44132d
Batemos um papo com Pedro Puttini sobre temas relevantes para o agronegcio brasileiro, especialmente para o estado de Mato Grosso do Sul.
Inevitavelmente, as demarcaes indgenas fez parte da pauta da conversa. Destacamos o seguinte comentrio:
"A soluo do assunto deveria ter sido tomada em 1993, pois a Constituio Federal de 1988, no seu art. 67 escreve claramente que "A Unio concluir a demarcao das terras indgenas no prazo de cinco anos a partir da promulgao da Constituio", ou seja, sofremos novamente as consequncias da inrcia governamental."
Natural de Aquidauana/MS, crescido no campo, advogado atuante no direito agrrio, empresarial e cvel em geral, Pedro tambm faz parte da Comisso de Assuntos Agrrios e Agronegcio da OAB/MS desde 2013, onde agora Presidente. tambm palestrante e professor de direito agrrio na Escola Superior da Advocacia de MS, onde coordena o Curso de Extenso em Direito Agrrio na ESA/MS e ainda tutor no Curso Tcnico em Agronegcio da Famasul.
Confira a entrevista na ntegra:
Scot Consultoria: Como est a situao das reas invadidas por indgenas em Mato Grosso do Sul? H algum horizonte para a soluo deste assunto?
Pedro Puttini: No estado, temos, atualmente, 95 propriedades rurais invadidas e ainda no demarcadas, algumas esto em processo de demarcao, outras no. Fato que todo o procedimento demarcatrio est previsto no Decreto Federal n 1.775, de 08/01/1996, que comea com um processo istrativo junto FUNAI (art. 1), nomeando um antroplogo para apresentar trabalho fundamentado dentro do prazo estabelecido (art. 2), com participao do produtor rural e das comunidades indgenas (art. 2, 3), sendo que, aps publicao do relatrio antropolgico que a Funai dever publicar em Dirio Oficial tal estudo no mximo 15 dias aps recebe-lo (art. 2, 7), podendo ainda receber participao dos estados e Municpios da rea discutida (art. 2, 8). Nos 60 (sessenta) dias subsequentes ao prazo citado, a Funai encaminha ao Ministro da Justia toda documentao (art. 2, 9), para que este, em at 30 (trinta) dias aps recebimento da documentao tome deciso favorvel ou desfavorvel demarcao da rea em estudo (art. 2, 10).
A explicao extensa, porm necessria e vejam que tudo o que explico est escrito claramente no decreto federal mencionado no incio, pois o procedimento tem acontecido de forma reversa, a rea invadida e em possa ilegal de tal rea, a comunidade invasora ali permanece at que o governo federal tome as devidas providncias, atuando de forma medieval na tomada de territrios por mtodos no respaldados por nossa legislao.
Tambm acho importante lembrar mais alguns artigos do mesmo decreto federal, como o art. 4 que determina: "Art. 4 Verificada a presena de ocupantes no ndios na rea sob demarcao, o rgo fundirio federal dar prioridade ao respectivo reassentamento, segundo o levantamento efetuado pelo grupo tcnico, observada a legislao pertinente".
Todo este processo s se encerra quando, observado todo o rito deste processo istrativo, expedido Decreto Federal da demarcao da rea (art. 5). E onde est a justificativa das reclamaes contra o Ministro da Justia? No art. 8 do mesmo decreto, pois determina que "O Ministro de Estado da Justia expedir as instrues necessrias execuo do disposto neste Decreto" e no temos visto atuao eficaz de nenhum dos envolvidos, seja Funai, Ministrios, governo federal e demais citados que poderiam evitar tomadas ilegais de territrio em nosso estado, o que foi feito em estados como o Rio Grande do Sul, em brilhante atuao da Procuradoria do Estado.
A soluo do assunto deveria ter sido tomada em 1993, pois a Constituio Federal de 1988, no seu art. 67 escreve claramente que "A Unio concluir a demarcao das terras indgenas no prazo de cinco anos a partir da promulgao da Constituio", ou seja, sofremos novamente as consequncias da inrcia governamental. Hoje s podemos continuar firmes exigindo providncias de todos os poderes, Executivo, quem detm competncias; Legislativo, quem possui alternativas em projetos de lei e emendas constitucionais; e Judicirio, quem deve garantir ordens judiciais devidamente cumpridas para reintegrar as posses e propriedades.
O que acho importante deixar como recado final que, todo este texto no de leitura incompreensvel aos profissionais de outra rea seno a jurdica, de fcil leitura para que se saiba que demarcaes de terras seguem um rito friamente determinado, onde nossa Constituio Federal garante que, enquanto isso garantido o direito de propriedade (art. 5, XXII) e ainda que "ningum ser privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal" (art. 5, LIV), pior ainda imaginarmos que, pelo Cdigo Civil, o possuidor de uma propriedade rural "poder manter-se ou restituir-se por sua prpria fora, contanto que o faa logo; os atos de defesa, ou de desforo, no podem ir alm do indispensvel manuteno, ou restituio da posse" (art. 1.210, 1), atos de ltima instncia, episdios presenciados na regio sul do nosso estado, no municpio de Antnio Joo.
Enfim, preocupo-me seriamente com nossas fronteiras, afinal, nosso estado de Mato Grosso do Sul, faz divisa internacional no Oeste e no Sul com a Bolvia e Paraguai, fronteira com soberania ameaada, com desordem, entrada de estrangeiros e com estes todo o tipo de ilicitudes, expropriao ilcita de propriedades, drogas, armas e todo tipo de violncia.
Scot Consultoria: Ainda no campo de invases, mas do MST, como est o cenrio no estado. A instabilidade poltica tem tido algum efeito sobre a situao?
Pedro Puttini: Nas reas ocupadas por acampamentos de sem-terra temos no estado 328 acampamentos instalados por todo o estado, tambm vista instabilidade poltica junto ao INCRA que, neste ano ou por desestruturao de cargos, com tamanha morosidade em seus procedimentos e h muito tempo no resolve processos istrativos de desapropriaes, levando aos conflitos externos, lembrando apenas que, neste caso, tambm demanda que se faa anlise criteriosa da legislao para averiguar se a propriedade a ser desapropriada descumpre sua funo social (art. 186 e incisos, da CF/88). Atendidos a todos os requisitos da lei, a justa indenizao, deve ser paga em ttulos da dvida agrria (TDA) e dinheiro, conforme o caso. Vale a mesma regra de no permitir ocupaes irregulares sem o devido processo legal.
Scot Consultoria: Como est a evoluo do CAR no estado? Tem havido engajamento pelos produtores? Quais so as maiores dificuldades encontradas?
Pedro Puttini: A evoluo do CAR em nosso estado vem a os lentos e, atualmente, 26,23% das reas encontram-se cadastradas, segundo informaes do Servio Florestal Brasileiro, uma rea correspondente a 7.941.815ha de 7.501 propriedades rurais, contabilizadas 83 mil propriedades sul-mato-grossenses, mais da metade pequenas propriedades, ou seja, inferiores a quatro mdulos fiscais, onde h possibilidade de auxlio da AGRAER. J se viu que o IMASUL tambm est auxiliando in loco para o cadastramento atravs de uma unidade mvel. Junto OAB/MS iniciei um trabalho conjunto com a Escola Superior da Advocacia - ESA/MS, no projeto ESA vai ao interior e fiz um ciclo de palestras sobre Cadastro Ambiental Rural, levando o tema a mais de 30 (trinta) cidades com grande participao no s de produtores rurais, como de advogados e tcnicos ambientais interessados em saber mais sobre o tema, quando pude verificar que, em algumas cidades o tema era completamente desconhecido, outras havia grande dificuldade de manuseio do sistema e ainda outras em que os prprios produtores rurais relatavam receio em cadastrar suas propriedades temendo por multas ambientais, o que no verdade, pois o momento de cadastro. Por isso acredito que o trabalho educacional e informativo deve ser constante at o final do prazo em maio/2016. Disponibilizamos aos interessados a Cartilha do CAR na biblioteca virtual da OAB/MS (www.scotconsultoria-br.noticiascatarinenses.com), um trabalho de autoria da Comisso de Assuntos Agrrios e Agronegcio com sua primeira edio em setembro/2014. Uma ltima observao o Bioma pantanal, situao peculiar do estado sul-mato-grossense que demandou a edio de dois decretos estaduais recm publicados, o Decreto 14272 e 14273, no Dirio Oficial de 09/10/2015 com regras especificas para delimitao e uso das regies pantaneiras, o que demandou certo atraso nos cadastros.
Scot Consultoria: H algum outro aspecto jurdico que tem causado problemas no campo atualmente?
Pedro Puttini: Sem dvidas, o agronegcio demanda acompanhamento jurdico de muitas outras questes para garantia de segurana jurdica, reduo de riscos, sustentabilidade e otimizao de procedimentos ao produtor rural, pois nos preocupamos desde o acompanhamento prvio para aquisio de propriedades rurais averiguando aspectos ambientais, trabalhistas, tributrios e fundirios (matrcula, etc), como tambm o assessoramento jurdico preventivo e contencioso nestas reas, sempre conscientizando pessoa fsica ou jurdica, empregador ou empregado sobre a importncia de conhecer a legislao para reduzir riscos s suas atividades. Nas questes trabalhistas, por exemplo, a insegurana jurdica predomina ao discutir equivocadas rotulaes por trabalho escravo, as dificuldades no cumprimento da legislao face discrepncia com a realidade do campo e uma possvel expropriao de terras onde for constatado trabalho escravo, fazendo-se necessrio equilibrar toda esta situao, atuando de forma incisiva na atualizao legislativa. Nas questes familiares e empresariais, a organizao do patrimnio familiar importante para reduo de encargos e permanncia do patrimnio por mais de duas ou trs geraes, formando grupos econmicos, pessoas jurdicas na istrao de toda receita, despesa e tomada de decises. Por fim, ainda nos preocupam as questes tributrias com as avaliaes de terras para incidncia do ITR - Imposto Territorial Rural, aps convnios firmados pela Receita Federal juntos aos municpios para que estes atuem em todo o processo de avaliao, fiscalizao, cobrana e lanamento do imposto, onde muitas das regies sul-mato-grossenses, neste ano de 2015 sofreram altas de at 300% em alguns casos, devemos permanecer vigilantes em todos estes temas.