As celebraes familiares deste esquizofrnico ano de 2016 esto logo ali depois da esquina e, com elas, junto com os exageros gastronmicos, com a farra etlica e a alegria do reencontro de pessoas queridas, vm as perguntas indesejveis, as ideias pr-concebidas e as certezas absolutas formadas pela numerosa categoria de “especialistas” grau “www” sobre tudo, inclusive pecuria. Como a pecuria tem muitos detratores bons na guerra da (des)informao, o bombardeio constante. Enfim, algo que faz parte do pacote de fim de ano. 5c2046
Neste texto, brevemente, vamos falar sobre alguns assuntos polmicos que envolvem nosso setor de maneira a subsidiar todos aqueles que nele militam e, assim, ajudar a ter uma interao mais produtiva com “urbanoides” que conhecem o campo s pela televiso nas manhs de domingo. Para tal, criamos alguns personagens imaginrios do tipo que, provavelmente, o leitor ter que, entre uma garfada no tender e um gole no "prosseco", enfrentar em breve:
1)A tia que s fala em regime: Essa tia, irm da sogra (claro!), naturalmente bem gorda e provavelmente tem um daqueles nomes hoje em extino. A Tia Oflia, ento, vai interpel-lo com algo como “Nossa, porque voc trabalha com boi? Carne engorda e d cncer!”. Nesse momento, muito importante que voc mantenha a calma e, especialmente, no caia na tentao de responder: “Tia...o boi, ao contrrio da senhora, tem partes com bem pouca gordura!”. Muito pelo contrrio, com amor, deve-se esclarecer Tia Oflia que, o que engorda comer mais energia do que gastamos, exatamente como ocorre nas festas de final de ano. Em seguida, podem-se dar boas notcia a ela. Primeiro, que a carne um excelente alimento para ser usado em regimes, pois, comprovadamente ajuda a pessoa a ar a restrio alimentar e, portanto, no desistir da dieta. Em segundo lugar, quanto questo da ligao de carne e cncer, que ela muito fraca. provvel que, neste momento algum lembre que h pouco mais de um ano, o IARC (Agncia International de Pesquisa sobre o Cncer) fez o alerta que “o consumo de 50 g de carne processada por dia aumenta a chance de cncer colo-retal em 18%”, o que, na imprensa, virou a manchete “Carne cancergena”. A primeira questo a ser esclarecida que essa pessoa no tem 18% de chance de ter cncer, mas que ela tem 1,18 vezes mais chance de quem no come. o chamado “risco relativo”. Em comparao, o risco relativo de quem fuma ter cncer de pulmo 20 vezes maior do que um no fumante, ou seja, 1900% maior. Nessa deciso, o IARC colocou carne e cigarro na mesma categoria. Tive a oportunidade, na reunio desse ano da Sociedade Americana de Cincia Animal, em Salt Lake City, de assistir a duas palestras em sequncia com especialistas que votaram para decidir se o IARC iria ou no colocar a carne na lista de cancergenos. O primeiro, que trabalha para o governo americano, Dr. David Klurfeld, mostrou que a grande maior parte dos dados no ava haver ligao entre carne vermelha e cncer. Alm disso ele explicou que, quando o valor calculado do risco relativo menor do que 1,2, de praxe, ele desconsiderado. Essa margem de segurana existe, pois a maior parte dos dados tem base em estudos das populaes (estudos epidemiolgicos) ou estudo de interveno na dieta, que so muito suscetveis a terem confundimentos e a falta de compromisso dos participantes, respectivamente. Por exemplo, ele comentou que o caso da ligao entre consumo de caf e aumento de risco de doena cardiovascular, apenas recentemente foi identificada como furada, depois que a reavaliao dos dados considerando o efeito do cigarro demonstrou ser esse o verdadeiro vilo. A palestra dele foi muito convincente e justificou bem porque ele votou contra a nova classificao do IARC. A palestra seguinte foi do pesquisador belga Dr. Stefaan Smet, mostrando a mesma fraca ligao e explicando que o IARC tem sua competncia bem estabelecida com compostos qumicos, mas que nunca tinha trabalhado com alimentos, sendo a carne sua investida pioneira. Alm disso, que o grupo reunido fez apenas uma anlise de risco e no uma avaliao cientfica aprofundada da questo. Que a carne vermelha propriamente no tinha dados suficientes para ser colocada como cancergena, mas que a processada, sim, ainda que fracamente e com baixo risco. De maneira meio envergonhada, justificou seu voto em funo de um trabalho cujas concluses sobre determinados processos explicariam o risco (ou seja, indiretamente!). Algo importante a se notar nesse caso como procedimento foi diferente com a carne, havendo maior rigor ao fazer o 1,18 ser tratado como se fosse maior do que dois. Enfim, fosse outro alimento, muito provavelmente no teria sido colocado na berlinda. O resumo que todo mundo pode aproveitar bem seu bife, caprichando no seu acompanhamento e no estilo de vida que se leva. Esses fatores faro muito mais diferena para a sade do que comer carne de soja o resto da sua vida.
2)O sobrinho aluno de Geografia na Federal: Eis que neto da Tia Oflia, o Jnior, ouviu suas explicaes e aproveita para fazer algo que sempre quis: constranger um dos cmplices, na viso dele, da devastao da Amaznia. Ele, ento, dispara: “... mas todo mundo sabe que a floresta amaznica derrubada para dar lugar aos pastos!”. Respire fundo, considere que essa relao histrica e est cristalizada na mente das pessoas, mas informe para ele que os trs estados da nossa federao que mais tiveram aumento de rebanho bovino ente 2006 e 2015 foram Par, Mato Grosso e Rondnia, respectivamente com 6,4%, 9,2% e 11,40%. Desses, apenas Mato Grosso no tem todo seu territrio naquele bioma, mas onde fica quase toda “nova” fronteira agropecuria dele. Apesar desses aumentos, entre 2004 e 2012 houve uma reduo de 2,35 mil km2 de desmatamento por ano, ando de mais de 25 mil km2/ano para cerca de cinco mil km2/ano. Nos ltimos anos, oscilou na faixa entre 5-6 mil km2. Por conta disso, hoje, os estudiosos falam, ento, do fenmeno do “desacoplamento” entre pecuria e desmatamento. Caso ele queira saber como isso foi possvel, voc pode explicar que, por um lado a pecuria tem melhorado muito sua produtividade e, por outro, houve bastante esforo governamental e da sociedade civil organizada na represso ao desmatamento ilegal. A adoo da estratgias de compra de animais produzidos exclusivamente em fazendas estritamente dentro da lei, por exemplo, teve grande impacto nesses resultados. J na questo de produtividade, vale pena informar que, entre 1975 e 2006, a produo de carne aumentou quatro vezes, praticamente na mesma rea (na verdade, um pouco menor: 96% da rea de 1975!). A tendncia segue na reduo da rea de pastagens e melhora na eficincia da produo. Por fim, vale pena fazer para o Jnior mais dois comentrios: 1) itir que, apesar do “desacoplamento”, o desmatamento ilegal, em que a pessoa pe abaixo a rea de mata e cria boi em seguida, continuar ocorrendo, mas que o boi apenas parte do processo cujo maior objetivo imobilirio, isto , vender a rea e 2) que isso um caso de polcia e por ela, e com os rigores da lei, deve ser tratado.
3)O cunhado, advogado, que se considera mais sabido que o Google: Voc sempre achou que sua irm merecia algo melhor, mas, como diz o poeta, o corao tem razes que a prpria razo desconhece! Chamado pelo sobrenome, o Cunha um leitor voraz de contedo da Internet. Por azar seu, ele chegou ao final das suas explicaes para o Jnior sobre desmatamento e, no ringue imaginrio que ele tem na cabea, resolveu tentar coloc-lo contra as cordas levantando a questo atualssima do aquecimento global (AG). Ele, caprichando no tom, diz: “...pois , mas outro dia li que especialistas culpam o churrasco de domingo como o vilo do AG!”. Evite o caminho de minimizar o assunto, pois, no final uma crise que, na verdade, uma grande oportunidade. A bovinocultura, como qualquer outra atividade humana, polui e tem sua parcela de envolvimento nesta questo, nisso o Cunha est certo. Outro fato que cada vez mais dados mostram que o AG real e, pior, seus efeitos tm chegado antes e mais fortes do que o previsto. Especificamente a fala do cunhado literalmente a manchete da Internet para um relatrio que coloca a agropecuria como a grande vil, mas especialmente porque pe na conta dela a emisso por mudana de uso da terra (MUT), algo que, como explicado para o Jnior injusto, uma vez que todas as cidades um dia foram floresta e elas nunca pagaram essa conta da sua prpria questo fundiria, ou, por outro lado, se no houvesse boi e agricultura, haveria desmatamento do mesmo jeito. Diretamente ligado atividade mesmo, o valor ficaria prximo 20% das emisses brasileiras de gases de efeito estufa (GEE). O fato que no tem nada mais globalizado nesse Mundo do que os efeitos climticos. Um bom exemplo para mostrar como estamos interconectados pelo clima: foi identificado, recentemente, que a poeira vinda do deserto do Saara, na frica, influencia na pluviosidade da Amaznia, pois partculas vindas de l ajudam a chover aqui! Portanto, o valor global de 13% das emisses de GEE vindos da pecuria onde devemos focar (e tentar reduzir). Para reduzir a emisso de GEE, por sorte, o melhor caminho a intensificao dos sistemas. Quanto mais investimos em tcnicas modernas de produo pecuria, menor a emisso por quilograma de carne produzida. Alis, essa unidade a melhor mtrica para enfrentar esse desafio. Por uma feliz coincidncia, no caso brasileiro, o aumento de intensificao da produo aumenta a rentabilidade do produtor, ou seja, uma relao ganha-ganha. Mas se o Cunha pensou que as vantagens brasileiras tinham acabado por aqui, vai mais um direto de esquerda: Como nossa carne produzida principalmente em pastagem, temos como bnus na intensificao um aumento de suas razes, ou seja, aumentamos o carbono fixado no solo. A relao, na verdade ento, a a ser ganha-ganha-ganha. Inclusive, um dos trabalhos mais interessantes publicados ano ado por pesquisadores escoceses e brasileiros (e que foi capa da prestigiosa Nature Climate Change) mostrou que desestimular o pecuarista faria inverter a direo, com o solo ando de dreno de C para emissor, aumentando a emisso de GEE. Mais informaes sobre isso na conexo (link) de um texto escrito por mim nesse mesmo espao em janeiro no rodap. O interessante que importantes organizaes no governamentais (ONGs) entenderam isso e tem programas para ajudar o pecuarista a intensificar sua produo. Para finalizar, lembre ao Cunha que ele pode ajudar a combater o AG na cidade mesmo com atitudes simples: 1) Andar mais a p ou usar mais transporte pblico ou solidrio; 2) Trocar transporte motorizado por bicicleta; 3) Economizar energia; 4) Encher o tanque com lcool em vez de gasolina; 5) Reciclar seu lixo; 6) Evitar o desperdcio (jogar menos comida fora, consertar o bem em vez de jogar fora, etc.).
4)A sobrinha com desejos de se tornar vegana: A Clarinha sempre foi um amor de menina, muito meiga e sonhadora. Nada mais revelador da sua sensibilidade do que sua “luta” para que os adultos levassem a srio que seus bichos de pelcia tinham alma. Eis que agora, no reencontro com essa jovem adulta que acabou de tirar a habilitao, ela olha para voc com reprovao e diz: “...Tio, como voc pode trabalhar matando animais para viver?”. Na sequncia ela revela estar seriamente considerando virar vegana. Para quem no sabe vegano um vegetariano radical. O vegano no come nenhum alimento que tenha qualquer ingrediente de origem animal. Uma bala de mel, por exemplo, para a maioria das correntes veganas no deve ser comida! Primeira dica: Fuja da reao padro que a de recriminar a escolha de que a pessoa vai comer. Colocar a liberdade de escolha acima das nossas ideologias em situaes como hbitos alimentares um excelente exerccio de sociabilidade e, acredite, aumenta bem a chance que seus argumentos sejam considerados. Outro encaminhamento dado a esta questo afirmar que a dieta vegana (ou vegetariana) vai deix-la subnutrida. Apesar de haver grandes chances de isso ser verdade, possvel ter uma dieta balanceada sem produtos de origem animal. apenas muito mais difcil. Prova disso que muitas mulheres vegetarianas antes da menopausa, quando assistidas por nutricionistas, tomam plulas de ferro para complementar esse mineral. Alm de ferro, a carne vermelha responsvel por grande parte do atendimento de vitaminas do complexo B, zinco, cobre e, claro, protena de alta qualidade, com todas as unidades formadoras das protenas (aminocidos) que precisamos. No caso do vegano, alm da dificuldade em balancear a dieta, h o desafio de saber se a comida tem ou no produtos de origem animal. A fcil diferenciar o vegano novato: Ele pergunta a quem fez quais os ingredientes foram usados, examina a lista de componentes nas embalagens mesmo com as mais midas das letras e recusa a bala de mel. O vegano , digamos, “snior” j se deixa enganar, presume que determinada marca no tm ingredientes de origem animal (para no ter que ler o rtulo e descobrir que tem) e aceita a bala de mel. Obviamente que essas limitaes no ajudam muito na vida social, o que tambm uma realidade para vegetarianos, ainda que num grau bem mais baixo. At agora, contudo, apenas defendemos o direito da pessoa comer o que bem entender e que dietas baseadas em plantas so bem mais complicadas de operacionalizar. H mais o que argumentar em prol de fazer uma jovem ter uma vida mais fcil, prazerosa e saudvel? Um ponto importante neste caso que a escolha vegetariana proporciona uma sensao de superioridade moral por sacrificar seu desejo em comer carne em prol de no matar um animal. Essa deciso emocional faz a pessoa ser resistente a argumentos mais racionais. Nem sempre fcil para ela perceber que esta questo moral bem relativizada quanto voc coloca o ser humano em seu devido lugar: apenas mais um ser vivo na teia da vida. Seres vivos, de todos os reinos, so alimentos uns dos outros, no sendo razovel julgar o pssaro que pesca o peixe, o gato que come o rato e o jacar que come a capivara, etc.. Por que seria, ento, justo julgar o Homo sapiens que come boizinho que criou? Tambm bom lembrar que vegetarianos e veganos no se alimentam de pedra, mas de seres vivos que morrem para que eles possam viver. Diro “...mas alfaces no sentem!” para o qu pergunto: “Ser?”. importante lembrar tambm que os animais de criao s existem por ter o fim de ser tornarem alimento, matria prima para uma infinidade de produtos e fora de trabalho. Dizemos isso de forma alguma para dar-lhes menos importncia, mas para frisar que eles no existiriam se no fosse por isso. Por fim, um ponto que faz com que muitas Clarinhas por a se sintam tentadas a deixarem de comer produtos de origem animal porque eles acreditam que o animal seja mal tratado durante sua vida na fazenda. Isso ocorre em boa parte pela propaganda negativa feita por ativistas anti-indstria animal, que mostram as piores cenas dos piores produtores, levando a crena que elas representam a realidade. necessrio explicar que o maior interessado em prover o animal com bem estar o prprio produtor que sabe ser esse, tambm, um fator de aumento de produo.
Para finalizar, alguns pontos positivos que at quem da rea, s vezes, no tem a exata dimenso e que podem ajudar no contexto dos debates das festas de fim de ano. Voc sabia:
- Que menos de 10% dos animais abatidos no Brasil vem de confinamentos e que estes duram apenas entre 70-100 dias, ou seja, o gado brasileiro a, em mdia, 99% da sua vida em seuambiente natural?
- Que alm da quase totalidade da carne produzida no Brasil vir das pastagens, h baixssimo uso de insumos, sendo um alimento muito perto do conceito de orgnico sem precisar de um protocolo especial para isso ou certificao?
- Que, segundo um trabalho britnico, uma tonelada de carne produzida no Reino Unido usa 2,5 vezes mais pesticidas, gasta cinco vezes mais energia e tem seis vezes mais potencial de acidificao do que a mesma tonelada de carne produzida no Brasil?
- Que a carne brasileira uma das mais “limpas” do mundo conforme atestado pelo fato de exportarmos para centenas de pases e praticamente no haver alertas para ocorrncia de resduos, mesmo com vrios deles possuindo elevado grau de controle? Que alm desse aval, temos o “Plano Nacional de Controle de Resduos e Contaminantes” do Ministrio de Agricultura, cujos resultados so pblicos e comprovam que a nossa carne bovina um alimento seguro?
- Que o Brasil o nico grande exportador de carne que no utiliza hormnios na produo de carne?
- Que a maior parte da produo se concentra em reas que no representam ameaa a Amaznia e que somos o pas com um dos maiores remanescentes florestais do mundo?
isso! Esperando que possa ser til, aproveito para desejar feliz Natal e timo 2017 para as Tias Oflias, para os Jniores, para os Cunhas e para a Clarinhas espalhadas pelo Brasil, mas, principalmente, para todos aqueles que com seu incansvel trabalho ajudam a alimentar o Brasil e o Mundo!