Qual o futuro dos alimentos orgnicos? A pergunta, que corre o mundo, buscar resposta no Frum Internacional de Agricultura Orgnica e Sustentvel, a ser realizado nestes dias em So Paulo. Um choque de capitalismo, defendem uns; uma sociedade alternativa, querem outros. Razo e emoo. 6f59y
A agricultura "orgnica" surgiu h um sculo, das observaes de sir Albert Howard sobre os mtodos indianos de produo rural. Ela exclui o uso de produtos qumicos sintticos, como agrotxicos e fertilizantes, valorizando o hmus do solo. Sua vertente sa a agricultura "biolgica"; na Alemanha, a "biodinmica". No Japo, mais tarde, apareceu a agricultura "natural". Assemelhadas, todas nasceram com certa mstica: filosfica, religiosa ou ideolgica.
Espalharam-se. Segundo a International Federation of Organic Agriculture Movements, existem (2011) no mundo 1,8 milho de agricultores orgnicos, produzindo sobre 37 milhes de hectares de terras, em 162 pases. A Austrlia apresenta a maior rea (12 milhes de ha, basicamente pastagens naturais), seguida pela Argentina (3,8 milhes de ha) e pelos Estados Unidos (1,9 milhes de ha). Mas a ndia que tem o maior nmero de produtores orgnicos (547.591).
O volume de negcios tem crescido no mercado mundial, atingindo U$ 62,9 bilhes (2012). Lideram o consumo os Estados Unidos, seguidos de Alemanha e Frana. Em termos per capita, quem mais consome alimentos orgnicos so Sua e Dinamarca. Frutas e vegetais, cereais, soja, acar, caf, mel, leite, h muitos gneros tradicionais nas prateleiras de consumo orgnico. Recentemente, avana o ramo dos alimentos industrializados, como barrinhas de cereais, doces, sucos variados e at salgadinhos. Existe claramente uma tendncia global a favor dos alimentos livres de agrotxicos.
E no Brasil? Por aqui tambm se verifica crescimento na produo de orgnicos. Dados do Ministrio da Agricultura, Pecuria e Abastecimento mostram que a quantidade de agricultores orgnicos aumentou 51% no ltimo ano, somando agora 10.194 produtores rurais. A rea total de produo orgnica no Pas atinge 750 mil ha, destacando-se o Sudeste (44%), seguido das Regies Norte (21%), Nordeste (16%), Centro-Oeste (14%) e Sul (5%). Nmeros animadores.
As estatsticas oficiais pam ordem no real tamanho da equao. Qualquer pesquisa na internet apontar um nmero mgico de 6,5 milhes de hectares ocupados com orgnicos no Brasil. Mas no bem assim. Nessa grandiosa rea estava includo o extrativismo, enormes extenses onde se explora castanha-do-par, aa, borracha e outros gneros florestais. Ou seja, a verdadeira produo orgnica estava superestimada pela mera coleta na Amaznia. Pouco cientfico.
Outra deformao, porm, surgiu agora. A legislao nacional ou a permitir que grupos de pequenos agricultores, familiares, se caracterizem como "orgnicos" desde que se agrupem por meio de uma Organizao de Controle Social (OCS). Essa entidade s pode realizar a venda direta ao consumidor, em feiras livres, por exemplo. Promovida pelo governo, tal caminho dispensa a certificao, efetuada por empresas srias, auditadas pelo Inmetro. A qualidade da produo orgnica nas OCSs fica, portanto, atestada pelos prprios agricultores. Discutvel.
Centenas de projetos de agricultura "alternativa" assim se espalharam nos assentamentos de reforma agrria, especialmente no Nordeste. Acontece que criar um grupo desses, chamados de "agroecolgicos", caminho certo para a obteno de verbas pblicas. Para facilitar, o governo federal ou a aceitar esses "orgnicos" nos programas de compras institucionais (merenda escolar, por exemplo). Resultado: essa fatia da produo sob "controle social" est se expandindo, o que explica o aumento do nmero de agricultores orgnicos no Brasil. Por isso a grande maioria deles (40%) se encontra no Nordeste. Entendeu?
No est errado permitir que assentados de reforma agrria tenham a oportunidade de, via produo orgnica, encontrar um nicho de mercado que bem os remunere. Estranho notar a contaminao ideolgica desse processo. Para entrar na jogada preciso haver uma converso poltica esquerda. Ou seja, para praticar a agroecologia, seja l o que isso signifique, tem-se exigido uma posio anticapitalista. Aqui mora o dilema dos orgnicos: ser seu modo de produo um caminho para superar o capitalismo?
Possivelmente no. O preo mais elevado dos alimentos orgnicos indica serem de alta renda seus consumidores. Ecologicamente conscientes, eles topam pagar mais caro para satisfazerem sua preferncia. Nenhum germe da revoluo mora esse mercado de elite. No elo da produo, tampouco. Regra geral os agricultores orgnicos, em todo o mundo, cultivam um modo de vida alternativo ao da sociedade consumista. Defendem, sim, a economia verde. Mas jamais pensaram em se organizar para combater a economia de mercado. Afinal, dela vivem.
J os ramos intermedirios de processamento e comercializao esto investindo fortemente na linha de orgnicos pensando, simplesmente, em elevar seus lucros. Por isso direcionam seu comrcio para os bairros ditos mais nobres. Grandes redes de supermercados esfolam os produtores orgnicos para aumentar suas margens de venda. Falar em anticapitalismo nesse meio parece piada.
S resta um caminho aos produtores orgnicos: investir em tecnologia, ganhar produtividade e elevar a qualidade. Agricultura orgnica no pode ser sinnimo de agricultura de baixo nvel. Ao contrrio, ela tem que se mostrar superior. No na ideologia. Na cincia.