Nos ltimos trs artigos publicados neste espao, mostrei que as exportaes do agro brasileiro continuaro crescendo, respondendo demanda por alimentos nos pases em desenvolvimento e aos elevados preos internacionais.
Argumentei, tambm, que o Brasil vai crescer mais do que outros exportadores, porque, a menos que polticas erradas sejam adotadas, o agro brasileiro responde mais rapidamente s elevaes de preo que o de outros pases. Isso ocorre porque o agro brasileiro combina trs condies no encontradas nos demais: disponibilidade de terra e gua, estrutura produtiva que favorece a expanso e alto nvel tecnolgico na produo. O modelo agroexportador brasileiro, portanto, vai ganhar fora.
Mesmo que de forma indireta, os benefcios desse modelo tm sido postos em dvida, em diferentes frentes. A primeira afirma que os custos ambientais da produo de commodities so muito elevados, j que elas so intensivas em recursos naturais e sua produo consome muita energia.
Essa crtica parte da premissa de que toda indstria intensiva em recursos naturais traz danos ao ambiente, que, num modelo exportador e com especializao, so maiores do que num modelo no exportador. Assume, tambm, que seus produtores, sendo pases emergentes, possuem regulamentaes ambientais mais fracas.
Considera, ainda, que os benefcios sociais do aumento da produo so discutveis, porque envolve setores que geram pouca renda e tm baixo contedo tecnolgico.
Por fim, argumenta que os setores produtores de commodities requerem elevada intensidade energtica.
Tal crtica ignora diversos fatos. O primeiro que o "dano" ao ambiente no provm apenas do lado do uso dos insumos, mas tambm dos produtos finais. No quesito emisses de gases de efeito estufa, o agro o setor que mais capta carbono da atmosfera.
Em segundo lugar, ignora que o Brasil um dos pases lderes em regulamentaes que se referem responsabilidade ambiental e social do setor agropecurio.
Ao contrrio do que se pensa, o agro tem um enorme efeito multiplicador de renda e gerador de empregos indiretos em regies com setores industriais e de servios menos diversificados, ou seja, todos os municpios que no so grandes capitais e esto espalhados pelo interior do pas. Por fim, especializao e alguma concentrao da produo so sinnimas de eficincia e, em pocas de preocupaes com a segurana alimentar mundial e os altos preos de produtos intensivos em recursos naturais, baixa eficincia tudo o que no se deve almejar.
A tese de elevada intensidade energtica no se aplica ao agro. De todos os setores, excluindo os de servios, o agropecurio o de menor intensidade energtica (energia consumida por valor de produto gerado). O setor de alimentos e bebidas, que no faz parte do setor agropecurio, apesar de ter elevada intensidade energtica, obtm 75% da energia consumida do bagao de cana, diferenciando-se dos demais setores industriais.
Alm disso, avaliando no tempo, agropecuria e alimentos so os dois setores que apresentam o maior ganho de produtividade no uso da energia.
A segunda crtica afirma que as crescentes exportaes de commodities esto contribuindo para apreciar o cmbio, intensificando o processo de desindustrializao da economia brasileira. Ela se baseia na ideia da doena holandesa.
A definio no dogmtica de doena holandesa se refere a uma possvel apreciao na taxa de cmbio devida a descobertas ou choques nos preos de commodities, baseados em recursos naturais. Fortes incrementos nos fluxos cambiais, tais como entrada de capitais estrangeiros decorrentes, entre outras razes, de elevadas taxas de juros ou condies macroeconmicas especficas, tambm podem levar a situaes de doena holandesa. A maior consequncia da apreciao da taxa de cmbio num quadro de doena holandesa seria a desindustrializao do pas.
No Brasil, por muito tempo se afirmou que as crescentes exportaes agroindustriais - como se o agro no fosse um setor intensivo em capital e tecnologia - seriam uma das responsveis, caso a doena holandesa atingisse o nosso pas.
Atualmente, diante de contnua valorizao do real e de crescente participao dos produtos bsicos na pauta exportadora brasileira, o tema da desindustrializao voltou baila. Embora a discusso atual no necessariamente seja dirigida s exportaes do agro - ela enfoca com maior vigor o setor de minrios e petrleo aqui, no Brasil -, os elevados preos internacionais das commodities agrcolas tm colocado o setor como alvo tambm.
Estudos contendo anlises sobre doena holandesa e regime cambial so unnimes em dois pontos. A valorizao cambial pode provocar realocao de fatores de produo, que se movem dos setores industriais, que tm produtos transacionados internacionalmente, para setores da economia baseados em produtos no comercializveis. No entanto, a apreciao cambial decorrente da doena holandesa no provoca reduo do crescimento econmico, ou seja, a realocao pode afetar negativamente alguns setores industriais, mas no implica perda para a sociedade.
Uma tentao quase irresistvel dos defensores da tese da desindustrializao, que est ganhando fora no Brasil, atacar as exportaes de commodities, ignorando o fato de que a doena holandesa no compromete crescimento e esquecendo que vrios fatores no relacionados ao cmbio determinam a baixa competitividade de alguns setores industriais no Pas.
Qualquer medida que venha a inibir o modelo agroexportador brasileiro, seja ela fundamentada em argumentos ambientais, sociais, de consumo de energia, baixo contedo tecnolgico ou de desindustrializao do pas, vai comprometer o desempenho de um dos poucos setores em que o Brasil verdadeiramente competitivo.