No dia 15 de dezembro, em Katowice, no sul da Polnia, os pases da Conveno do Clima, reunidos na 24 Conferncia das Partes (COP 24) sobre mudana do clima, aprovaram as normas que permitem que o Acordo de Paris tome forma e suas metas possam ser atingidas. 372b51
Foi durante o desenrolar dos trabalhos desta reunio que o atual governo do Brasil informou que no estaria mais disposto a receber a conferncia do prximo ano, a COP25, atendendo a um pedido do novo governo que se inaugura em janeiro de 2019. Alm de alegar conteno de despesas, a recusa seria tambm para evitar constrangimentos quanto a alguma futura tomada de deciso do governo por poca da COP25, caso ela fosse mantida com sede no Brasil. Evidente que essa deciso seria a sada do Acordo de Paris.
Se sair, vai se juntar a Sria, que no entrou pela cruel guerra civil em que ainda se encontra, com a Nicargua, que no quis participar por achar ele no suficientemente ambicioso, e aos EUA, que declararam sua sada em 2017. Todavia os EUA, ainda participaram da COP24 pois, de acordo com o protocolo, a sada s pode ser efetivada em 4 de novembro de 2020.
Abaixo algumas perguntas e respostas sobre esse acordo para ajudar os leitores a se informarem sobre ele e quais so as consequncias do Brasil ficar ou sair.
1)O que o Acordo de Paris?
um acordo que visa reduzir as emisses de gases de efeito estufa (GEE). O compromisso dos signatrios para manter o aumento da temperatura mdia global em at 2C acima dos nveis pr-industriais, tentando fazer com que o aumento da temperatura seja “apenas” de 1,5C. Ele foi aprovado por 195 pases no ano de 2015, durante a COP 21 realizada em Paris.
2)Quem determina as metas de cada pas?
O prprio pas. So, por isso, chamadas “Contribuies Nacionalmente Determinadas” (em ingls: Nationally Determined Contributions, NDC). No caso do Brasil, elas foram avaliadas pelo Congresso como “iNDC”, onde o i representa “Intencionadas” e, depois de sancionadas no final de 2016, aram a ser apenas NDC.
3)Quais as sanes no caso de no atingimento da meta das NDC?
Nenhuma.
4)Quais as metas que o Brasil se comprometeu?
Reduo de 37% nas emisses at 2025, tendo como ponto de partida as emisses de 2005 e possvel reduo de 43% das emisses at 2030.
5)Com que aes o Brasil pretende atingir a meta?
a.Aumentar a participao da bioenergia sustentvel na matriz energtica para 18%;
b.Fortalecer o cumprimento do Cdigo Florestal;
c.Restaurar 12 milhes de hectares de florestas;
d.Alcanar desmatamento ilegal zero na Amaznia brasileira;
e.Chegar a participao de 45% de energias renovveis na matriz energtica;
f.Obter 10% de ganhos de eficincia no setor eltrico;
g.Promover o uso de tecnologias limpas no setor industrial;
h.Estimular medidas de eficincia e infraestrutura no transporte pblico e reas urbanas.
6)Se o prprio pas escolhe suas metas e no h qualquer sano pelo no cumprimento das metas, qual a vantagem de o Brasil sair do acordo?
Nenhuma.
7)H desvantagens?
A maior dela que deixamos de capitalizar a nossa condio de superpotncia ambiental com agropecuria sustentvel, em que conseguimos combinar produo com o binmio conservao e preservao ambiental. Isso no significa que no tenhamos pontos fracos, que meream muita ateno, mas que alguns deles so, ao mesmo tempo, problema e oportunidade, como o caso das nossas pastagens degradadas serem como caixas vazias prontas para estocarem carbono.
Sermos uma potncia agroambiental no um discurso vazio e o Brasil tem se sado muito bem nesses fruns. Na prpria COP 24, foi anunciado que com uma mitigao entre 100 e 154 milhes de toneladas de CO2 equivalente, no perodo de 2010 a 2018, foi alcanado de 68% a 105% da meta de mitigao estabelecida para 2020, na COP15 ocorrida em Copenhague em 2009.
Essas metas foram atingidas por um maior controle do desmatamento ilegal, bem como pela ampliao do uso de prticas sustentveis pelo produtor. Dentre estas prticas, destacam-se a integrao-lavoura-pecuria-floresta (em todas suas combinaes), o plantio direto e o reflorestamento. Para tal, houve tanto investimento com recursos prprios dos produtores, como financiamento pblico, sobressaindo-se aqui o Plano ABC, o plano nacional da agricultura de baixo carbono (querendo dizer baixa emisso de carbono!).
Outra desvantagem que est previsto no Acordo de Paris que os pases desenvolvidos devero investir 100 bilhes de dlares por ano em medidas de combate mudana do clima e adaptao, em pases em desenvolvimento e, portanto, em tese, o Brasil poderia ter o parte desses recursos.
Alm disso, ficou para a COP25, no ano que vem (agora) no Chile, a questo da comercializao de crditos de carbono, mecanismo pelo qual aes de reduo de emisses podero ser compensadas. Seria uma grande perda o Brasil no participar desses debates, deixando de influir no resultado em favor dos pases em desenvolvimento, por ser um deles, mas no patamar de uma das grandes economias mundiais e a potncia agroambiental. Especialmente, pelo tanto que isso poderia ajudar em colocar na agenda a considerao do carbono no solo, tema polmico e mal resolvido.
8)Mas a mudana climtica antropognica no apenas uma conspirao dos globalistas para manter a dominao mundial?
A mudana climtica um fenmeno fsico cujas avaliaes de uma srie de variveis (temperatura terrestre, nvel dos oceanos, derretimento das geleiras, concentrao de gases na atmosfera e muitos outras) permitem que entre 90-100% dos climatologistas concordem que ela deve ser considerado real, que seus efeitos j estariam ocorrendo e que ele fruto de ao humana, portanto, antropognica. Alguns desses dados cobrem desde a pr-histria[1]at os dias de hoje, como a concentrao atmosfrica de gs carbnico (CO2), outros, como a temperatura terrestre, pelo menos desde a metade do sculo XIX.
9)Mas recebi um vdeo no celular em que um professor de uma renomada universidade mostrou por “A + B” que est TUDO errado e que mesmo uma conspirao?
Ter reconhecimento pblico pelo trabalho de pesquisa para poucos e, no raro, mesmo trabalhos de grande impacto nunca traro a notoriedade merecida. Sei disso, pois tenho o privilgio de trabalhar ao lado de alguns desses discretos heris e heronas. H, contudo para
um acadmico que busca apenas notoriedade vazia, um atalho: pegue um tema bastante polmico, crie uma narrativa que, recoberta de uma fina camada de “cincia”, ignore a Cincia, e, por isso mesmo, agrade muito a um determinado pblico. Por garantia, adiciona-se doses cavalares de ideologia e “teorias da conspirao”. As mudanas climticas so um prato cheio para esse tipo de atalho e tem sido uma frmula de “sucesso” para a fama repentina e as vantagens que ela proporciona para alguns. Em comum esses pessoas tm uma produo cientfica nada impressionante (ou que impressionam negativamente), com pouco ou nada que possa dar substncia s suas pregaes. Assim, do alto da boa reputao da instituio onde atuam, discursam ao arrepio das evidncias cientficas, usando dados parciais, no corrigidos e denunciando ajustes legtimos como manipulao. So, ento, eleitos como heris por aqueles para os quais a narrativa um encantador canto de sereia e, assim como no caso desses seres mticos, levam seus iradores ao naufrgio, afogados em desinformao. Importante deixar aqui bem claro que no se trata de averso aos pontos de vista discordantes, mas para a falta de contedo. A cincia feita mesmo do conflito e, para cada dado gerado, muitos questionaro sua validade, sendo genuno e bom para a cincia tanto quando o dado correto a pelo teste, como quando o dado furado cai nas teias do escrutnio cientfico.
10)Como vou saber se voc no um pesquisador a servio dos globalistas (talvez um Ursalino!) querendo fazer com que o Brasil seja prejudicado ao permanecer no “Acordo de Paris” e denegrindo pesquisadores que ousam enfrent-los?
A primeira evidncia que usaria em minha defesa que ao escrever textos sobre esse tpico sei que desagrado muito o pblico ao qual eles se destinam. Mesmo que jamais fizesse o oposto, ou seja, virar um negacionista para ter mais simpatia, poderia evitar o tema. Entretanto, no evito por ter convico que, no longo prazo, apenas ao seguir a luz da cincia vou ser um divulgador sustentvel. Um ponto fundamental: no sou climatologista e, portanto, no tenho conhecimento profundo sobre o assunto, mas o envolvimento com muitos outros pesquisadores, incluindo climatologistas, ajuda a ter a suficiente compreenso do todo para perceber os “furos” do negacionistas. Sou testemunha viva, tambm, que instituies de renome so ativas no tema. Trabalho com assuntos ligados a ele na Embrapa pelo menos desde 2005, participei do tradicional “Simpsio de Manejo de Pastagens” da ESALQ/USP no ano ado cuja programao foi toda voltada para ele e, no meu ps-doutorado nos EUA, entre 2015-2016, acompanhei vrios trabalhos tambm nessa problemtica na Universidade da Califrnia-Davis. A ESALQ e a UC Davis, so ranqueadas entre as melhores universidades de agrrias do mundo, exatamente porque entregaram, e continuam entregando, bons resultados, algo que a Embrapa tem em comum com elas. Elas s conseguiram isso pois, exatamente, nelas sempre prevaleceu a cincia sobre qualquer ideologia.
Consideraes Finais
Ainda teremos muita discusso sobre essa questo e o intuito do texto foi ar as melhores informaes que pude coletar sobre o “Acordo de Paris”, mas possvel que sejam identificadas vantagens em sair dele e, desde que a discusso seja baseada em fatos, elas devem ser seriamente consideradas e tero toda minha sincera ateno. Como muita gente, contudo, ainda acha que as mudanas do clima so questo de crena e no de evidncias, o que suficiente para se desinteressar de qualquer acordo sobre elas, sugiro a essas pessoas, e quem mais se interessar, que assistam com ateno os trs vdeos produzidos pela agncia de divulgao da USP, Cincia USP, disponvel na seguinte conexo eletrnica.
Nos pouco mais de 15 minutos de durao total, o Prof. Pedro Leite da Silva Dias, do Instituto de Astronomia, Geofsica e Cincias Atmosfricas (IAG-USP), que tem vasta produo cientfica na sua rea, explica com clareza sobre um assunto to complexo. Esses valem pena mandar no seu grupo de Whatsapp!
http://ciencia.usp.br/index.php/2017/06/07/o-papel-do-homem-no-aquecimento-global/
[1] Esses so fruto, entre outras especialidades, da paleoclimatologia que, por exemplo, faz perfuraes nas geleiras dos polos e analisa a concentrao dos GEE em diferentes profundidades, sendo quanto mais profundas, mais antigas.