Scot Consultoria
scotconsultoria-br.noticiascatarinenses.com

Acordos bilaterais batem nossa porta 4o2y1y

por Andr M. Nassar
13/01/2011 - 08:30
O final de 2010 uma boa oportunidade para lembrar temas que devero continuar em pauta em 2011. Este o caso das negociaes de comrcio. Depois de um longo perodo de hibernao, o Itamaraty tem indicado que as reunies da Rodada Doha devem voltar a esquentar em Genebra. Alm disso, do lado dos pactos bilaterais de livre-comrcio, a probabilidade de o Brasil finalmente um acordo de peso, no caso, com os europeus, aumenta a cada dia. Em Genebra, a novidade seria o fechamento do acordo em si, considerando que a parte de contedo das negociaes j est bem definida. No campo multilateral, portanto, ganhos e perdas j esto "precificados" e um compromisso ter valor poltico, neste momento, maior do que econmico. J nos acordos de livre-comrcio a situao diferente. neles que residem os grandes ganhos para a economia brasileira. So eles que evitaro, e no obviedade esta minha afirmao, as grandes perdas dos setores exportadores brasileiros. na via bilateral que a liberalizao comercial, o estmulo a investimentos e o desenvolvimento de regras de comrcio vm ocorrendo no mundo. Do lado comercial, acordos bilaterais promovem duas coisas: a "criao de comrcio", uma vez que a reduo das restries tarifrias e no tarifrias e, consequentemente, a diminuio nos custos para os compradores levam a um aumento da demanda por produtos importados; e o chamado "desvio de comrcio", porque, diante de uma liberalizao bilateral, produtos que eram importados de fornecedores no beneficiados pelo acordo tendem a ser substitudos por fornecedores beneficiados pelo acordo. Ou seja, no s as importaes totais dos parceiros aumentam - criao de comrcio -, como tambm aumentam as tro cas entre os parceiros do bloco - desvio de comrcio. Pases e regies no fazem mais acordos simplesmente visando criao de comrcio. Variveis como crescimento da economia, taxa de cmbio e polticas expansionistas de demanda, entre outras, afetam muito mais as importaes de um pas do que suas tarifas nominais. Com o relativo baixo nvel de tarifas que predomina no mundo, at porque vrias rodadas multilaterais na OMC j ocorreram, promovendo essa reduo - salvaguardados os casos dos produtos agrcolas, que ainda so muito protegidos -, a pergunta no importar quanto, mas importar de quem. Assim, pases que tm interesse em estimular exportaes se engajam em acordos bilaterais pensando no desvio de comrcio, quer dizer, buscando conquistar uma posio privilegiada em relao aos seus concorrentes no fornecimento de produtos para um mercado especfico. Essa posio privilegiada ocorre no apenas porque um acordo bilateral promove liberalizao comercial, mas tambm porque regras e normas de comrcio acordadas bilateralmente tornam a relao mais estvel e de menor incerteza, estimulando investimentos bilaterais. O desvio, portanto, ocorre tambm nos investimentos diretos. Analisando as exportaes brasileiras para diversos mercados de 2000 a 2009, e comparando o crescimento destas com a evoluo das exportaes de outros pases em desenvolvimento, observamos que o Brasil j est enfrentando o problema do desvio de comrcio. O caso europeu ilustrativo. A Unio Europeia (UE) um mercado importante para os exportadores brasileiros, tanto de produtos industriais como de produtos do agronegcio. Em 2009 o Brasil vendeu cerca de US$ 33 bilhes para a UE. As importaes europeias cresceram consistentemente de 2000 a 2008, a uma taxa de 13% ao ano. De 2008 para 2009, com a crise, houve uma queda de 26%. De 2000 a 2008 as exportaes brasileiras para a UE cresceram a uma taxa de 16% ao ano, ou seja, acima da mdia europeia, indicando que o Brasil veio ganhando participao de mercado como fornecedor para a UE. Concorrentes brasileiros que esto estabelecendo ou j estabeleceram acordos bilaterais com a UE, por sua vez, cresceram, na maioria dos casos, mais do que o Brasil. As taxas de crescimento de 2000 a 2008 foram, ao ano, de 31% para China, 20% para a ndia e 22% para o Chile. Outro dado interessante , por fora da crise, a queda no valor exportado de 2008 a 2009. As exportaes brasileiras caram 27%, indicando que o Brasil manteve participao de mercado em 2009, ao o que as da China caram 19% e as da ndia, 8%, ou seja, ambos ganharam participao de mercado. Apenas o Chile caiu mais que o Brasil (41%). Outro bloco de pases que chama a ateno o da Associao das Naes do Sudeste Asitico (Asean). Analisando os dados de Malsia e Tailndia, observa-se que o crescimento das exportaes de 2000 a 2008 ocorreu a uma taxa menor, embora similar, que a do Brasil, mas a queda de 2008 a 2009 foi tambm inferior queda enfrentada pelo Pas. A UE est avanando nas negociaes bilaterais com ndia, pases da Asean e Mercosul. A UE j tem um acordo de livre-comrcio com o Chile e est estreitando laos de comrcio e de investimento com esse pas, embora nenhuma negociao de acordo bilateral tenha sido lanada. A competio entre esses pases pelo mercado europeu, portanto, est posta na mesa de negociao. Num mercado pouco dinmico, mas muito importante, como o europeu - basta ver que as exportaes dos principais produtos agrcolas para a UE tm sido constantes nos ltimos anos -, sero os acordos de comrcio que ditaro o futuro da insero dos produtos estrangeiros no bloco. Se o Brasil pretende manter suas posies conquistadas a duras penas no mercado europeu, lembrando que exportar requer esforos adicionais quando a economia forte e o cmbio livre, um acordo bilateral com a UE no uma escolha. uma obrigao. O Itamaraty parece ter entendido essa lio muito bem. E o setor privado, ser que tambm entendeu? Texto publicado no jornal O Estado de So Paulo em 15 de dezembro de 2010.