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Marketing da discrdia 1y3l38

por Xico Graziano
03/09/2013 - 15:41

Toni Ramos que se cuide. Ao virar garoto-propaganda da Friboi, o ator meteu-se numa encrenca que mobiliza o setor de carne bovina no Brasil. Os pecuaristas vislumbram, com temor, a formao de poderoso cartel entre os frigorficos. Ruim para a boiada, pssimo para o churrasco. 3euw

Comeou h meses esse embarao. Articulada com o apoio da conceituada ONG Amigos da Terra, uma srie de reportagens do Fantstico (TV Globo) mostrava, com imagens horrveis, a triste situao dos abatedouros municipais no pas. Moscas, ratos, urubus misturavam-se sujeira sanguinolenta, atestando absoluta falta de higiene no descarne das reses. As matrias induziam o telespectador a descobrir a origem da carne que consumiam. Cuidado com a carne clandestina.

A tese est correta. O servio de inspeo veterinria fundamental para verificar a existncia, no animal abatido, de certas zoonoses, como tuberculose e cisticercose, potencialmente transmissveis aos humanos. Ademais, somente profissionais habilitados conseguem averiguar as adequadas condies de asseio, impedindo a contaminao local da carne. A morte do bicho ainda deve seguir as regras do abate humanitrio, amenizando seu sofrimento. Nenhum frigorfico poderia funcionar sem obedecer a tais exigncias.

Ao que tudo indica, porm, houve um jogo combinado. Logo na sequncia daquele impactante jornalismo, comeou a ser veiculada uma forte campanha de marketing enaltecendo a excelncia da carne oriunda da Friboi. As peas publicitrias sugerem ao consumidor que somente o produto dessa empresa garante a qualidade do bife. Foi essa mensagem que irritou profundamente a senadora Ktia Abreu (PR-TO), presidente da Confederao da Agricultura e Pecuria do Brasil (CNA).

Em discurso na tribuna do senado, a lder ruralista denunciou um "marketing enganoso" no ramo de comrcio da carne bovina. Reforando sua posio em artigo publicado na Folha de S.Paulo (Arquitetura do monoplio, 19/8), a parlamentar acusou o Grupo JBS, dono da marca Friboi, de se aproveitar de vultosos emprstimos obtidos no BNDES (acima de R$7 bilhes) para buscar o monoplio do setor. Com respaldo do poder pblico, estaria ocorrendo um "massacre publicitrio" contra as demais empresas frigorficas do pas.

A polmica avolumou-se. Roberto Smeraldi, srio ambientalista, responsvel pela ONG Amigos da Terra, safou-se do conluio em favor do monoplio da carne. Disse apenas lutar, honestamente, pelo direito do consumidor de usufruir um produto sadio, mostrando ter servido de inocente til na jogada do poderio econmico. O ncleo da questo reside no seguinte: seria saudvel apenas a carne oriunda de grandes frigorficos, ou os pequenos abatedouros tambm conseguiriam assegurar a qualidade de seu produto?

A legislao sobre a inspeo sanitria de produtos de origem animal no Brasil vem desde 1950. Atualizada em 1989, estabeleceu trs nveis, crescentemente rigorosos, para o trabalho de fiscalizao. Funciona assim: para a venda apenas dentro de cada municpio, vale o Servio de Inspeo Municipal (SIM), a cargo das prefeituras; a distribuio em nvel intermunicipal exige o Servio de Inspeo Estadual (SIE), mantido pelos governos; sendo o negcio nacional ou internacional, manda o Servio de Inspeo Federal (SIF), exercido pela Unio. Em qualquer um deles, a inspeo obrigatoriamente realizada por mdico veterinrio pertencente ao quadro pblico. Um servio estatal.

Esse modelo de inspeo, territorial e estatizante, vem sendo questionado h tempos. Em contraposio, defende-se um sistema integrado com as empresas processadoras, imputando a estas a responsabilidade de garantir a qualidade de seus produtos. Nesse caso, caberia ao Estado, com poder de polcia, verificar o cumprimento da legislao. Haveria vantagens para a produo artesanal, que seria certificada num processo distinto do industrial, e as barreiras geogrficas seriam substitudas por requisitos tecnolgicos. Assim se procede em quase todo o mundo.

Hoje se toma como princpio, equivocado, que o rigor na inspeo exclusividade do SIF, sobrevalorizando o mbito federal. Sim, verdade, suas normativas so bastante exigentes. Mas, infelizmente, acabam definindo um padro, oneroso e burocrtico, incompatvel com o processamento de pequena escala, favorecendo os grandes frigorficos. O problema atinge outros setores. Boa parte, por exemplo, do queijo fresco, tpico do interior, elaborado historicamente pelos agricultores familiares, jogada na clandestinidade pelas normas que, em nome da qualidade, beneficiam sempre os maiores laticnios. A legislao conspira contra os singelos.

O atributo da carne na a, ou do queijo na goiabada, no se mede necessariamente pela escala do negcio. Mais importante que fechar os abatedouros vagabundos, cabe ao poder pblico ajudar na transformao tecnolgica dos pequenos e mdios empreendimentos, que precisam ser melhorados, devidamente fiscalizados. No justo, nem realista, supor que as periferias metropolitanas e o interior do Brasil venham a ser abastecidos somente pelos grandes conglomerados da alimentao.

No se pode recriminar Toni Ramos nem seus colegas artistas por ganharem seu po. Nem mesmo a Friboi deve ser condenada por investir em sua imagem. Errado, isso sim, opera um sistema que, seja na poltica do BNDES, seja no esquema da inspeo sanitria, atua em favor dos poderosos. Existem cerca de 1.300 frigorficos espalhados pelo pas que contribuem, bem ou mal, para oferecer a protena e o gosto da carne na mesa das famlias. Seria bom v-los aprimorados, no engolidos pela truculncia capitalista.