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Carta Gestor - Como manter o legado de fazendas por vrias geraes 501m3i

por Tratto Consultoria
17/02/2017 - 17:20

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Qual a diferena entre o projeto agropecurio de uma famlia que mantm seu negcio crescente e sustentvel por vrias geraes e outra que v seu legado e patrimnio arruinado aps o falecimento do patriarca?

No existe diferena alguma! Parece conflitante esta constatao? A seguir, voc vai entender os motivos.

Desbravando o cerrado

A grande reviravolta do agronegcio brasileiro se iniciou com a conquista do cerrado, nas dcadas de 70 e 80. O reconhecimento dessa transformao veio at de Norman Borlaug, prmio Nobel da Paz, em sua segunda visita ao Brasil, em 2010, quando reiterou que o trabalho cientfico, aliado ao esprito empreendedor do produtor rural, permitiu ao Brasil reinventar a agricultura tropical e se transformar, em trs dcadas, em potncia agrcola. A barreira tecnolgica foi ultraada e o investimento e direcionamento em pesquisa e tecnologia, principalmente com a fundao da Embrapa em 1973, nos possibilitou, ento, obter produtividade economicamente rentvel em regies at ento no tradicionais para a agricultura.

Na dcada de 60, o centro da agricultura era o estado de So Paulo e a principal produo era o caf, com o boi j correndo por fora. Hoje, o pas como um todo est na vanguarda em produo e exportao de diversas commodities agrcolas, incluindo laranja, caf e cana de acar, e compete tambm para liderar a produo e exportao de carne bovina e de frango, soja, milho, entre outros. Tanto que o agronegcio responsvel por cerca de 23% do PIB nacional.

Todavia, embora nessas trs dcadas se tenha vivido acelerada e significativa abertura de novas fronteiras, com crescimento produtivo exponencial e possvel a todos, muitos agricultores e pecuaristas no persistiram. E por que isso ocorreu? Por que muitas famlias do campo tiveram diludas suas escalas e seu crescimento?

A era da gesto e governana

O agronegcio brasileiro, segundo Alexandre Mendona de Barros, da MB Agro, apresenta quatro ciclos:

1. Abertura de Fronteiras;

2. Desenvolvimento de Tecnologias;

3. Gesto e Finanas;

4. Governana.

Dados preliminares de um trabalho conduzido por mim, mostram que:

- 33% das famlias rurais no contabilizam as entradas e sadas mensais de caixa;

- Menos da metade dessas famlias teve algum tipo de ao pensando na sucesso de geraes para o controle do negcio familiar;

- Apenas um em cada cinco grupos possuem a estruturao de seu patrimnio consolidado em pessoas jurdicas.

Esta constatao, associada nossa experincia em avaliar riscos em projetos agro, permite-nos inferir que o nmero de produtores rurais que conseguem visualizar os processos de governana como vitais ao seu negcio segue numa proporo 7-2-1. Isto significa que a cada dez grupos familiares do agro: sete no conhecem ou no dispensam a devida ateno gesto e governana, dois esto se inteirando do assunto e entendem que um caminho a seguir, e apenas um atua de maneira pragmtica, com modelos de gesto e governana definidos e formalizados.

Assim, mesmo com um ado para se orgulhar e a promessa de um futuro brilhante, ainda uma constante a dificuldade dos produtores rurais em demonstrar a realidade e a importncia do agronegcio para "o pessoal da cidade", tanto para a populao de maneira ampla (cidados urbanos que criticam o agronegcio, sem conseguir vislumbrar que os elementos que compem sua vida cotidiana advm do campo), como tambm para os familiares que no atuam no dia a dia das fazendas.

Se voc atua na propriedade familiar e possui cnjuge, irmos ou primos (scios ou herdeiros que sero scios) que esto nas cidades, faa a seguinte reflexo:

- Eles sabem o que se a na fazenda? Conseguem te responder quanto vale o negcio da famlia?

- Voc, como membro da famlia ativo no ambiente agro, consegue reportar aos demais familiares, de maneira formal, sobre as premissas e nmeros do negcio? No? Por qu? E em caso positivo, por que voc no apresenta isso a todos?

Ento, qual o principal e mais bvio problema? Perpetuao, claro! O campo, sem dvida, precisa de pessoas dedicadas e competentes, que entendam as particularidades da produo rural, mas tambm necessita de pessoas que possibilitam a continuidade do legado familiar, conservando o patrimnio e os frutos que dele advm.

Segundo o coordenador de agronegcios da FGV (e ex-Ministro da Agricultura), Roberto Rodrigues, em muitos casos a primeira gerao produz, a segunda arrenda e a terceira vende, levando ao desmembramento do patrimnio familiar, que na ampla maioria das vezes levou dcadas para ser construdo. Ou seja, existe um dilema entre geraes, que no mapeado no dia a dia.

Por que isso ocorre? Acredita-se em dois fatores principais:

1- Com o ar das geraes, aumenta o nmero de pessoas que dependem economicamente daquele negcio. E, caso a produo e receitas no aumentem na mesma proporo, alguns tero que buscar outra fonte de renda, e, se isso no for bem combinado entre os membros da famlia, por si s, j um ponto de partida para as discusses.

Figura 1: Modelo tradicional de estrutura de sucesso familiar

2. Falta de incentivo por parte dos patriarcas em fazer com que os mais jovens trabalhem e permaneam no campo. Neste caso, muitas vezes isso ocorre por no desejarem que os filhos "sofram" como eles sofreram quando da formao do patrimnio (viagens difceis, longas estradas de terra, condies precrias de instalaes, doenas tropicais, etc.), ou por serem centralizadores e no conseguirem "ar o basto" na hora certa. Assim, controlam tudo at o momento do inevitvel falecimento, e seus herdeiros, sem preparo suficiente, so obrigados a decidir o futuro dos negcios, o que desencadeia um ambiente frgil e propenso a conflitos.

Ciclo de produtividade

Os empreendedores do agronegcio idealizam a construo de um legado que perdure para as prximas geraes, porm, estes empreendedores muitas vezes no enfrentam ou no se lembram que para conservar seu negcio, necessrio preparar e consolidar este patrimnio, profissionalizando-o e tornando-o sustentvel.

Este produtor rural, para enfrentar essa realidade, precisa compreender sua atuao no Ciclo de Produtividade Pessoal, o que ocorre no apenas no ambiente agro, mas tambm nos outros ramos de atividade. O Ciclo de Produtividade divide o ciclo de vida de uma pessoa em perodos, com base na sua produtividade e conhecimento em relao ao tempo.

Figura 2: Ciclo de Produtividade Pessoal: desempenho potencial de gestor de fazendas

Uma anlise nos mostra que at 25 anos de idade o perodo em que o jovem absorve conhecimento e a partir da a a se mostrar apto para o mercado, para o trabalho. Contudo, ainda existe muito a ser aprendido e consolidado.

No perodo entre os 25-40 anos mais conhecimento adquirido, chegando mxima performance potencial aos 50 anos. Em tese, entre 40 e 60 anos temos o que chamamos de "faixa tima", onde este gestor ter as melhores condies de conduzir o negcio familiar, pois possui consolidadas as caractersticas de: conhecimento, experincia, rede de contatos, mente aberta a inovaes e preparo fsico suficiente para a dinmica do negcio.

A partir dos 65 anos normal que se inicie uma queda sensvel na produtividade, e costumamos dizer por aqui que "comea a faltar perna" para acompanhar o ritmo necessrio.

Assim, aps os 60-65 anos, sensato que o patriarca da famlia j tenha conduzido, de forma gradual e ao longo dos anos, a gerao de baixo para o posto principal de liderana. Nesse momento, o patriarca ainda deve continuar ativo, compondo o conselho istrativo (mesmo que informal) do negcio, sendo aconselhvel, inclusive, dar palpites e instrues, enquanto o novo lder assume efetivamente as responsabilidades do negcio.

Figura 3: Pirmides invertidas: perfil para tomada de riscos em diferentes geraes

E aqui est o ponto crucial, o "ar o basto" no ocorre do dia para noite, demanda um processo gradual e estudado, no qual o sucessor deve se preparar com o apoio do experiente patriarca (ou matriarca), para enfrentar os problemas que futuramente faro parte do seu dia a dia. E se assim a famlia no se preparar, neste momento que a situao "trava", pois o patriarca ou a matriarca no tem segurana e tranquilidade para se desvincular do negcio que vem conduzindo por dcadas.

Portanto, resta evidente que no a diferena no perfil de projeto agropecurio que faz com que as famlias consigam ou no manter seu legado por geraes, mas sim, o planejamento e organizao familiar para a conservao do patrimnio, que nada mais que a implantao do processo de governana e sucesso.

Assim, uma vez que as famlias consigam compreender esses processos e aplic-los em conjunto com o ciclo de produtividade pessoal, aumentam tambm de forma exponencial as chances de manter o patrimnio familiar e efetivamente perpetuar seu legado!

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Daniel Pagotto lidera a operao na empresa, engenheiro agrnomo (Esalq-USP), com ps graduaes em produo animal e pastagens (Esalq-USP), e em gesto de empresas (FGV) e consultor da Tratto Consultoria. 6n5yl