O povo ju/wasi e a fantasia da vida idlica 6g5o65

Nos ltimos 150 anos, o homem conseguiu a faanha de quintuplicar sua populao. O preo foi a destruio do meio ambiente. Agora nos perguntamos se as mudanas so reversveis e at que ponto estamos dispostos a sacrificar nosso modo de vida para revert-las. Como seria nossa vida se abandonssemos a agricultura, os animais domesticados e nossa tecnologia e tentssemos viver no planeta sem destru-lo? Difcil saber, mas possvel ter uma idia estudando uma sociedade que durante 35 mil anos explorou de maneira sustentvel seu meio ambiente: os ju/wasi, que habitam as savanas que cercam o deserto de Kalahari, na frica. Em 1950, Laurence Marshall, um dos fundadores da Raytheon (onde foi desenvolvido o forno de microondas), se aposentou e decidiu levar sua famlia para o deserto de Kalahari. Foi l que descobriram e conviveram por dcadas com os ju/wasi. No ano ado, 56 anos depois da primeira expedio, a filha de Marshall publicou um livro em que descreve de maneira apaixonada como os ju/wasi conseguiram viver por milhares de anos perfeitamente integrados ao seu ecossistema. Ironicamente, nesses 50 anos a Raytheon se transformou em um dos maiores fabricantes de armas do planeta e a cultura ju/wasi foi praticamente destruda por guerras e conflitos com os colonizadores. Os ju/wasi no praticam a agricultura nem nunca domesticaram um animal. No constroem cidades ou casas, dormem no cho e vivem em constante migrao, se alimentando da caa e dos vegetais coletados a cada dia. Praticamente no estocam comida. Vivem em grupos de algumas dzias de pessoas, o mximo que o meio ambiente pode ar sem ser degradado. Os ju/wasi conhecem profundamente a botnica da savana, se alimentam de mais de 80 tipos diferentes de vegetais e voltam mesma rvore ano aps ano para colher frutos e tubrculos. Caam utilizando flechas envenenadas ou simplesmente correndo atrs dos animais por dias at que o animal exausto se entrega e abatido. Os ju/wasi fazem parte da cadeia alimentar das savanas e so caados pelos leopardos, que atacam os acampamentos durante a noite. Ao se deslocarem para obter alimentos, levam todas as suas propriedades: um pedao de madeira para cavar razes, um par de gravetos para acender o fogo, arco, flechas, lanas e uma casca de ovo de avestruz para transportar gua. Idosos que no conseguem acompanhar o grupo muitas vezes so devorados pelas hienas. Como cada mulher no pode carregar mais que uma criana, o espaamento entre os filhos geralmente de quatro anos. Cada criana que nasce examinada cuidadosamente pela me, que, ao menor sinal de m-formao, sacrifica o filho. Eles praticam a prpria seleo natural. Atualmente, um nmero crescente de pessoas acredita que uma volta ao ado poderia solucionar parte dos problemas da humanidade. Estamos to distantes de nossos ancestrais que somos presas fceis de fantasias de uma vida idlica em meio natureza. As fantasias alimentam movimentos obscurantistas que tm se oposto ao desenvolvimento cientfico. Ler sobre a difcil vida dos ju/wasi um choque de realidade para aqueles que gostariam de voltar ao ado. Nosso futuro no planeta Terra incerto, mas o ado no faz parte dele. Mais informaes em The Old Way. A Story of the First People, por Elizabeth Marshall Thomas, Farrar Straus Giroux, New York, 2006. Fonte: O Estado de So Paulo. Vida&. Por Fernando Reinach. 23 de agosto de 2007.