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Carta Gestor - No era para ser o contrrio? 62y2t

por Sergio Raposo de Medeiros
21/02/2017 - 15:40

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Um recurso sofisticado que a evoluo nos brindou a intuio. Sozinha j tirou muita gente de enroscadas. Todavia a intuio, nossos sentidos e percepo, em determinadas vezes, falham e chega a ser difcil aceitar que aquela ocorrncia foi contra nossas previses. Abaixo dez situaes em que isso acontece em vrios pontos da atividade pecuria.

1)Quando adubar, lgico que devo priorizaro pior pasto, certo?

No momento em que se decide por adubar pastos na fazenda, preciso escolher quais locais recebero os fertilizantes. Naturalmente, a lgica da escolha priorizar os pastos cuja avaliao indique haver mais falta de nutrientes, ou seja, que estejam com baixo crescimento, com aparecimento de invasoras, indcios de processos erosivos e outros sinais de processo de degradao. Por essa mesma lgica, a tendncia selecionar o pasto que tenha o pior quadro de degradao.

Aps fazer a correo neste pasto, muito provavelmente o resultado ficar abaixo do esperado. Nada mais frustrante do que ver o investimento em adubao, feita com todo capricho e dentro da melhor recomendao, no nos encher aos olhos. O que ocorre neste caso que esse pasto estava to degradado que os nutrientes adicionados ao solo pelo adubo no puderam ser devidamente assimilados. Certamente o sistema radicular mirrado das forrageiras em pastos degradados um dos mais importantes fatores, bem como haver menos matria orgnica, menos cobertura morta e mais compactao (que reduzem a umidade do solo). Esses fatores, em conjunto, conspiram para um menor aproveitamento da adubao. Assim, melhor escolher o pasto em condio intermediria, pois os melhores talvez ainda possam segurar um pouco a produo e, os piores, podem receber apenas um manejo diferenciado. Esse manejo, pode ser apenas reduzir bastante a carga sobre ele a at ved-lo por um tempo para que consiga alguma recuperao. Eventualmente, o melhor caminho ser o mais drstico: a reforma, quando um novo pasto implantado (se possvel depois de um ano de alguma cultura agrcola).

2)Na seca o animal consome mais o suplemento mineral?

Para as fazendas que usam o sal mineral convencional durante o ano todo, observa-se que o maior consumo do animal ocorre na seca. Isso vai contra o conhecimento tcnico, pois o consumo deveria ser tanto maior, quanto maior fosse o desempenho dos animais. Por que isso ocorre, ento? Um dos principais motivos para maior consumo na seca que as pessoas oferecem mais o sal mineral nessa poca, em funo de acreditar, erroneamente, que a poca que ele mais faz falta. O fornecimento na seca tambm mais fcil, pois o deslocamento no tem os desafios que a poca das chuvas trs, com estradas enlameadas, veculos atolados, etc. No perodo das guas, alm disso, comum o sal mineral umedecer (mesmo em cochos cobertos) e empedrar, situao que reduz bastante o consumo. Por fim, possvel que pastos da seca aumentem o tempo de ociosidade do animal e, nesse caso, o maior consumo de sal mineral tambm ocorreria por um maior tempo disponvel para lamber o sal.

3)Prender para vacinar perda de tempo?

Ao planejar a realizao de um trabalho, qualquer que seja, sempre tentamos reduzir ao mximo o esforo dispendido de maneira a termin-lo o mais rpido possvel e com o mnimo de desgaste. No dia de vacinar os animais, nada mais natural que tentar vacin-los sem a perda de tempo de prender um por um, fazendo isso j no corredor antes do tronco. difcil acreditar que vacinando um a um, depois de conter o animal, no vamos demorar muito mais para terminar a tarefa. O fato que, quando foram comparadas essas duas formas de fazer, a opo que foi realizada em menor tempo, foi a que nossa intuio rejeitou. E no essa a nica vantagem: a vacinao fica mais bem feita e todos que trabalharam bem menos cansados. Contudo, os maiores beneficirios desta escolha de manejo racional so os bovinos, que so submetidos a uma situao para eles estressante, mas que bem reduzida em comparao a vacinao no corredor. Alis, exatamente o comportamento mais tranquilo dos animais que faz com que o trabalho flua sem interrupes e explica a mgica de acabar mais rpido. Nunca, pessoalmente, fiz essa comparao experimentalmente, mas quando vi esses resultados pela primeira vez, no duvidei por um segundo, pois, eles batiam com minha experincia de trabalho. Com dois tipos de turma no curral, sendo uma, mais sangunea, querendo apressar o trabalho e, a outra, mais tranquila, sem preocupao em quebrar recordes de velocidade, a atividade sempre acabou antes e com todos menos cansados com esta ltima.

4)Apenas nos trs meses finais da gestao que a gente deve se preocupar com a nutrio da vaca?

A grande maior parte do desenvolvimento em tamanho do feto no tero da vaca ocorre no ltimo tero da gestao e, evidentemente, h maior exigncia por nutrientes, que sero os blocos de construo dessa nova vida. Em funo disso, por muito tempo os seis meses iniciais no foram devidamente valorizados. Hoje, sabemos que isso um erro, pois deficincias nutricionais nessa fase podem resultar em alteraes que sero sentidas inclusive muito mais a frente na vida do animal. O que ocorre que a nutrio da vaca gestante tem um efeito conhecido como programao fetal. A maior parte do desenvolvimento de clulas musculares e adiposas ocorre entre o segundo e oitavo ms da gestao, com perodos mais ou menos crticos para cada um deles. Por isso, uma restrio alimentar em diferentes perodos nesta fase, modifica o perfil de clulas geradas e pode resultar em diferentes padres de crescimento do animal depois do nascimento. As alteraes ocasionadas pelo estado nutricional da me influem no nmero e tamanho de adipcitos (clulas de gordura), no tipo de fibras musculares e, assim, podem resultar em maior ou menor marmoreio e, at, diferenas no rendimento de poro comestvel.

5)Quanto mais vezes fornecer alimento no confinamento, mais estimulo o consumo?

O que nossos olhos veem acaba por determinar nossa crena em que ocorre sob nosso testemunho. Assim, ao observar os animais serem estimulados a ir ao cocho toda vez que lhe oferecido alimento, causa a sensao que os animais esto consumindo mais. Felizmente, podemos fazer experimentos em que alteramos o nmero de refeies ofertadas e, ao mesmo tempo, medimos o efetivo consumo pelo animal. Quando apuramos o resultado, apesar de nossa percepo dar uma forte impresso que os animais mais estimulados comeram mais, constata-se que o consumo igual entre os tratamentos. A primeira concluso bvia que, se os animais visitaram mais vezes os cochos e consumiram o mesmo que os demais, em cada uma de suas refeies eles comeram menos. A segunda concluso (menos bvia) que outro fator define o consumo dos animais. No caso de uma dieta de confinamento, daquelas que o animal come tudo que lhe do, sem restries (= consumo voluntrio), o estmulo que faz ele parar de comer sua exigncia energtica. Portanto, ele para de consumir em funo do seu desempenho. Assim, um animal de grande potencial de consumo, ganha muito peso e, por isso, tem uma necessidade de energia tambm grande. Em outras palavras, o animal come porque cresce e no o contrrio.

6)No confinamento, por acidose, sempre morre o melhor animal?

Quando ocorre morte de animal no confinamento por problemas de acidose e timpanismo, no incomum ela vir seguida do lamento “Puxa, tinha que morrer justo o melhor animal?”. Essa indagao pressupe o fato de ter morrido o “melhor animal” por mera coincidncia. Na verdade, no h nada de aleatrio em ter sido vtima um animal de alto desempenho com essa “causa mortis”. Isso porque a probabilidade de acidose aumenta na mesma medida de quanto maior o desempenho, uma vez que esse animal o “comilo” do lote (conforme visto no item anterior). Uma das formas da acidose ocorrer seria pela combinao de fermentao rumimal muito intensa e baixo estmulo ruminao. A primeira faz com que muitos cidos graxos volteis, os resduos da fermentao, sejam produzidos e, o segundo, reduz a chegada da saliva no rmen que controla a acidez ruminal. Essa a circunstncia de uma dieta muito rica em milho (alta fermentao ruminal) e que tenha uma silagem excessivamente moda, que no estimula a ruminao e a consequente salivao. Contribuem ainda para ocorrncia de morte de animais, (i) ser logo no incio de um confinamento iniciado sem a devida adaptao dos animais dieta, (ii) em que haja reduzido o dos animais ao cocho e (iii) que a dieta seja oferecida mal misturada. Nesse cenrio, como o animal de maior desempenho costuma ser grande, ele ganha a competio pelo o ao cocho. Pressionado pelos demais animais, consome da maneira mais rpida possvel e, ainda por cima, selecionando preferencialmente o concentrado. Dessa forma ele consome uma quantidade maior de alimento e com uma maior proporo de concentrado em relao ao planejado. Alta fermentao, baixo controle da acidez ruminal levam acidose cujo agravamento leva o animal morte.

7)Fornecer gordura ajuda a terminar?

Uma das coisas que esperamos que o “animal seja aquilo que come”, portanto, nada mais natural que esperar que uma dieta rica em gordura resulte em maior deposio de tecido adiposo (gordura) na carcaa. De fato, uma das vantagens de consumir gorduras que uma parte delas incorporada como foi ingerida. Outra parte, todavia, “queimada” para gerar energia. H vrios dados de experimento que mostram que fornecer gordura na dieta, por si s, no estimula a deposio de gordura, que est bem mais ligada ao desempenho da dieta. Assim, uma dieta com menos gordura na sua composio, mas que imprime maiores taxas de ganho de peso aquela em que temos maior deposio de gordura e cujos animais sero abatidos com maior espessura de gordura subcutnea (capa de gordura). Como a gordura acima de certo limite na dieta (> 7% da MS) atrapalha o desempenho, ela pode, inclusive, atrasar a terminao do animal.

8)Fornecer gordura ajuda a marmorizar?

O que foi escrito para o item anterior se aplica neste caso: o marmoreio est associado tambm ao desempenho. H, contudo um agravante: a preferncia dos adipcitos da carne em usar carbonos dos carboidratos (acares) para a sntese de gordura, ou seja, contribuiria mais o milho (rico em carboidratos) do que o caroo de algodo (rico em gordura) para o marmoreio. Alguns dados de experimento com animais zebunos parecem indicar que esse efeito dos carboidratos da dieta aumentarem o marmoreio talvez no sejam to intensos quanto para os animais europeus.

9)Gordura de carne de boi de pasto mais saudvel?

Uma das modas alimentares nos EUA o “Grass-fed Beef” (Bife de pasto) e, entre outras vantagens que se atribuem a ele em relao ao bovino “Yankee” convencional, produzido em confinamento com dietas com elevado concentrado, ter uma composio em cidos graxos mais saudveis. Isso decorre do fato das forrageiras temperadas terem em sua composio quantidades considerveis de cidos graxos poli-insaturados (AGPI) que vo sendo acumulados no tecido adiposo do animal. Entre esses AGPIs, temos os cidos graxos mega-3 e os CLA (cido linoleico conjugado), cuja ingesto traria benefcios sade do consumidor. As forrageiras tropicais, contudo, tem muito menos AGPI. No s por terem diferente gentica, mas tambm porque a temperatura ambiente tem grande influncia na composio de cidos graxos. Isso significa dizer que, mesmo que usemos uma forragem temperada no Brasil tropical, teremos menos AGPI quando comparada a mesma cultivar crescendo em um pas de clima temperado. O motivo disso pode ser ilustrado por aquele tacho de banha na fazenda, que, no calor lquido, mas no frio, se solidifica. Ao contrrio, o leo vegetal, mais insaturado, em ambas as situaes se mantm lquido. Imaginem, ento, se a gordura que faz parte das membranas das clulas da forragem temperada fossem mais saturadas: elas se solidificariam e deixariam de fazer a funo delas de permeabilidade seletiva, comprometendo o funcionamento da planta. Esse mesmo raciocnio vale para as clulas animais. Enfim, em cada local que o organismo vive, em funo da temperatura, uma determinada combinao de cidos graxos saturados e insaturados na frao lipdica das membranas celulares vai deix-lo apto a funcionar. Portanto, nesse quesito no temos mais a vantagem de melhor perfil de cidos graxos em relao carne produzida a pasto em pases de clima frio. O consolo que, mesmo assim, a gordura da carne bovina favorvel sade uma vez que o segundo cido graxo saturado que ela mais tem, o esterico, no traz prejuzo sade e o insaturado que mais tem, o oleico, faz bem.

10)O melhoramento animal gera animais que consomem mais e, portanto, geram mais metano? Isso no ruim?

O melhoramento animal uma das reas responsveis pelos maiores ganhos obtidos no aumento de produo. Todavia, apenas mais recentemente se iniciou a presso de seleo para eficincia alimentar. Assim, o maior desempenho em geral pode ser explicado por maior consumo, ou, melhor dizendo, o inverso disso: o animal consome mais, porque ganha mais. O ganho “puxa” a comida! Quanto mais consumo, mais temos substrato fermentando no rmen e maior a produo de metano. Apesar de isso de fato ocorrer, importa menos o metano total produzido por animal e mais quantos quilogramas de metano por quilogramas de carne foram produzidos. Essa medida chama-se intensidade de emisso e considerada a melhor mtrica, por considerar o “nus” (o metano) em relao ao “bnus” (a carne). Um animal consumindo uma dieta muito ruim produz pouco metano, mas se o ganho estiver perto de zero, sua intensidade de emisso tende ao infinito. No caso de um animal melhorado, o metano fica mais diludo nos quilogramas de ganho, gerando uma intensidade de emisso mais favorvel. Ao que a intensidade de emisso remete, em ltima anlise, que podemos reduzir o rebanho sem reduo da produo de carne.

Certamente, o leitor deve ter alguma experincia de descobrir outras circunstncias contra intuitivas. O importante manter o “intuitmetro” ligado, mas, ao mesmo tempo, observar bem se as coisas no esto indo para outro lado, mantendo sempre a realidade de baliza.

Sergio Raposo de Medeiros - Pesquisador da Embrapa Gado de Corte, agrnomo com mestrado (1992) e doutorado (2002) pela ESALQ/USP.

Um recurso sofisticado que a evoluo nos brindou a intuio. Sozinha j tirou muita gente de enroscadas. Todavia a intuio, nossos sentidos e percepo, em determinadas vezes, falham e chega a ser difcil aceitar que aquela ocorrncia foi contra nossas previses.