Na polmica sobre o Cdigo Florestal, entre ambientalistas e ruralistas, no tenha dvidas: fique com ambos, unindo-os. J deu para descobrir que a polarizao do debate namora o simplismo. E que o fundamentalismo fragiliza o pensamento.
Mesmo no futebol, em que as paixes se arrebentam no grito, circunstncias permitem torcida pelo empate, nem vencedor nem vencido. Assim, em certo sentido, disputam a agronomia e a ecologia.
Qual paixo intensa, ora se adoram, ora se odeiam, mas nunca se desgrudam. As cincias biolgicas, complexas por tratarem dos fenmenos vivos, dificilmente se encaixam na controvrsia trivial da poltica, muito menos se submetem ao desgnio polarizado de uma competio esportiva.
Detestam tambm a motivao quase religiosa que guia alguns de seus expoentes, sejam, no caso, ruralistas ou ambientalistas.
Produzir, e no apenas coletar, exige alteraes no equilbrio natural. No b--b da moderna agronomia se ensina que a agricultura, ao afetar os ecossistemas originais, pode seguir dois caminhos: o predatrio ou o sustentvel. No primeiro, a produo rural se expande desprezando brutalmente as leis naturais; no segundo, tcnicas adequadas de cultivo e criao mitigam os impactos no agroecossistema modificado.
Aqui mora a essncia do dilema agroambiental, qual seja, a disputa histrica entre produzir e preservar. No incio da civilizao, e at h pouco tempo, o caminho predatrio predominou, pois os impactos da destruio eram localizados, insignificantes na dimenso planetria. Mas o crescimento contnuo da populao humana, juntamente com a tecnologia, avolumou o problema, comeando a ameaar a prpria sobrevivncia humana. Crise ecolgica global.
O ambientalismo jamais teve a coragem de itir que o maior desastre ecolgico existente na Terra o exagerado predomnio da espcie Homo sapiens. Foi a mente inteligente, ao romper as condies naturais da existncia e procriar indefinidamente, que causou graves consequncias sobre a estabilidade da vida. Simples. E dramtico.
A arrogncia do saber imaginou ser possvel dominar a natureza a seu bel-prazer. Agora, sofrendo por causa dos impactos ambientais, a humanidade busca novamente no conhecimento a sada para o infortnio que criou. Os dejetos nas cidades poluem as guas, inventam-se formas de tratamento; as lavouras provocam o surgimento de pragas e doenas, sintetizam-se agrotxicos para control-las; e assim por diante. At quando, no se sabe.
Denominada recentemente como "pegada ecolgica", a presso da populao humana sobre os recursos naturais, mostram os estudiosos, j ultraou em 25% o limite da Terra. De duas, uma: ou se reduz a populao, algo impensvel at pelo menos 2040, ou se modificam os hbitos de consumo e a produo geral. Nada ser fcil.
Nas estimativas mais comuns, a populao humana se estabilizar entre 8,5 bilhes e 9 bilhes de habitantes. Mas o acrscimo de renda, verificado hoje em dia especialmente na sia, far crescer entre 70% e 100% a demanda por cereais e carnes, pressionando. O cenrio positivo anima os agricultores a produzir mais, mesmo porque ningum ainda teve a coragem de propor que as famlias pobres, que somente agora fartam a mesa, comam menos. Churrasco democrtico.
Mas a ingenuidade de certos ambientalistas aqui, no Brasil, alicera a ousadia de proporem que a agricultura brasileira recue em sua produo, estabelecida historicamente. Gente sria, porm ilusria, defende para a roa algo semelhante ao que pretende que ocorra na cidade, a desabitar as vrzeas paulistanas do Tiet, do Pinheiros e do Tamanduate. Ou a demolir as moradias nos morros cariocas. Nada factvel.
Em Minas Gerais, a criao de gado embeleza a geografia montanhosa da Zona da Mata e da Mantiqueira desde o ciclo da minerao. Remanescentes de mata misturam-se com os rebanhos nas grotas e escarpas, caracterizando uma zona de produo peculiar, bonita, embora de baixa produtividade e estvel. Nesta paisagem, tpica das regies montanhosas, nasceu o famoso queijo mineiro acompanhado do delicioso doce de leite.
Pois bem, segundo os modernos conceitos da legislao, parte destas reas, a mais inclinada e que margeia crregos, ou a ser protegida. Virou as polmicas reas de preservao permanente (APPs), que representam milhes de hectares de pastagens, espalhados por a, geralmente apropriados por pequenos agricultores. Decididamente, no foram eles que causaram a crise ambiental.
Ambientalistas ingnuos, todavia, defendem a tese de que tais reas de pastagens deveriam ser interditadas, retornando a elas a cobertura vegetal originria. Um deles chegou a caracterizar como crime de "lesa humanidade" manter as vaquinhas morando por l. Deu um carto vermelho aos sitiantes, rumo ao chuveiro das favelas. Esdrxulo.
Tais teses catastrofistas encontram algum respaldo na grande mdia, induzindo a opinio pblica a pensar que estamos prximos do fim se o novo Cdigo Florestal for aprovado. Puro exagero. Por outro lado, ruralistas tradicionais defendem continuar tocando fogo na floresta para combater a fome no mundo. Absurdo. Caminhos extremos do beco sem sada.
Nem ser necessrio desmatar novas reas ecologicamente sensveis, nem carece reduzir o tamanho de nossa agricultura. Fora as excees, consideradas no novo Cdigo Florestal construdo no Senado, o empate a estratgia possvel na equao da sustentabilidade agrria. Vitria do bom senso, derrota do fundamentalismo.
Chega de tratar nossos avs como "criminosos ambientais". Confundir o feito dos anteados com a bandidagem atual na floresta interessa apenas torcida da ignorncia.