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Encontra-se em tramitao no Congresso o projeto de lei 1016/15, que, se aprovado, veta o exerccio da zootecnia a agrnomos e veterinrios formados aps a entrada em vigncia da lei. Evidentemente, as duas classes que tero restries sua atuao reagiram e nossa arena moderna de debates, as redes sociais, se encheram de defesa apaixonada pr e contra esse projeto de lei. Nenhuma delas, na minha opinio, vai ao cerne da questo.
Seja qual for a atividade, qualquer restrio que criemos em torno dela, reduz sua eficincia. Como nutricionista animal conheo bem isso, pois, quando formulamos uma dieta o que fazemos atender restries nutricionais. Quando uma delas for mais restritiva que o necessrio, ela faz com que a soluo tima seja, no mximo, a segunda melhor, uma vez que tirando essa restrio acharemos uma soluo to boa quanto esta com a restrio, mas mais barata. Por exemplo, se os animais precisam de 15% de protena e formulo para 16%, a dieta vai ser mais cara, mas o desempenho ser o mesmo.
Pior ainda so restries que impedem a livre escolha, pois alm de encarecer a soluo, podem resultar em dar o lugar para a segunda melhor opo. Por exemplo, ao criar uma restrio que apenas ingredientes da cor amarela podem fazer parte da dieta quando o melhor ingrediente para aquela frmula fosse um da cor branca, deixa-se de fora a melhor opo e paga-se mais caro pelo mesmo resultado. Enfim, impossvel ir contra o mrito e safar-se impunemente.
Basicamente, portanto, criar uma restrio dispensvel apenas gera mais custo e reduz a possibilidade de escolher o melhor.
Segundo a deputada autora da lei, ela intenciona consertar "a anomalia de ser conferido a algum que no tenha cursado as disciplinas que compem a grade curricular do curso de Zootecnia, para exercer em sua plenitude a profisso de zootecnista". De fato, algum formado em Zootecnia tem grande vantagem para ser escolhido para uma vaga na qual se exera a zootecnia. to lgico que deveria ser suficiente para caracterizar a lei proposta como desnecessria.
De fato, com o aumento da oferta de zootecnistas, o nmero de agrnomos e veterinrios que exercem a zootecnia "em sua plenitude" tem-se naturalmente reduzido com o tempo. Como esperado, o mercado de trabalho tem se incumbido de fazer isso eficientemente de maneira livre. Isso permite a escolha dentro de um universo maior e, se o contratante considerar o agrnomo ou o veterinrio sua opo, ele tem assegurada sua liberdade de escolha, garantindo um sistema mais arejado e saudvel.
Essa "soluo de mercado" tem um outro componente virtuoso que ser isenta, no escolhendo lado, assim, um zootecnista poderia ser contratado para uma atividade em que se esperasse a escolha "natural" por um agrnomo ou um veterinrio.
verdade que deve haver algumas atividades privativas de cada uma das profisses. Essas atribuies especficas de cada profisso, todavia devem existir apenas se de interesse real da sociedade. Infelizmente, nossos rgos de classe tm o mal hbito de criar reservas de mercado, usando a sociedade e seres envolvidos apenas como um conveniente pretexto, em geral, de maneira irrealista e forada.
A realidade que se impe que a preocupao da nobre deputada quanto grade curricular tem cada vez menos importncia num mundo em que temos o o a informao de qualidade nas pontas dos dedos via Internet. Mais do que nunca, a tecnologia amplia as possibilidades de atuao profissional. Assim, um jovem veterinrio pode dominar a cincia da formulao de suplementos alimentares e ser um profissional de sucesso na rea. Um brilhante zootecnista pode se tornar um fantstico especialista em solos. Um desprendido agrnomo pode se tornar um gnio da formulao de raes de animais de estimao. A no ser que tenha uma lei que os impea! Se houvesse uma lei dessas na rea de computadores nos EUA, exigindo o diploma para dois desistentes dos bancos das universidades exercerem sua profisso, o prejuzo causado por ela seria talvez no existir a Microsoft e a Apple!
Ainda com relao formao dos profissionais, temos que lembrar que a maiora das pessoas ingressa na faculdade com menos de 20 anos de idade e, normalmente, no tem seu futuro profissional delineado claramente. O rumo acaba se definindo durante a graduao (ou at depois dela). Limitar a escolha desse futuro profissional, pode ser uma desperdcio de talento, caso a atuao alternativa seja aquela em que esse jovem iria ter a melhor atuao.
Podemos ter uma ideia do impacto da restrio ao exerccio da profisso pensando em quantas pessoas "deslocadas" de suas formaes acadmicas originais exercem com sucesso outras atividades. Aposto que cada leitor tem seu "deslocado favorito". Trabalho ao lado do lado do meu melhor exemplo, pois, apesar do diploma de engenheira agrnomo, minha colega Dra. Cacilda Borges do Valle, escolhida entre os 10 heris da Revoluo Verde Brasileira por seu trabalho no desenvolvimento de cultivares de braquiria, formou-se com a especialidade em silvicultura. Na atualidade, as fronteiras entre as diferentes formaes universitrias perdem ainda mais a importncia. Colegas que trabalham com biologia molecular esto num nvel comum a todos os seres vivos e, portanto, faz ainda menos sentido limitar a atuao profissional baseada no que se estudou nos bancos da universidade.
Outra questo bastante atual no agronegcio brasileiro que no h atividade que traga mais relaes ganha-ganha do que as produes integradas, seja integrao lavoura-pecuria (ILP) ou integrao lavoura-pecuria-floresta (ILPF). Devemos abrir mo de toda a fora de trabalho para incorporarmos uma tcnica que reduz a necessidade de novas reas, aumenta a eficincia produtiva, capitaliza o produtor e ajuda na reduo do impacto ambiental da produo de alimentos e madeira? Qual opo atende melhor as necessidades e trs mais benefcios sociedade?
Para realizarmos o potencial de 20-30 milhes de hectares de sistemas integrados melhor contarmos com todos os profissionais das agrrias, com o mnimo de limitao em sua atuao profissional. Restringirmos a ao de cada um significa encarecer e atrasar a adoo da prtica.
O pior erro que cometemos, contudo, fazer da discusso deste projeto de lei uma briga de classes, com uma delas querendo criar privilgios sobre as outras e as outras tambm fechadas em seus privilgios, na contra-mo de uma ambiente mais livre e fcil para se conseguir avanos.
Desligar a noo de que formao universitria garante competncia profissional se dobrar a realidade. Um futuro engenheiro agrnomo, mdico veterinrio ou zootecnista, que nos bancos das universidades sabe que ter que competir com todo espectro de futuros profissionais das agrrias nos espaos em que h sobreposio entre as profisses, tem mais um motivo para no se descuidar com sua formao e, na real, tem bem mais chance de convencer com sua atuao que ele a melhor escolha de quem, por livre opo, dar essa oportunidade a ele.
Haveria mais a falar, como o caso de cobrar outro tipo de atuao dos nossos conselhos de classe mais voltado para avaliar a qualidade da formao de novos profissionais. Todavia, para encurtar, gostaria de concluir que deveramos aproveitar que esse momento difcil fragiliza velhas resistncias e tratarmos de remover entulhos, que estreitam o caminho do progresso, e amarras que fazem a gente seguir lentamente rumo ao progresso. Enfim, o caminho oposto para onde quer nos levar esse projeto de lei!