Hora decisiva. Aps uma dcada de infrutfero debate, finalmente o projeto do novo Cdigo Florestal entrar em votao no Congresso Nacional. Tomara que saia redondo.
Mais proteo ambiental e maior produo rural. Aqui reside o dilema bsico que tem polarizado a discusso poltica. De um lado, apertar o cerco contra os desmatadores e preservar a biodiversidade. De outro, valorizar a agropecuria e permitir avanos no agronegcio. A equao da agricultura sustentvel.
Produo sustentvel distingue-se de preservacionismo. Este supe cessar o crescimento econmico, sufocar a produo e a renda rural. No cenrio presente, crescendo a populao mundial, com forte demanda de alimentos, a hiptese afigura-se irreal e ingnua. Uma posio elitista.
Difere, tambm, a produo sustentvel no campo da agricultura extensiva e predatria, que caracterizou nossa histria. O avano tecnolgico tem permitido enorme elevao da produtividade, economizando terra. Defender, em nome do combate fome, o contnuo desmatamento das florestas soa ridculo. Uma posio retrgrada.
Nem um, nem outro. Os discursos polarizados contm bvios exageros, como afirmar que o risco urbano das enchentes se agravar por obra dos agricultores. Ora, o argumento serve para livrar a culpa dos inescrupulosos loteadores que, conluiados com o poder local, afincam precrias moradias nas bibocas ngremes ou nas barrancas dos rios. Quem ocupou e estragou o rio foi a cidade, no o campo.
Nessa matria do Cdigo Florestal existe um campo frtil de conciliao entre destruir ou preservar. O desenvolvimento sustentvel configura o nico caminho capaz de unir a ecologia, a economia e a sociedade. Fcil de falar, difcil de fazer.
Vamos discusso prtica. O relatrio do deputado Aldo Rebelo, posto para votao na mesa da Cmara, consolida os retalhos da legislao em vigor e permite regularizar milhes de agricultores brasileiros, tachados de criminosos ambientais. De onde vem essa pecha negativa?
fcil entender. A expanso histrica da agropecuria ocupou terrenos - vrzeas, escarpas de serra, morros de altitude, beiradas de rios - que, segundo a compreenso ecolgica atual, deveriam permanecer preservados. Encontram-se nessa situao, por exemplo, a pomicultura (produo de maas) catarinense, a rizicultura gacha e a cafeicultura - mineira, capixaba e paulista - localizada na regio Mantiqueira.
Mais ainda: na agricultura familiar, pastos e lavouras no raro se estendem rente aos crregos, enquanto a legislao exige uma preservao mnima de 30 metros de distncia da margem. Ora, se as pequenas propriedades, realmente, retrassem suas roas e seu gado dessas reas, ocupadas h dezenas de anos, pouco restaria do stio para trabalhar. Melhor seria vend-lo para algum ricao dele desfrutar seu cio.
Invocam, por aqui, com a ocupao dos brejos. Mas a agricultura surgiu no mundo ocupando exatamente as baixadas dos rios. Vide o Nilo, no Egito. Foi o solo das vrzeas, enriquecido com sedimentos orgnicos, que permitiu originar a civilizao humana. Portanto, anti-histrico querer atribuir um "ivo" ambiental aos agricultores brasileiros que procederam copiando seus anteados. nus, se houver, recai sobre toda a sociedade.
Os agricultores nacionais desejam continuar produzindo nessas reas restritas, aceitando algum tipo de mitigao ou de compensao ambiental. No caso da inexistncia da reserva legal, tambm topam ajudar a consertar o estrago ado. O que no item ser tachados de malvados. Odeiam, com razo, esse discurso depreciativo, preconceituoso, que desmerece o papel fundamental da agropecuria na economia brasileira.
Por outro lado, nada de anistiar os desmatadores. Basta saber de quem estamos falando. De nossos avs, que abriram as fronteiras e sofreram de malria para impulsionar a Nao, ou dos picaretas que, mesmo conhecendo os requisitos da modernidade, insistem em queimar a floresta e o cerrado? Estes, os bandidos ambientais, merecem cadeia. Aqueles, os agricultores de bem, querem respeito.
Existem imperfeies no relatrio Aldo Rebelo. A maioria delas pode ser eliminada com emendas de redao, oferecendo maior rigor aos conceitos, preciso nas normas. Para quem trabalha na "soluciontica", consertar possvel. Quem gosta da "problemtica" prefere vetar.
Parece-me, porm, existir um defeito grave a ser sanado: no captulo VI, a partir do artigo 23, o projeto Aldo Rebelo retira dos agricultores a responsabilidade pela regularizao ambiental, atribuindo-a ao Estado. Trata-se de um brutal equvoco, cuja consequncia ser um danoso imbrglio jurdico.
O poder pblico, incluindo municpios, pode e deve definir normas e diretrizes para promover a recuperao ambiental das reas degradadas. Ademais, o governo deve ajudar os agricultores a fazerem sua lio de casa, com apoio tcnico e com recursos financeiros. Mas o nus jurdico da recuperao deve caber ao ente privado, pois afeta a funo social da propriedade.
Ao votarem o novo Cdigo Florestal, suas excelncias precisam, acima de tudo, deixar uma segurana s geraes vindouras: qualquer modificao que venha a ser feita jamais poder facilitar a supresso florestal no Pas. Ao contrrio. A nova lei precisa oferecer garantias de que vai aumentar o rigor na conservao da biodiversidade. O resto se discute, e se acerta.
Ruralistas movem-se, ambientalistas articulam. Tenha uma certeza: esse assunto do Cdigo Florestal somente se resolve com a derrota dos fundamentalistas, de ambos os lados. A vitria da sensatez criaria a sntese de ambos: o agricultor ecolgico.