No ado, mandava o senhor medieval e cumpriam seus camponeses. Depois, com a tecnologia, aram a imperar os agricultores capitalistas. Agora, na poca financeira global, chegaram ao campo os produtores corporativos. ltimo degrau da gesto rural. m2x4z
Percebe-se claramente essa tendncia, crescente no Brasil, de grandes empresas de capital aberto, controladas por fundos de investimento, de origem externa ou interna, aplicarem seus recursos na atividade agrcola. H vrios modelos de operao, sempre vinculados ao mercado financeiro. Chega a ser curioso. Novos ricos, que nunca pisaram no cho de terra batida, sentem-se atrados pelo lucro gerado na poeira do trator. Aflorou seu atavismo.
Trs razes, basicamente, explicam esse moderno fenmeno econmico. Primeiro, a reduzida taxa de juros das aplicaes bancrias, principalmente nos Estados Unidos e, secundariamente, por aqui. Segundo, a boa margem de lucro obtida nas lavouras brasileiras, em especial nas de soja. Terceiro, a disponibilidade de terras distantes, ainda baratas, veis de boa valorizao. Dinheiro sobrando, de um lado; riqueza a ser explorada, de outro. Fome com vontade de comer.
O reino das fazendas corporativas est sendo conhecido por Mapitoba, acrnimo extrado das duas primeiras letras de Maranho, Piau, Tocantins e Bahia. Parte do territrio desses estados encontra-se numa regio limtrofe, homognea quanto ao bioma, ao solo e ao clima, coberta originalmente com vegetao de cerrado, elevadas e planas chapadas, entremeadas por veredas midas, cuja dimenso se calcula em 414 mil quilmetros quadrados, quase o dobro do estado de So Paulo. Esquecida pelo desenvolvimento nacional, parecendo inatingvel, h 20 anos comeou sua ocupao produtiva. Desde ento um milagre agronmico se processou.
Considerada a ltima fronteira agrcola do pas, agricultores migrantes, gachos e paranaenses, especialmente, foram os primeiros a descobrir-lhe o valor, escondido entre os arbustos retorcidos que sofrem seis meses sem um pingo dgua. Depois, mais recentemente, chegaram os megainvestidores, empresas que aram a adquirir ou arrendar enormes extenses de terra, pondo-as em produo. Em Mapitoba j se produz cerca de 10% da soja brasileira, fora as lavouras de milho e algodo. Cerca de 3 milhes de hectares acabaram de ser colhidos, menos da metade da rea disponvel para cultivo. Quer dizer, o progresso naquelas bandas apenas comeou.
Enquanto o Brasil patina, Mapitoba acelera. Sua economia cresce 10% ao ano, puxando a expanso das cidades locais - Balsas (MA), Uruu e Cristino Castro (PI), Palmas (TO), Barreiras e Lus Eduardo Magalhes (BA) -, estimulando o comrcio, gerando empregos. Mas a onda virtuosa trombou com um problema: naqueles rinces falta mo de obra para tudo. precria, por bvio, a infraestrutura de produo.
Na logstica de escoamento da safra, os produtores rurais de Mapitoba at que levam uma vantagem sobre, por exemplo, os de Mato Grosso: eles se encontram mil quilmetros mais prximos dos portos exportadores, graas ferrovia Norte-Sul, cujos trilhos escoam a safra de gros at o porto de Itaqui, no Maranho. Outra ferrovia, a Transnordestina, prometida, mas ainda no entregue, dever realizar a ligao ao porto de Suape, em Pernambuco, enquanto a ferrovia de Integrao Oeste-Leste, quando sair do papel, dever ligar Barreiras a Ilhus, na Bahia. Se o governo tivesse um mnimo de planejamento estratgico, toda essa malha de transporte estaria funcionando. Pacincia.
Paradoxalmente, porm, as fragilidades da economia local favoreceram os fazendeiros corporativos. Acontece que os maiorais montam uma operao completa, chegando com esquema pronto: mquinas, gente treinada, oficina mecnica, residncias, telefonia, tudo o resto. Quer dizer, nada demandam localmente. Somente assim empresas lderes, como a SLC Agrcola, a Tiba Agro ou a Agrinvest, conseguiram prosperar no territrio de Mapitoba. Mais que esquemas financeiros, elas se organizaram, tecnicamente, para instalar e conduzir fazendas, do comeo ao fim.
Do ponto de vista dos aplicadores de dinheiro, importa garantir rentabilidade do capital. Quando, todavia, os fundos de investimento se direcionam para a agricultura, seus es se obrigam a adquirir uma distinta habilidade gerencial. Por qu? Porque no mundo do agronegcio existem especificidades: os ciclos da produo so mais longos, sofrem as intempries climticas, dependem de preos "comoditizados", sujeitam-se aos gargalos logsticos. Tecnologia, produtividade e rentabilidade nem sempre se controlam, nem caminham juntas, na roa.
Fracassos no campo, muitas vezes, independem da boa gerncia, no sentido estrito, o que nem sempre os economistas urbanos compreendem, muito menos os milionrios que se permitiram alavancar lavouras por a afora. Bens industriais fabricam-se a qualquer tempo, em ambientes controlados, cabem fcil na planilha de custos. A produo rural, por depender de leis biolgicas, mais complexa, mais incerta. Talvez por isso, mais apaixonante.
sensacional acompanhar esse movimento de aproximao, via empresas corporativas, entre o campo e a cidade. Tal encontro, de extremos, em certo sentido, possivelmente ajudar a reduzir uma lacuna de comunicao existente na sociedade, responsvel por depreciar o agro perante o urbano. Ningum valoriza aquilo que desconhece. Graas ao reino de Mapitoba, mas no exclusivamente, muita gente engravatada anda descobrindo as agruras da vida rural, percebendo que somente dinheiro no garante resultado. Muito menos felicidade.