Luiz F. Prata mdico veterinrio pela UNESP Jaboticabal, especialista em Higiene, Inspeo e Tecnologia da Carne pelo MAPA, mestre e doutor em Tecnologia de Alimentos pela UNICAMP. Professor aposentado da UNESP Jaboticabal. 5f5u1f
Scot Consultoria: Professor, o senhor poderia, por favor, nos contar um pouco da sua histria? H quanto tempo o senhor trabalha com inspeo de produtos de origem animal?
Prof. Prata: Sou Mdico Veterinrio formado em 1976 pela UNESP de Jaboticabal. A partir de 1977 eu entrei para o Ministrio da Agricultura no servio de inspeo, permaneci durante alguns anos e depois voltei para UNESP. Em 2017 completei 39 anos como professor na UNESP, todos eles dedicados ao segmento de inspeo, higiene, fiscalizao e tecnologia de produtos de origem animal.
Scot Consultoria: Como o funcionamento do Servio de inspeo federal (SIF) e do Departamento de inspeo de produtos de origem animal (DIPOA)? Anos de existncia, estabelecimentos inspecionados, corpo tcnico e suas responsabilidades frente promoo da segurana alimentar.
Prof. Prata: O DIPOA o Departamento de inspeo de produtos de origem animal e o SIF um rgo do DIPOA responsvel pelo servio de inspeo federal nas indstrias, toda indstria exportadora tem uma sede do SIF com funcionrios tanto de nvel superior, quanto de nvel mdio, concursados pelo prprio Ministrio da Agricultura (MAPA), que fazem a superviso de todos programas de autocontrole das indstrias diuturnamente com base em sorteios dirios onde a indstria nunca sabe qual setor ser avaliado e amostrado naquele dia, bem como no caso dos abates, a fiscalizao durante toda inspeo anti - mortem e ps - mortem dos animais.
Depois da ltima reviso constitucional, o Brasil resgatou o direito de estados e municpios, antes disso, no governo militar s havia o servio de inspeo federal. Depois do resgate, dependendo das esferas de comrcio, regionais, municipais, estaduais, interestaduais e etc, criou-se uma situao progressiva de interesse dos prprios municpios, dos prprios estados, o que acaba sendo uma situao difcil, e interesses daqueles estabelecimentos que normalmente comercializam em todo territrio nacional e/ou internacional e que, obrigatoriamente tem o servio do SIF.
O servio de inspeo federal tem mais de 102 anos com mais de 4.000 estabelecimentos vinculados e vem evoluindo gradativamente conforme a necessidade, o desenvolvimento agroindustrial, a progresso da cincia e da tecnologia dos dias atuais, fazendo com que o Brasil hoje seja um dos principais pases exportadores e tratado como celeiro do mundo, cuja perspectiva para 2025 um aporte de cerca de 45,0% do total de protenas consumidas no mundo inteiro seja proveniente do Brasil.
Dentro do SIF, so muitos estabelecimentos e muitos servidores. Poderiam ser mais, mas h no mundo uma tendncia em se enxugar os organismos que so muito amplos e isso aconteceu a partir do ano 2000 com algumas mudanas que vieram at mesmo dentro daquilo que entendemos como segurana alimentar ou inocuidade, que so programas patrocinados pelos organismos internacionais, como a prpria Organizao Mundial da Sade (OMS) que fizeram com que houvesse a adoo de uma srie de mecanismos regulatrios dentro da cadeia produtiva para se controlar o a o e oferecer no final um melhor resultado do ponto de vista da inocuidade do alimento, trabalhando com uma menor probabilidade do alimento produzir um risco sade, oferecendo segurana para quem consome. Mas ao mesmo tempo ando grande parte dessa responsabilidade para a indstria na forma de autocontrole. Ento os governos do mundo inteiro de todos os pases tentam reduzir seus quadros de funcionrios, trabalhando mais com superviso do que com propriamente de execuo de programas.
uma situao de ficar a uma esfera regulatria onde voc normatiza uma atividade, voc tem toda uma legislao daquela atividade, mas voc no se torna um co-executor e por consequncia torna-se um co-responsvel. Ento a ideia ficar na superviso e no na execuo porque dando errado, quem errou foi a indstria que executou os controles, ento preserva os organismos que fazem a fiscalizao e se responsabilizam pela segurana e pela inocuidade. Essa uma ideia mundial.
Scot Consultoria: Levando em conta toda histria e seriedade dos rgos pblicos de inspeo, podemos assegurar a qualidade e inocuidade dos produtos de origem animal? O senhor acha que a maneira que a Polcia Federal divulgou as informaes sobre a operao “Carne Fraca” gerou mais alarde do que deveria?
Prof. Prata: Com certeza, tenho a tranquilidade e a certeza de muitos anos de trabalho e de experincia para dizer. Qualquer carne inspecionada, com o selo de identificao do SIF, e dentro do seu prazo de validade segura. A populao no precisa se preocupar. Desde o primeiro momento que essas noticias surgiram, ns percebemos que houve uma falha e quem errou no deveria ter errado, porque so tambm funcionrios que prestam servio a essa mesma populao seja na rea de segurana da polcia militar, federal, do ministrio ou da onde quer que seja. O problema foi localizado e pontual, porm foi generalizado indevidamente.
Isso tem um custo muito alto, a cadeia produtiva vai pagar um preo desproporcional a aquilo que assistimos, que so problemas humanos. So problemas pontuais de carter, de pessoas que so exceo. Infelizmente elas existem e vo continuar existindo em qualquer rea de qualquer servio.
As pessoas esto sendo investigadas e espero que sejam devidamente punidas, mas a generalizao e a forma com que isso foi divulgado na imprensa causou um enorme mal e um enorme desservio a todo setor e a prpria nao.
Foi um despropsito, faltou assessoria, faltou sensatez, faltou experincia, faltou traquejo, porque agora ns vamos pagar um preo alto. Estvamos muito bem colocados nas exportaes mundiais, h muitos anos j frequentando os primeiros lugares. Sempre que voc alto, voc motivo da inveja ou da insatisfao dos seus concorrentes. Este alarde todo deu espao aos concorrentes para criar mculas onde elas no existem.
Voc sobe uma escada a duras penas e demora 20 anos para consolidar uma posio, mas com uma notcia dessas, com uma falta de responsabilidade para com o pas, voc derruba os degraus conquistados e para reerguer ser custoso. Ns no sabemos dimensionar hoje qual o prejuzo e quanto vai demorar para a cadeia se levantar e voltar a respirar adequadamente e vamos pagar um preo em todos os seguimentos, desde o produtor de insumos ao produtor rural e todas as esferas do esquema produtivo. Infelizmente hoje no sabemos dimensionar qual ser esse prejuzo.
E esses problemas, por serem da natureza humana, serem problemas de carter, eles vo continuar existindo e a sociedade precisa continuar vigilante, por que eles existem em qualquer setor, na classe mdica, na classe jurdica, etc. H necessidade de transparncia, mas tudo isso com muita responsabilidade.
Scot Consultoria: A divulgao da polcia federal teve erros tcnicos? Faltou um entrelao entre a polcia federal e os tcnicos do MAPA?
Prof. Prata: Eu no saberia dizer como esses organismos trabalham, pois a prpria polcia federal tem seus mtodos e toda a questo de sigilo. Eu j assessorei integrantes da prpria polcia federal, sob sigilo, aqui na UNESP h alguns anos atrs e acredito que deixei os integrantes da polcia a par de todo conhecimento que era possvel naquela poca. Aqui a mesma coisa poderia e deveria ter sido feita, eu s no sei se isso foi feito, e a que nvel. Eu s tenho as notcias vinculadas pela mdia e, nesse caso me parece que as concluses foram precipitadas, devido pouca assessoria e poucas anlises nesses dois anos. Faltou uma certa sensatez, uma certa experincia.
Temos que frisar que temos institutos de pesquisa e universidades aptos a fazer isso e de renome internacional. A UNICAMP, USP e a UNESP e outras tantas universidades do Brasil possuem profissionais que tambm so servidores pblicos e que, tem o sigilo como “arma” e como garantia do seu desempenho tcnico/tecnolgico e poderiam ser utilizados antes de se produzir um agravo como o que estamos verificando agora.
Com certeza se essa consulta tivesse sido realizada acredito que essa megaoperao no teria sido dessa forma.
Scot Consultoria: Sobre o uso de conservantes, como o cido ascrbico (vitamina C), aprovado para consumo? E o uso de carne de cabea (carne industrial) tem uso autorizado?
Prof. Prata: O cido srbico e o acido ascrbico so dois aditivos, dois adjuvantes que so indicados em determinadas situaes e em determinadas quantidades. Por exemplo, o cido ascrbico um antioxidante, normalmente as carnes so muito sujeitas oxidao, principalmente as carnes de aves. A oxidao produz um rano precoce, se voc for fazer um embutido de carne de ave ou de presunto ele auxilia voc como um antioxidante, como um ajudante na questo no desenvolvimento na carne curada. O uso desses aditivos permitido nessas situaes pontuais.
Srbico, sorbato em outras situaes e em uma gama variada de alimentos tambm so utilizados dentro de adequaes e indicaes tcnicas. Ento no se pode alardear e fazer isso uma celeuma desnecessria porque isso trs preocupao para o consumidor, que no tem a obrigao de saber como isso acontece e como isso regulado. Ele tem que ter a tranquilidade de adquirir o produto, levar para casa e consumir com tranquilidade. Na medida em que se produz uma insegurana e informa que um produto cancergeno est sendo usando voc alardeia uma populao, faz com que ela deixe de adquirir produtos, podendo at se alimentar inadequadamente, quando ns j temos outros problemas que poderamos abater. Ns temos problemas mais srios que j vem perdurando de outros setores, no precisvamos de mais esse nesse momento.
Scot Consultoria: Quanto ao uso de carne de cabea de porco, tambm permitido segundo o DIPOA?
Prof. Prata: Seu uso no tem problema nenhum, nos chamamos de carne industrial. Todas as partes de uma carcaa liberada aps a inspeo anti - mortem e ps - mortem so liberadas para o consumo. S vai depender de hbito e de interesse. No se cobe isso na legislao. Essa carne tem um propsito, se ela for para produo de embutidos, por exemplo, ela ter uma gradao, uma classificao e entrar na composio de uma salsicha ou de um produto industrializado em uma determinada proporo, mas ela vai contribuir com a quantidade mnima de protena que cabe aquele alimento.
Por exemplo, no Brasil ns no temos o hbito de comer glndula mamria, mas vrios pases possuem a glndula mamria como uma iguaria culinria. Mas se um dia criarmos esse hbito, no h nada contra, desde que seja uma glndula mamria normal, sem problemas.
Scot Consultoria: O consumidor brasileiro pode ficar tranquilo ento que est comprando uma carne de qualidade e segura?
Prof. Prata: Sem dvida! O mundo inteiro consome a carne brasileira, mais de 150 pases consomem regularmente carne brasileira, de midos at os cortes mais nobres. Se voc est adquirindo um produto que tenha procedncia, que tenha rotulagem, que tenha data de fabricao, data de validade, que esteja com a embalagem em ordem e tenha o selo da inspeo, voc no tem que se preocupar. A preocupao agora econmica. Qual ser o preo que o brasileiro ia pagar por isso e quanto tempo levaremos para recuperar as posies e os postos de trabalho que sero perdidos? Quanto isso vai custar para todo o setor?
Isso que aconteceu foi pontual e inerente ao ser humano, em qualquer pas do mundo existem casos de corrupo, inclusive em pases que tenham cultura e tradio mais ampla que a nossa.