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Feijo chins 682ld

por Xico Graziano
23/07/2013 - 16:07

Feijo chins no prato do brasileiro. Sim. Acontece que a safra nacional de feijo, a menor dos ltimos 12 anos, fragilizou o abastecimento interno. Os preos subiram e o governo, preocupado com a inflao dos alimentos, suspendeu o Imposto de Importao sobre a leguminosa estrangeira. Caldo sem qualidade. 181u55

Faz tempo que o Brasil perdeu a autossuficincia em feijo. Embora pequenas, entre 3% e 5% do consumo interno, as importaes tm sido constantes na ltima dcada, com vis de alta. Jamais, desde que na escravagista senzala inventaram a feijoada, temperando as tranqueiras de porco, se poderia imaginar que faltaria o rico gro para misturar na farinha de mandioca. Tpico do paladar tupiniquim, nenhum povo mais que o brasileiro sente saudades do arroz com feijo quando viaja para o exterior. Concordam?

Embora muito querido, o consumo per capita de feijo mostra-se decrescente. Na dcada de 1970 os brasileiros ingeriam 18,5 quilos por habitante/ano, quantidade atualmente reduzida para 16 quilos por habitante/ano. Os economistas costumam apresentar o feijo como um produto de "elasticidade-renda negativa", ou seja, seu consumo baixa medida que a renda das famlias cresce. Vrios fatores explicam essa tendncia e na urbanizao da sociedade se encontra a maioria deles.

Tradicionalmente uma lavoura de subsistncia, plantada em pequenas roas perto das colnias rurais, o feijoeiro acabou escanteado pelo xodo rural, substitudo por novos hbitos alimentares. Cozinhar feijo gasta tempo e energia, problema inexistente na poca dos preguiosos foges a lenha, em que ardia madeira, nas fazendas do interior. Hoje, na cidade grande, nem a presteza da a de presso supera a correria do dia a dia. Fora a conta de gs. Diferentemente de outrora, as pessoas agora comem feijo principalmente nos restaurantes, fora de casa. Mundo da comida rpida.

No fcil, agronomicamente, produzir feijo. Suas frgeis plantas sucumbem s pragas e doenas - insetos, fungos, bactrias, terrveis viroses - que limitam a lavoura. Sensvel tambm s secas e s geadas, a leguminosa exige, nos dias atuais, muito profissionalismo para vingar boa produtividade. muito complexa, na verdade, a economia agrria do feijo. Comea por existirem duas espcies vegetais bsicas: o feijo comum (Phaseolus vulgaris) e o feijo fradinho (Vigna unguiculata).

Este ltimo, tpico do Nordeste, apresenta hbito de crescimento "indeterminado", quer dizer, a planta vai crescendo, florescendo, lanando vagens que amadurecem e so colhidas enquanto outras se formam, continuadamente. Cultivada durante todo o ano, a espcie tambm chamada de caupi, ou ainda feijo-de-corda, representa cerca de 10 % da produo total. J o feijo comum, consumido preferencialmente fora do Nordeste, apresenta hbito "determinado" de crescimento, ou seja, aps a semeadura a planta desenvolve-se, entra em florao, madura suas vagens e depois entra em senescncia. Ciclo curto, colheita nica. Mas ateno: existem trs modos de cultivo - o feijo "das guas", o feijo "da seca" e o feijo "de inverno". Em cada safra, para cada local de produo, a produtividade cerca-se de vrias incertezas. Mercado volvel.

O tradicional feijo comum ainda se distingue entre diversas variedades, coloridas: preto, rosinha, roxo, pintado, jalo, branco. Na dcada de 1970 chegou a revoluo tecnolgica causada pelo feijo carioca, geneticamente aprimorado, mais produtivo. Curiosamente, ao contrrio do que se pensa, a novata leguminosa nasceu em So Paulo, mais precisamente nos laboratrios do Instituto Agronmico de Campinas (IAC), conduzidos pela equipe do pesquisador Luiz DArtagnan. Seu nome homenageia, pela semelhana de cores, a pelagem de uma raa caipira de porco. Nada que ver com as caladas do Rio de Janeiro.

O modo de produo antigo, tocado com pouca tecnologia, ainda subsiste, especialmente na agricultura nordestina, mas produz num patamar de baixa qualidade, atendendo apenas aos mercados regionais. Os cultivos de feijo dominantes no Sudeste so marcadamente empresariais. Embora as reas plantadas sejam relativamente reduzidas, a natureza da produo expressa elevada tecnologia, alto custo, especializao, forte vinculao ao mercado, todos os requisitos da moderna produo no campo. Nada que ver com as roas de subsistncia: quem sustenta os trabalhadores da metrpole o feijo capitalista.

Se estiver faltando feijo no mercado, isso se deve falta de rentabilidade diante das alternativas de produo. No Sudoeste Paulista, por exemplo, a soja e o milho ocuparam seu espao. Idem no Paran. Em Gois e na Bahia, ademais, a seca prejudicou recentemente as lavouras. Como o gro no configura uma commodity, com oferta consolidada no mercado internacional, as importaes so incertas. Apenas a China, quem diria, dispe de algum estoque, colhido ano ado.

Um paradoxo permeia o campo. O Brasil realizou, nos ltimos 20 anos, a maior distribuio de terras conhecida no mundo democrtico, repartindo 90 milhes de hectares entre 1,2 milho de famlias sem terra. Na prtica, porm, essa volumosa reforma agrria pouco elevou o nvel da produo interna de alimentos bsicos. Por alguma razo, nunca devidamente explicitada, os assentados no se dedicaram a produzir o feijo nosso de cada dia. Muita poltica, pouco resultado.

Final da histria: as gndolas vo incomodar as donas de casa at chegar a nova safra das guas do feijo, daqui a quatro meses, em novembro. Enquanto isso, o consumo contar com a ajuda do feijo chins, caro e duro, na a. Falta uma poltica de autossuficincia alimentar para o feijo brasileiro.