O ingrediente carro-chefe como fonte de energia das dietas e suplementos de bovinos de corte o milho. Isso, tanto pela sua disponibilidade, como por ser uma fonte altamente concentrada de energia. Alis, foi mesmo por ser um campeo em produzir energia por rea que ele se tornou to largamente cultivado. 712a1a
Cerca de metade dos gros de milho produzidos no mundo vo para a produo animal, particularmente monogstricos. Os ruminantes dependem menos dessa fonte de energia, pois graas parceria com os microrganismos do rmen, conseguem usar alimentos fibrosos. A produo de carne no Brasil, por exemplo, feita 98% com base em pastagens. Todavia, no caso de gado de corte altamente vantajoso, tanto do ponto de vista econmico, como ambiental, o uso de alimentos concentrados, medida que eles permitem a terminao mais rpida e encurtar o ciclo de produo.
Uma excelente opo quando usamos resduos e subprodutos como ingredientes de concentrados. Primeiro, porque resduos e subprodutos so reaproveitamentos de algum processo na produo de alimentos e, portanto, dividem sua pegada ecolgica com os produtos principais. Segundo, porque eles podem substituir nas raes alimentos veis de serem consumidos por humanos, como o milho e a soja, por exemplo.
Uma distino acadmica entre resduos e subprodutos seria que apenas estes ltimos teriam valor econmico. Os resduos seriam, por exemplo, como o descarte de uma pr-limpeza de algum produto vindo do campo e, por ser extremamente varivel e de baixo valor nutricional, mais difcil de ser comercializado. Em geral, os resduos destinados nutrio animal so utilizados no prprio local de produo. H, ainda, quem prefira o uso do termo co-produto, em vez de subproduto, como forma de valoriz-los e, de fato, eles podem ser importantes fontes de renda para a agroindstria, ainda mais considerando que, se no houvesse essa alternativa de uso em alimentao animal, haveria ainda algum custo de descarte.
A polpa ctrica peletizada (P) um subproduto da produo de suco de laranja de grande destaque na nutrio de ruminantes. Em um levantamento feito em 2014, mais de 37% de consultores em nutrio
animal usam a P no confinamento, sendo o co-produto principal para 21% deles, com incluso mdia de 40% da matria seca da dieta.
Ela constituda exatamente por tudo o que no vira suco: casca, bagao e sementes. Para se tornar polpa ctrica, o bagao de laranja, que originalmente possui aproximadamente 87% de gua, seco at 10% de umidade e peletizado. Cada 100kg de laranja produzem 3,4kg de P. Como a safra da laranja vai de maio a janeiro, abrange bem o perodo da seca no Brasil pecurio central (de maio a outubro), sendo esse tambm um fator favorvel a seu emprego como ingrediente na nutrio de gado de corte.
Um exemplo de composio nutricional da P, em comparao com o milho gro, pode ser vista na tabela 1.
Tabela 1.
Comparativo milho versus polpa ctrica
Milho, gro | Polpa Ctrica | |
---|---|---|
Matria Seca (MS) | 90,00 | 92,62 |
Protena (PB) | 9,44 | 7,77 |
Gordura (EE) |
6,82 | 2,37 |
Matria Mineral (Cinzas) | 1,62 | 7,44 |
Fibra (FDN) | 9,55 | 23,43 |
Fibra em detergente cido (FDA) | 4,68 | 22,15 |
Carboidratos No Fibrosos | 72,57 | 58,99 |
Energia (NDT) | 88,29 | 76,62 |
PB = protena bruta, EE = extrato etreo, FDN = fibra em detergente neutro, NDT = nutrientes digestveis totais
Fonte: Pereira et al, 2007
A grande diferena entre a P e o milho est na poro fibrosa, com FDN e FDA muito mais elevados, o que faz com que os carboidratos no fibrosos sejam significativamente menores para ela.
Na forma seca ou peletizada, ela tem sido usada em vrias circunstncias com excelentes resultados:
- ingrediente da dieta de confinamento
- ingrediente de suplementos
- componente de silagens de capim
No caso das silagens de capim com uso de polpa ctrica, ela tem duas grandes utilidades: aumentar o teor de matria seca da massa ensilada e reduzir as perdas de efluentes. Ao aumentar a matria seca, h menor necessidade da queda do pH para manter a silagem conservada. Alm disso, a polpa melhora o valor nutritivo da silagem. O nvel de incluso costuma ficar entre 5% a 15% da matria in natura.
Como ingrediente de suplementos, a polpa ctrica tambm pode ser usada e com a vantagem de sua composio rica em pectina ser mais interessante do que o amido. A fermentao da P desafia menos o rmen e se alinha mais com a degradao da fibra, pois causa menor produo de lactato, o cido orgnico mais forte de todos.
Em trabalho feito pela Universidade de Viosaessa vantagem da P foi bem evidente. Ao comparar suplementos com base em fontes de amido (milho e milheto gro) contra fontes fibrosas (P ou farelo de trigo), essas ltimas resultaram em ganho de peso 17% superior, sendo o maior valor numrico para a P (860g/cab.dia contra cerca de 700g/cab.dia de todos os demais tratamentos). Vrios outros trabalhos mostram o desempenho semelhante entre fontes amilceas e ricas em pectina, sendo ainda vantajosas essas ltimas, visto que elas como costumam baratear a suplementao.
Um trabalho recentemente realizado na ESALQ/USPusou suplementos base de P como forma de reduzir os efeitos negativos de alta presso de pastejo no desempenho. Os resultados obtidos para desempenho podem ser vistos na figura 1 e mostram que foi uma estratgia eficiente em melhorar o desempenho, quando praticamente o dobrou em relao ao sem suplementao para o manejo do pasto a 10cm e resultou em 74% maior ganho de peso dirio para o tratamento com 15cm. A incluso de suplemento, todavia, foi bem elevada, de 6g/kg de peso vivo, ou seja, considerando o peso mdio do experimento prximo aos 350kg, seriam mais de 2kg de suplemento por cabea por dia.
Figura1.
Efeito da suplementao com base em PC (6g/kg PV) para bovinos em pastagens com duas alturas de sada do pasto (10cm e 15cm) de Braquiaro. Controle: sem suplemento.
Fonte: ESALQ/USP
O uso da polpa ctrica em dietas de confinamento o principal uso e h vrios trabalhos mostrando como a incluso deste subproduto em substituio ao milho permite a obteno de resultados equivalentes, mesmo a P tendo um valor de energia menor do que o milho. Isso significa que o todo maior que a soma das partes, ou seja, a energia contida no ganho de peso maior do que a energia da dieta baseada nos valores de cada ingrediente. Ocorre um efeito associativo entre os ingredientes da dieta e o animal que faz com que ela seja mais bem aproveitada, o que, semelhana do que foi comentado sobre o uso em suplementos em pastagem, atribudo ao modo da fermentao da polpa ctrica que, apesar de ocorrer em taxas ainda mais rpidas do que o amido, desafia menos o pH ruminal.
Outra vantagem a reduo do teor de amido da dieta. Os ruminantes tm dificuldade em digerir altas concentraes de amido no intestino delgado e, assim, essa reduo ajuda com que ocorra uma menor perda de amido nas fezes. De fato, dados mostram que o pH fecal de dietas com P substituindo parcialmente o milho so mais elevados, indicando menor quantidade de amido sendo fermentado nas fezes.
Em trabalho4, feito no Instituto de Zootecnia, em Sertozinho, grupos de tourinhos Santa Gertrudes receberam dietas com quantidade crescentes de polpa ctrica no lugar do milho sendo: Controle (0% de substituio) e mais trs nveis: 25%, 40% e 55%. Na figura 2, esto resumidos os dados de ganho dirio de peso (GDP) e ingesto de matria seca, em porcentagem do peso vivo. O mesmo grupo havia feito um experimento com uma dieta com 80% de P que apresentou problemas de consumo da dieta, e consequentemente, desempenho, o que foi atribudo ao excesso de clcio.
Em trabalho realizado com touros Canchim, na ESALQ/USP, incluses acima de 27% da MS (ao substituir o milho acima de 50%), apresentaram menores consumos. Os autores atriburam a isso ao fato de a dieta ter 30% da MS como volumoso, o que fez com que a vantagem do menor desafio do pH ruminal no tenha feito tanta diferena, bem como o aumento do teor de fibra na dieta possa ter dificultado o consumo da dieta pelos animais. Isso mostra que a incluso de P to mais benfica quanto mais se usa dietas com alto teor de concentrado, o que tem sido uma forte tendncia nos ltimos anos nos confinamentos brasileiros.
Figura 2.
Efeito da substituio do milho gro pela PC (0, 25, 40 e 55% da MS da dieta) em dietas de confinamento para bovinos.
Fonte: Instituto de Zootecnia
Um ponto de observao quando do uso da P, especialmente em dietas muito “quentes” que pode aumentar a ocorrncia de timpanismo espumoso. Assim, se por um lado a pectina ajuda a ter uma fermentao mais favorvel, ela tambm aumenta a viscosidade do fluido ruminal. As bolhas formadas, ento, so mais resistentes e motivo para o aumento da preocupao com esse tipo de problema. Fica o alerta, mas os relatos desse problema so raros e esto mais ligados ao fato de a dieta ter pouca fibra ou a uma adaptao abaixo do ideal.
Recomendaes no uso da P:
Ao se formular dietas com PC, deve-se atentar para os ndices de incluso e no ar muito de 55% da MS da dieta. Deve-se, particularmente, atentar para o seu teor de clcio (Ca), que costuma ser bastante alto, pois calcrio usado como um ajudante no processo de secagem. Deve-se avaliar se o teor de Ca da dieta como um todo e evitar valores maiores do que 1% da MS da dieta. Tambm importante avaliar se a relao Ca:P est, pelo menos, abaixo de 6:1. Pode ser interessante analisar as fraes do nitrognio ligadas fibra, especialmente o nitrognio ligado fibra detergente cido (NIDA), pois valores muito altos podem ocorrer em funo da temperatura de secagem. A protena correspondente quela presa no NIDA deve ser descontada, pois ela considerada indisponvel.
A P bastante higroscpica e, assim, durante sua armazenagem isso pode levar a dois problemas se ela absorver muita umidade: ficar mais suscetvel deteriorao microbiana e, at, por conta do calor de fermentao, pegar fogo. Um problema associado haver a produo de toxinas por fungo, as micotoxinas, que podem acarretar desde perdas pouco perceptveis no desempenho at a morte dos animais. Se no houver um local seco e arejado, pode ser vantagem receber as cargas o mais prximo possvel do uso, fazendo um contrato de compra com entregas parceladas, por exemplo.
A P um alimento bastante interessante e tem vrias caractersticas que a fazem bem alinhada com exigncias para a produo sustentvel de carne: (i) Como subproduto, ela divide a pegada ecolgica com o produto principal, (ii) por frequentemente reduzir custos, aumenta viabilidade econmica, alm de (iii) reduzir a competio com alimento vel de consumo por humanos. Como ela ocorre onde temos produo de laranja, o uso mais frequente para quem est perto de uma fbrica de suco. Feliz de quem pode ter mais esse ingrediente como opo nutricional.
Oliveira e Millen, 2014
Nascimento et al. (2009), R. Bras. Zootec., v.38, n.6, p.1121-1132, 2009
Costa el al. (2019), Rev. Bras. Sade Prod. Anim., Salvador, v.20, 01, http://dx.doi.org/10.1590/S1519-9940200362019
4 Henrique et al. (2004), R. Bras. Zootec., v.33, n.2, p.463-470, 2004