Scot Consultoria
scotconsultoria-br.noticiascatarinenses.com

Carta Insumos - Fake news nutricionais 3z2z3s

por Sergio Raposo de Medeiros
29/10/2018 - 16:40

O mundo digitalizado, na velocidade da luz, uma conquista formidvel da humanidade, com um impacto positivo enorme para a vida das pessoas. Todavia, como h sempre dois lados, alguns desafios tm surgido junto com os benefcios. Um realmente complicado a quantidade de informaes com as quais somos bombardeados, o que tem gerado alguma confuso por falta de tempo para o seu devido processamento. Precisamos aprender a ser mais seletivos para que boas informaes sejam privilegiadas e, com tempo, possam ser bem compreendidas. Isso tem sido cada vez mais difcil. 2e6n3p

Pior ainda que, tambm na velocidade da luz, pipocam as “fake news”. Ainda que algumas possam ser consideradas “perfumaria” e sejam aparentemente inofensivas, muito difcil imaginar algo que atenta contra a verdade e no tenha consequncia negativa nenhuma. Portanto, uma poltica de tolerncia zero contra a mentira, no s um imperativo moral, mas o nico caminho para haver um futuro que valha a pena ser vivido.

A nutrio animal, como no podia deixar de ser, tem suas “fake news” tambm. No texto deste ms, faremos breves comentrios sobre algumas delas que so recorrentes e trazem prejuzo para as pessoas que acabam sendo iludidas com elas.

(1) melhor usar o sal para gado na nossa comida do que o sal branco do supermercado

possvel que muita gente estranhe ter esse “fake” na lista e, ainda por cima, em primeiro lugar. O motivo porque ela um exemplo de fake que deriva de outros fakes. Foi divulgado na rede (internet, whatsapp, etc.) que seria uma boa trocar o sal comum que usamos no dia-a-dia em casa pelo sal do gado. Comecei a receber e-mails de muita gente perguntando se isso seria bom. Caso algum tenha alguma dvida, segue a resposta de um nutricionista animal sobre essa questo de nutrio humana: O sal para gado deve ser usado apenas pelos animais. Tanto o sal comum (um dos ingredientes do sal mineralizado vendido pelas empresas), como o prprio sal mineralizado.

O gado precisa do sal mineralizado, pois consome apenas forragens que, frequentemente, tm teores de vrios minerais abaixo das exigncias para atingirem o potencial produtivo deles. Ns, humanos, se tivermos uma dieta diversificada (cereais, legumes, frutas, verduras e carnes de vrias espcies animais), como deve ser, temos grandes chances de no precisar de qualquer suplementao, seja mineral, seja vitamnica.

As principais diferenas entre o sal para humanos e para gado so:

- O sal que compramos no mercado basicamente s o cloreto de sdio (fornecendo Cloro e Sdio), enquanto o sal mineralizado que fornecemos aos bovinos uma mistura de mais de uma dezena de sais e xidos para fornecer vrios elementos minerais: clcio, fsforo, enxofre, magnsio, mangans, cobre, zinco, iodo, cobalto e selnio. exatamente por ter esses minerais a mais que surgiu esse mito que seria melhor consumi-lo;

- Os processos para fabricar ingredientes e suplementos para animais tm exigncia muito diferentes quanto manipulao e higiene. Obviamente, so bem mais restritivas no caso do sal para consumo humano, o que j seria razo suficiente para usar apenas o feito para nosso consumo;

- No caso do sal branco para gado, h ainda mais um problema: Apenas o sal branco destinado para consumo humano enriquecido com Iodo. Isso feito obrigatoriamente por fora de lei, visando reduzir a incidncia de bcio ou papeira, distrbio decorrente da falta de Iodo na dieta que ocorre, particularmente, na populao no litornea. Os habitantes do litoral, em geral, no tm deficincia por conta do maior consumo de frutos do mar, mais ricos em Iodo. Assim, usar sal comum comprado na agropecuria, traz dois prejuzos: (a) consome-se um produto feito com padres de higiene inferiores aos do produto destinado ao consumo humano e (b) corre-se um alto risco de ficar deficiente em Iodo.

Ao deixar de usar o sal mineralizado do gado e voltar ao sal para humanos, uma outra grande vantagem que o sabor da comida vai melhorar muito!

(2)Proteinado tudo igual e uso o mesmo nas guas e na seca

Apesar dos ingredientes serem basicamente os mesmos, h grandes diferenas na formulao dos suplementos indicados para cada estao. As propores dos ingredientes variam muito. No teria como ser de outra forma, uma vez que a pastagem que eles complementam nutricionalmente totalmente diferente uma da outra.

Um ingrediente que muda completamente nas formulaes entre essas duas estaes a ureia: Na seca, ela aparece em grandes quantidades, sendo a maior fonte de protena da quase totalidade das formulaes. Nas guas, ela nem aparece ou ocorre em quantidades muito pequenas.

Alis, um risco de continuar usando o proteinado das secas aps a volta das chuvas, exatamente essa combinao resultar em poas dgua no cocho em que a ureia solubiliza. Esse refrescante “suco de ureia” pode ser consumido rapidamente por algum animal e coloc-lo em risco de ultraar o limite crtico de consumo de ureia (> 40-50 g/100 kg PV). Uma vez gravemente intoxicado, dificilmente possvel salvar o animal, que morre no muito depois dos primeiros sinais de intoxicao.

Assim, no bastasse ficar com suplementos inadequados poca, com prejuzo ao desempenho, deve-se considerar essa questo de aumento de risco de perda de animais.

(3)Usar ureia para animais em reproduo prejuzo na certa

Ureia no atrapalha reproduo quando o fornecimento feito dentro das recomendaes nutricionais, isto , suplementos bem formulados, consumidos dentro do esperado, com adaptao ureia realizada e com o cocho com medidas para evitar a formao de poa, como drenos e assentado com algum declive em direo aos drenos.

H, inclusive, trabalho mostrando animais experimentalmente intoxicados com ureia, que receberam valores elevadssimos desse ingrediente, ficando beira da morte, mas que, depois de recuperados, tiveram desempenho reprodutivo normal.

O que causa risco ao desempenho da reproduo o excesso de protena, especialmente de protena degradvel. O desbalano quando se tem pouca energia e muita protena degradvel, agrava a situao. Desde que evitado esse desbalano e no ando dos limites de uso, a ureia pode ser uma grande aliada de altos desempenho reprodutivos com o benefcio de ser a fonte mais barata de protena que existe.

(4)Para ter ndices de fertilidade elevados, s suplementando com rao

Os ndices reprodutivos de fazendas tm uma estreita correlao com o estado corporal das vacas. Fazendas que parem vacas em boa condio corporal tm bons ndices. Uma vez que elas estejam bem na pario, basta manter condio corporal at o prximo parto.

Boa disponibilidade de forragem e sal mineral so suficientes para ganho de peso na poca das guas. A medida que avana a seca, preciso alternativas para evitar a perda de peso que ocorre neste perodo.

Usar o sal com ureia costuma ser suficiente para manter o peso em pastos com boa massa de forragem, em geral vedados na poca das guas para acumular forragem para a seca. Assim, o sal com ureia uma boa opo para quem tem vacas em boa condio corporal na entrada da seca e pastos vedados, pois ele s precisa manter o peso dos animais.

Em todo caso, perfeitamente possvel ter elevados ndices de fertilidade (80%, por exemplo), apenas com uso de pasto e sal mineral nas guas e sal com ureia na seca, bastando, apenas um bom manejo de pastagem.

(5)Ureia pecuria e agrcola so a mesma coisa

H pessoas que juram de p junto que a ureia pecuria e agrcola so exatamente a mesma coisa, inclusive com relatos que elas sairiam da mesma “bica” na fbrica. Isso, todavia, no procede, pois so feitas de forma diferente e com caractersticas prprias. Abaixo, algumas das diferenas conforme informado pelo fabricante:

- A ureia pecuria no possui os aditivos que as tornam fisicamente adequadas para fins de uso como ureia fertilizante que so o Formol e o Polivinilacetato (PVA).

- No existe na especificao da ureia pecuria, o controle do teor de biureto, o que as torna inadequadas principalmente adubao foliar.

- Na ureia fertilizante a granulometria de grande importncia, enquanto que, no caso da ureia pecuria, o grau de pureza a maior preocupao.

Por fim, a diferena entre elas est baseada em legislao do Ministrio da Agricultura. Uma das exigncias legais que elas devem ser mantidas em armazns diferentes, para preservar a pureza da ureia pecuria. A outra, mais importante na prtica, a proibio de uso da ureia agrcola para alimentao animal.

Alm de um processo de produo mais exigente, a ureia pecuria tem maior incidncia de impostos, portanto sendo bem mais cara. Assim, por no haver diferena de desempenho dos animais consumindo uma ou outra, h grande tentao em se usar a agrcola no lugar da pecuria.

O problema que o uso de ingredientes proibidos considerado um grave crime e, quando chega as manchetes do jornal ou quando so explorados pelos nossos concorrentes que vem nos visitar em busca de falhas, essa ocorrncia causa grandes prejuzos para a imagem do setor.

Como qualquer outra “bandeira de alerta” que recaia sobre a cadeia da carne em que reforce que o produtor fere a lei para aumentar seu lucro, o resultado perda de confiana no produto, sendo mais um estmulo para termos um novo vegetariano na populao.

Assim, o produtor deve abrir mo desse ganho de curto prazo para evitar problemas legais e, principalmente, para evitar notcia negativa sobre seu negcio. Isso j deve ser suficiente para escapar dessa tentao, mas ele deve considerar tambm que, apesar da diferena ser grande entre os preos das ureias, como so usadas em pequenas quantidades em relao aos demais insumos, o que parece uma grande economia quando se faz a compra, acaba tendo um impacto bem pequeno quando se olha a planilha de custo como um todo.

(6)Incluir gordura na dieta ajuda a acabar o animal

Gordura no ajuda a apressar a terminao. A relao que existe, na verdade, com a taxa de ganho de peso. Quanto maior o ganho, mais gordura o animal deposita e mais rpida a terminao.

por isso que animais em pastagem precisam ser mais pesados para terminar e, um lote semelhante em confinamento, fica pronto para abate bem mais leves.

Assim, a dieta com gordura s ajudar na terminao se promover um ganho de peso superior do que a dieta alternativa sem ela, que teria o mesmo teor de energia, mas isso no de se esperar. O oposto, todavia, pode ocorrer, pois podemos ter uma dieta que resulte num ganho menor por ter excesso de gordura, que atrapalha a fermentao ruminal e/ou reduz a ingesto de alimentos. Assim, opostamente a nossa intuio, dar muita gordura ao animal pode faz-lo demorar mais a depositar tecido adiposo e estar pronto para o abate.

(7)Sempre vale a pena usar aditivo

H consultores que afirmam que, se voc faz uma dieta de confinamento sem aditivo, j errou! Apesar dessa afirmao parecer validar a afirmao acima, preciso fazer uma ressalva: Usar apenas aditivos que tenham benefcio:custo positivo.

O pecuarista bombardeado por uma grande quantidade de opes de aditivos disponveis para serem usados. Algumas dicas para escapar das ciladas que abundam no mercado: (a) Desconfiar de aditivos que prometem ganhos muito expressivos (acima de 20%); (b) Se, alm disso, forem muito baratos, pode-se colocar mais uma “bandeira vermelha”; (c) Entender o fundamento do aditivo tambm ajuda a escapar de armadilhas, quando ficar patente ele ser ilgico ou quando a explicao for muito exotrica. Se o aditivo prometer alteraes no DNA ou para entender seu fundamento seja usada fsica quntica, como j vrias vezes me explicaram, aumente a desconfiana e, por fim, (d) o velho e bom caminho para escapar de “fakes”: procurar informaes em fontes confiveis.

Para poder fazer a anlise de benefcio:custo ser obrigatrio ter uma ideia do benefcio esperado, alm obviamente de seu custo. Tendo s o custo, possvel analisar qual o ponto de equilbrio, ou seja, qual o ganho/dia a mais que ele tem que dar para que o ganho a mais em funo do seu uso pague o quanto ele custa/dia.

comum esperarmos uma relao benefcio:custo de 2:1, ou seja, para cada Real investido, que retornem dois. Assim, se o ponto de equilbrio for 50% de um ganho esperado a mais, isso um bom indicativo.

Obviamente, que antes dessa anlise, ele j deve ter ado pelos critrios do pargrafo anterior: no havia promessas de ganhos mirabolantes, no algo quase gratuito, ele tem bom fundamento e h trabalhos cientficos suficientes com resultados positivos.

(8)Vale pena ajudar o bezerro a ter bactrias ruminais

H produtos oferecidos no mercado que prometem acelerar a colonizao ruminal. Eles seriam a fonte de inculo para fazer o rmen se tornar funcional mais cedo. s vezes, alm disso, alegam ser um inculo diferenciado, ou seja, que tem bactrias melhores do que as que o animal teria sem essa ajuda.

No quesito de adiantar a colonizao ruminal, no existe nenhuma evidncia que haja vantagem, pois, a inoculao natural j muito eficiente. O contato com a me j suficiente para que ocorra a transferncia das primeiras populaes. O contato com outros animais e o ambiente em geral, complementam o servio, rapidamente e de graa!

Quanto a poder haver superbactrias no produto, apesar de improvvel, mesmo que elas existam, a questo que uma coisa voc colocar uma superbactria no rmen, outra bem mais complicada que elas se mantenham como uma populao relevante.

O ambiente ruminal extremamente competitivo e, como superbactrias tem que fazer algo super (por exemplo, produzir mais enzimas que quebrem a fibra), elas perdem na competio com as normais, que no tem esse peso extra.

Enfim, o bezerro, dessa ajuda, no precisa.

(9)Dieta com caroo de algodo em confinamento resulta em carne de sabor ruim

Frequentemente relatado problema de sabor na carne de animais que receberam caroo de algodo em sua terminao e, portanto, essa no uma “fake news” sem qualquer fundamento. H, inclusive, vrias hipteses para explicar essa ocorrncia: (a) incluso exagerada, acima dos limites recomendados, prximos a 15% da matria seca (MS) da dieta; (b) uso deste ingrediente em mal estado de conservao e (c) acmulo de algum componente aromtico na gordura (ex.: Gossipol);

Com relao quantidade, valores to elevados como 20% da MS como caroo de algodo no resultaram em carne com sabor alterado. Isso pode ser explicado porque, por exemplo, os teores da substncia que causa o problema sejam to variveis que por vezes nem causem o problema. Esse, inclusive, o caso de um dos suspeitos, o gossipol. Alm disso, provavelmente, o tempo de exposio ao caroo seja to importante quanto a quantidade, pois deve-se tratar de um composto que se acumula gradativamente na carne.

No caso do uso de ingredientes em mal estado de conservao, h inclusive casos de carne com sabor ruim que eram atribudos ao caroo, mas que, na verdade, eram de animais que nunca haviam consumido esse produto, mas que consumiram gro de soja. Como ambos so ricos em gordura insaturada, eles so mais fceis de rancificar, bem como a carne produzida com eles, que tambm pode ficar mais insaturada.

Portanto, a incorreo da notcia seriam duas: (I) nem sempre o caroo de algodo causa gosto ruim na carne e (II) nem todos os casos de sabor da carne so decorrentes do uso de caroo de algodo.

(10) Ganhar dinheiro com pecuria fcil

Esse no engana quem vive da atividade, mas algo bastante arraigado na populao urbana, que pensa o mesmo sobre a agricultura. Esse um erro que comeou na carta de Pero Vaz de Caminha para o rei de Portugal por poca do descobrimento (“Nesta terra, em se plantando, tudo d.”). O nico antdoto tentar informar mais o mundo urbano, o que uma boa meta para associaes de classe do setor agropecurio. O lema poderia ser: “o agro tech, pop, mas se fosse fcil e desse muito dinheiro, como vocs pensam, as cidades estariam vazias!”.

Fugindo das “fakes”, concentrando em fazer bem feito, espero que, se no ganhemos fcil aqui no campo, pelo menos ganhemos bem. Da a vantagem o ar puro, a imensido do horizonte e o profundo azul do cu...