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Agronegcio e segurana alimentar, inimigos? 5z4f3y

por Andr M. Nassar
21/11/2011 - 10:48
Na semana ada foi realizada a IV Conferncia Nacional de Segurana Alimentar e Nutricional, que teve como lema "alimentao adequada e saudvel: direito de todos". Um leitor desatento certamente veria nesse tema uma proposta a apoiar de olhos fechados. Mas uma leitura mais detalhada, que se propusesse a entender as razes que do e a esse lema, provavelmente levaria vrios leitores a ter dvidas quanto a um apoio ir a ele. Tendo lido com cuidado tais razes, duas perguntas me vm cabea: quais so as motivaes dos lderes da formulao das polticas de segurana alimentar no Pas para fomentarem o debate que afirma que o modelo agrcola brasileiro uma ameaa segurana alimentar e nutricional? Essa deciso de colocar como inimiga a produo agrcola que utiliza tecnologia, est integrada aos mercados (nacionais e internacionais) e busca competitividade via ganhos de escala - agronegcio - procede? No sei a resposta primeira pergunta. Mas posso dizer que ela baseada na crena de que o agronegcio gerou a misria que ainda existe no meio rural brasileiro. Nessa linha, o agronegcio que impede o desenvolvimento dos povos tradicionais, indgenas e minorias tnicas que vivem dos recursos naturais, pois um modelo baseado em escala - confundida por essas lideranas como monocultura - que concentra terra e, pelo uso de sementes transgnicas e agrotxicos, promove a destruio da biodiversidade, de que tanto dependem tais povos. Alm disso, segue o raciocnio, o agronegcio no possibilita a emergncia e o o a tecnologias adaptadas para esses povos e aos agricultores familiares. Paro por aqui antes que eu seja convidado a fazer parte do Consea. E me concentro na resposta segunda pergunta. No se trata de negar que ainda persistam no pas situaes de insegurana alimentar e que as comunidades onde a insegurana mais predomina so as dos povos tradicionais e indgenas. O problema existe e precisa ser combatido, com aes governamentais e o reconhecimento da sociedade de que a Histria do Brasil carrega um ivo que precisa ser atacado. Alis, vale lembrar que muitas outras naes encontram o mesmo tipo de desafio e o esto enfrentando, em muitos casos, de formas diversas das escolhidas por aqui. preciso lembrar ainda que, como qualquer economia que ainda tem instituies em formao, problemas de corrupo e definies frgeis de questes-chave, como direitos de propriedade e ameaas biodiversidade, existem: nas propriedades rurais, nos assentamentos da reforma agrria e nas reservas indgenas. sabido que o desmatamento e a degradao florestal ocorrem nos trs, sem privilgio de culpabilidade para nenhum deles. Tambm posso reconhecer sem maiores dificuldades que boa parte da pesquisa agrcola, e tenho muitas e boas razes para afirmar que essa foi uma opo correta, est orientada para desenvolver tecnologias que tornam os sistemas produtivos - via sementes melhoradas, prticas de produo que usam melhor a terra, tcnicas de manejo que procuram maximizar o uso dos insumos, etc. - mais eficientes e com maior produtividade. Tais pesquisas procuram dar solues tecnolgicas a sistemas produtivos que esto integrados aos mercados, uma vez que estes so caracterizados pela competio e pela tendncia estrutural de queda real dos preos dos alimentos. Assim, sistemas de produo de base agroecolgica, defendidos como opo correta pela conferncia citada, que atendem predominantemente mercados locais e ainda no se mostraram capazes de produzir com eficincia e escala as commodities comercializadas nos mercados globais, tendem a receber menos ateno dos pesquisadores e das empresas de pesquisa. Por fim, podemos facilmente verificar que o modelo agrcola brasileiro usa bons contingentes de terra, como o fazem as reservas indgenas e o faria a produo agroecolgica se todo o alimento consumido no Brasil viesse desse tipo de agricultura. Usar terra, assim como comprometer a biodiversidade, no e nunca ser exclusividade do agronegcio. Todas as questes apresentadas tm, ao menos em teoria, solues. Nenhuma delas, no entanto, emerge do reconhecimento, explicitamente colocado em todos os documentos de e conferncia, do papel de vilo do modelo agroexportador brasileiro. Mais do que isso, todas as solues podem ser idealizadas e implementadas independentemente da existncia do agronegcio. Ou seja, embora seja a escolha feita pelas lideranas da segurana alimentar - a de que s o modelo da agroecologia pode garantir segurana e qualidade alimentar no Brasil e, portanto, o agronegcio no beneficia as camadas da sociedade que enfrentam a insegurana alimentar -, a emergncia de um no ocorre em detrimento do outro. Somente na cabea dos formuladores das polticas de segurana alimentar no Brasil que todos os problemas sero resolvidos se o agronegcio for extirpado. Trata-se de uma viso ideolgica, que confunde o modelo agrcola contemporneo - aquele que se desenvolveu a partir dos anos 1970 e hoje conhecemos como agronegcio - com a explorao do patrimnio rural do ado histrico brasileiro e tem enorme dificuldade de reconhecer no Estado o grande responsvel pelos problemas de insegurana alimentar que perduram no Brasil. So os setores do agronegcio integrados aos mercados globais que esto incorporando, nos seus sistemas produtivos, aes de sustentabilidade e de responsabilidade social. Ignorar esse fato e igualar o agronegcio ao proprietrio de terra do ado brasileiro significa apagar a histria recente do Brasil em busca de um modelo de meio rural em decadncia.