a “destruio criativa” discutida aqui – e imposta com rigor pelo mercado – tambm refletida por uma das maiores manifestaes entre as foras de oferta e demanda no mercado agrcola: o ciclo pecurio.
Em poucas palavras, ciclo pecurio a alternncia entre um perodo de descarte de matrizes em funo de uma atividade pouco remuneradora (ciclo de baixa) e um perodo de alta nos preos da arroba e a conseqente reteno de matrizes para produo de gado de reposio.
Esse o retrato de “Davi e Golias” da pecuria. Golias cansou de bater, Davi cansou de apanhar. Assim como na Bblia, o Davi-pecuarista atirou sua pedra. Vez por outra, ele acerta na testa de Golias.
Seca proveniente do fenmeno
La Nia, demanda domstica aquecida, demanda externa aquecida, pouca oferta de gado aos frigorficos (escalas de abate curtas), mercado de carnes no atacado com estoques em baixa e preos dos principais cortes em alta, o que ser que deve acontecer com o preo da arroba?
J aconteceu. Os preos da arroba do boi gordo j mostram uma valorizao de 18,6% desde janeiro deste ano. Para comparao com os demais contratos, verifique a tabela abaixo com as variaes do contrato de outubro desde 2006:

Repare na tabela que “o grosso” das valorizaes dos preos da @ ocorreram at o ms de agosto, salvo o ano de 2009 – mercado atpico ainda refletindo os efeitos da crise econmica de 2008. A ltima coluna mostra a valorizao dos preos do dia 14/9 de cada ano at o vencimento do contrato de outubro – note a pequena valorizao comparada com a valorizao da primeira coluna.
Os ciclos pecurios so fatos concretos e em diversas ocasies so comprovados com as oscilaes dos preos da @. O grfico abaixo mostra o indicador ESALQ fsico de janeiro de 1995 at hoje, mdias mensais deflacionadas de acordo ao ndice IGP-DI (FGV).

A alternncia entre altas (topos de preos) e baixas (fundos de preos) revelam as tendncias dos ciclos pecurios. Repare no ciclo iniciado entre 1995-1996 at o incio de 2003 – um ciclo bem caracterstico, onde apesar das oscilaes ao longo do perodo, a seqncia de picos ascendentes e fundos descendentes mostra o perodo de reteno e descarte de matrizes. Enquanto sobe, Davi joga suas pedras, enquanto cai, Golias ataca. Repare tambm no segundo ciclo, iniciado em 2006, um padro similar ao anterior, apenas interrompido pelo “mau humor” do mercado em 2008, quando a maioria das cotaes de todas as
commodities, ativos em mercado financeiro e at imveis sofreram uma reduo. 2009 foi um ano “receoso” quanto a uma alta expressiva do boi gordo, resultando em mais descartes de matrizes, e eis que hoje retorna o ciclo ascendente, a tendncia de alta.
O grfico 3 mostra em preos reais quais as ocasies que o valor da @ deflacionada ultraou a “barreira” dos R$90,00/cabea. Note que os preos j encontram-se em patamares favorveis aos produtores, onde historicamente o preo no encontrou muita fora para continuar sua trajetria de alta. No se trata de dizer que a arroba do boi atingiu qualquer espcie de “teto”, mas apenas que nestes preos, a atividade melhor remunerada, a presena de vendedores aumenta, e finalmente, uma nova fase do ciclo pecurio tem incio.
No conto bblico Davi, para assegurar a sua vitria, toma a espada de Golias enquanto este estava ainda “tonto” pela pedrada e corta sua cabea. a destruio criativa tirando o Golias defasado da jogada e colocando o Davi “inovador”. Os preos tanto no mercado fsico quanto no mercado futuro esto atrativos, inclusive diante de uma natural (ainda por vir) reao no preo do gado de reposio. Algum vai esperar a “tonteira” de Golias ar e perder a briga, ou vai cortar a cabea do inimigo assegurando aos poucos sua rentabilidade? Pense nisso!