Em recente evento organizado pelo Instituto de Estudos do Comrcio e Negociaes Internacionais (Icone) e pelo Programa de Estudos dos Negcios do Sistema Agroindustrial (Pensa), conhecido acadmico referiu-se comemorao na Cmara dos Deputados, por ocasio da aprovao do novo Cdigo Florestal, como uma "alegria sinistra". Desconsiderando que a viso deste acadmico sobre o novo cdigo , certamente, fundamentada em argumentos racionais, no d para negar que a iminncia da reforma da mais importante legislao ambiental brasileira causa um certo frisson no emocional das pessoas.
As palavras mais usadas pelos crticos do projeto de lei aprovado so as descritas no ttulo: desmatamento, anistia e perdo de multas. Minha interpretao delas a seguinte: os incentivos que o novo cdigo poderia trazer ao desmatamento futuro, as condies exigidas pelo novo cdigo para a regularizao das propriedades e o tratamento queles que possuem ivos criados aps a ltima mudana na legislao vigente.
As premissas que defendo aqui so as seguintes: a legislao ambiental no pode estimular desmatamentos futuros, para usar uma expresso adorada pelos ambientalistas, alm do "business as usual" (lembrando que o desmatamento na Amaznia e no Cerrado continua a indicar tendncia de queda); a regularizao necessria para eliminar a insegurana jurdica hoje existente e para atribuir responsabilidade s propriedades, que aro a ser conhecidas e cadastradas; a lei precisa ser respeitada no tempo sem desobrigar aqueles que no a respeitaram.
Qualquer leitura ou avaliao do texto aprovado na Cmara que conteste essas premissas - para o lado ambientalista ou ruralista - est fora do intervalo de negociao e, assim, no contribui para a discusso.
So estes os tpicos que, a meu ver, deveriam, idealmente, ser objeto de consenso - ou seja, sem margens de interpretao para leituras dspares do texto legal - antes da apresentao de um novo projeto de lei pelo Senado. nesses tpicos que preciso circunscrever o alcance da reforma do cdigo que deveria ser feita.
Os trs tpicos, obviamente, esto inter-relacionados. Se, por hiptese, houvesse uma anistia completa ou um perdo de multas generalizado, sem contrapartidas, a quase certeza de no aplicao da lei no futuro levaria os produtores, no contexto do novo cdigo, a desmatar mais. O inverso, para a tristeza de alguns, acarretaria os mesmos resultados: se a lei no oferecer alternativas para a regularizao da propriedade ou se a regularizao no for eficiente, a quase certeza da impossibilidade de adequao no futuro prximo levar os produtores a desmatarem mais, na expectativa de se adequarem no futuro distante. o cachorro correndo atrs do rabo. A soluo no sai desses argumentos.
Quanto aos incentivos para desmatamentos futuros, o nico ponto que precisa ser analisado com cuidado no projeto de lei votado no Congresso se refere aos estoques de terra com vegetao natural que poderiam ser, em algum momento no futuro, desmatados. A lgica a seguinte: se a regularizao fosse pensada apenas sob a hiptese de restaurao ou compensao dos ivos de reserva legal - portanto, sem reconhecer mudana da lei no tempo, sem computar reas de preservao permanente na reserva legal e sem consolidar a vegetao remanescente em imveis de at quatro mdulos rurais -, a demanda, hipottica, por reas com vegetao natural fora da propriedade que detm o ivo seria maior (dado que compensar seria mais barato e menos danoso produo do que recompor). Essa demanda, no entanto, perde sentido quando se baseia na manuteno dos produtores na ilegalidade.
Os trs pontos citados no pargrafo anterior, porm, no mudam as condies econmicas que levam ao desmatamento. Alis, alguns ambientalistas parecem esquecer-se desse aspecto, ou seja, de que as condies econmicas do setor agropecurio e florestal induzem cada vez mais intensificao e, portanto, menos necessidade de rea. Esses pontos apenas reduzem as possibilidades de se criar um mercado de servios ambientais capitalizado por agentes privados, reduzindo potenciais novas fontes de renda para os detentores de vegetao nativa. Nenhum produtor posto na ilegalidade, contudo, seria elegvel para participar desse mercado.
A regularizao dos produtores necessria porque preciso reduzir a insegurana jurdica para quem produz, porque preciso implementar um cadastro que vai permitir, se nossos formuladores de polticas tiverem a cabea no lugar, evoluirmos para uma legislao que estimule uso agrcola racional e vocacional da terra no Brasil, e para impedir a criao de ivos ambientais futuros.
Nesse ponto, trs itens no novo cdigo devem ser pensados. Se os imveis de at quatro mdulos devem ou no ter alguma contrapartida pela consolidao da vegetao existente para fins de reserva legal. Se a consolidao de atividades produtivas em reas de preservao permanente - excluindo os casos bvios, como caf, ma, arroz, etc. - deveria ter critrios ecolgicos mais claros, alm da conservao de solos e gua. Se h perdas relevantes em estimular a restaurao de reserva legal com espcies nativas consorciadas a exticas. Eu diria sim, sim e no, respectivamente. No mencionei a possibilidade de reduo da reserva legal na Amaznia para 50% porque j uma determinao do cdigo vigente.
Por fim, deve-se refletir sobre a regularizao de quem abriu rea ilegalmente aps a ltima modificao do cdigo vigente e est isento de multas por infraes cometidas at 22 de julho de 2008. Neste ponto, o novo cdigo confia aos Programas de Regularizao Ambiental (PRAs) a capacidade de julgar cada caso. uma soluo inteligente, desde que os PRAs sejam capazes de segregar os oportunistas dos bem-intencionados.