No ltimo dia 3 de junho, foi lanado o livro “China-Brasil partnership on agriculture and food security”, no qual chineses e brasileiros dividem igualitariamente seus 12 captulos para colocar luz na situao atual da parceria entre os pases na agropecuria e segurana alimentar, bem como apresentar oportunidades e sugerir caminhos para o aprofundamento da parceria que tragam benefcios para todos os envolvidos. 4t1dz
Essa publicao fruto do trabalho do segundo ocupante da “Ctedra Luiz de Queiroz”, Marcos Jank pelo perodo de um ano entre 2019-2020. Ele foi precedido pelo ex-Ministro Roberto Rodrigues, que inaugurou o posto, tambm legando uma fundamental publicao para entender o agronegcio brasileiro cujo ttulo se inicia com um verdadeiro mantra criado por ele: “Agro Paz: anlises e propostas para o Brasil alimentar o mundo”. Agora, terminado seu mandato, Jank cede a Ctedra a outro notvel brasileiro, a que o agro tanto deve, o tambm ex-Ministro da Agricultura Allyson Paolinelli, ou seja, podemos j esperar outra contribuio de peso para inteligncia do agro daqui um ano. A “Ctedra Luiz de Queiroz” criada em 2017 pela Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” (Esalq), da Universidade de So Paulo (USP), vai cumprindo sua misso altura do nome que ostenta.
O lanamento, de acordo com os tempos pandmicos que amos, ocorreu em uma “live” e, abaixo, so colocados alguns pontos relevantes apresentados. Sugerimos, a quem se interessar, a assistir as mais de duas horas de apresentao no Youtube e, especialmente, que leiam o livro. Ao final deste texto, feita uma provocao especificamente da nossa cadeia da carne bovina e os desafios para atingir o enorme mercado chins e alm.
A parceria Brasil-China une dois pases de extenses continentais e populosos, que, mais ou menos na mesma poca, tiveram gigantescas migraes da zona rural para a zona urbana. Tambm nesta mesma poca, a agricultura desses pases sofreu um forte estmulo de modernizao. Em funo das particularidades de cada pas, contudo, com perfis bem distintos. Por exemplo, no Brasil, vicejaram as atividades intensivas em terra e capital, como gros, carnes, celulose, acar e biocombustveis, enquanto na China foram estimuladas aquelas intensivas em mo de obra, como hortifrutigranjeiros e aquicultura.
A China usa 10% das terras agriculturveis para alimentar 20% da populao mundial e, sem surpresa, o maior importador de alimento do mundo. Faz parte da estratgia da China, desde 2007, “ir para o exterior” (“Going Global”), um esforo de internacionalizao do agronegcio, com participao da iniciativa privada e que procura ter maior controle das cadeias de suprimento.
O aumento de comrcio entre os dois pases nos ltimos 20 anos foi estratosfrico: Em 2000, as importaes para a China representavam apenas 2,7% das exportaes brasileiras, contra 36% no ano ado. Nesse mesmo perodo, o faturamento de carne bovina saltou de US$ 42 milhes para US$ 3,7 bilhes. Hoje, a carne bovina brasileira representa mais de 20% do consumo interno da China. A soja importada do Brasil representa a metade da demanda chinesa. Esses dados mostram como h um pas com capacidade de produzir muito e outro altamente demandante, o ponto mais evidente que se trata de uma parceria bvia e no interesse de ambas as partes.
Como desafios e oportunidades, destaque para (a) questes sanitrias que garantam alimento seguro, como criao de protocolos e harmonizao de legislao, (b) investimentos em infraestrutura e logstica, (c) produo com uso intensivo de tecnologia (agricultura 4.0), (d) os desafios de produo sustentvel em cada pas (escassez hdrica na China e desmatamento no Brasil, por exemplo) e (e) o estabelecimento de parcerias de longo prazo, o aumento de fluxo de comrcio, com eliminao de barreiras tarifrias e no-tarifrias, bem como a diversificao da pauta e agregao de valor. No caso da diversificao da pauta, a exportao de lcteos e produtos de aquicultura brasileiros so boas oportunidades. Na agregao de valor, o momento particularmente oportuno para o setor de carnes pela falta de oferta em funo da tragdia que foi a peste suna africana para a China. Do ponto de vista de aumento de exportao de gros e diversificao de produtos, Jank explica que ainda h uma considervel produo de “fundo de quintal” de sunos, mas que, devido a peste suna devero ser proibidas e haver, portanto, uma migrao para sistemas intensivos, o que deve fazer aumentar a demanda, no s de soja, mas tambm de milho, que ainda exportamos pouco para l.
A China tem uma infraestrutura de logstica gigantesca e, mesmo tendo muito transporte de carga por ferrovia e hidrovia, tem uma malha rodoviria 23 vezes maior que o Brasil e quase cinco vezes mais caminhes (14 milhes vs. 3 milhes).
A logstica um ponto em que o Brasil tem problemas de competitividade, ainda que nos ltimos anos tenha evoludo. H grandes oportunidades para o setor privado, como na criao de portos privados. Os portos de exportao tradicionais brasileiros tm canais pouco profundos, o que limita a operao com navios de mdio porte. Novos empreendimentos, com canais mais profundos se beneficiam da economia de escala, ao poder receber navios maiores. Outro exemplo interessante de oportunidade de reduo de custo a exportao pelo Arco Norte (escoamento pelos estados de Roraima, Amap, Amazonas, Par e Maranho), encurtando o caminho para a China via Canal do Panam, rota pela qual j temos um quarto da exportao de gros brasileiros.
Para aproveitar as oportunidades da parceria Brasil-China, Caixeta salientou a importncia de polticas de Estado de mais longo prazo que garantam previsibilidade, investimento na melhoria da infraestrutura e esforo contnuo para produo a preos competitivos. De 2007 at hoje a China investiu US$ 58 bilhes em infraestrutura no Brasil, sendo a maior parte em energia e pouco no setor agrcola, mas h toda a chance disso mudar e, muito alm de ser uma parceria apenas de produtor/ comprador, h grandes oportunidades de investimentos com ganhos mtuos em diversas reas.
O consultor Andr Pessoa comentou sobre os fatores chave para o sucesso da indstria de gros e carnes no Brasil que ele elencou como: (a) abundncia de recursos naturais (gua, terra, etc.) , (b) disponibilidade de tecnologia, (c) polticas pblicas (estabilidade econmica, iseno de impostos de exportao, linhas de crdito, etc.), (d) o empreendedorismo dos produtores e (e) organizao das cadeias de valor (cooperativas, fazendas empresariais de largaescala, associativismo, etc.).
Ele mostrou uma interessante linha do tempo, dos ltimos 40 anos, destacando a criao do programa de crdito rural e da Embrapa, em 1973, ando pelo Plano Real em 1994, pelo Moderfrota em 2000, para citar alguns, at o Plano ABC em 2010, mostrando como cada um desses pontos foi fundamental para transformar o Brasil em uma potncia agrcola.
Alm desses fatores, algo que ajudou o Brasil foi que as rendas em reas de abertura ficam mais com o arrendatrio do que para o proprietrio, o que favoreceu essa parceria. Ocorre o inverso em reas consolidadas, pois com a valorizao da terra a participao do proprietrio aumenta.
Com relao aos desafios e oportunidades, comentou que h muito a se aproveitar, mas chama a ateno para a importncia da questo de diplomacia para que as alianas e alinhamentos estratgicos fluam de maneira adequada para o aumento das relaes comerciais, tecnolgicas e acadmicas.
Respondendo pergunta sobre a preocupao com a “invaso chinesa” e a ameaa s empresas brasileiras, comentou que, desde que submetidas ao regramento legal do Brasil, bastante exigente e restritivo, prev maiores ganhos do que perdas. Enfim, o prprio exerccio de nossa soberania, pela imposio e aplicao das nossas regras, garantiria o equilbrio necessrio para uma relao com saldo positivo.
Rodrigo listou vrios aspectos do agro brasileiro, como a grande quantidade de empreendimentos rurais de pequena escala, que seriam 77% do total, mas que ocupariam apenas 23% da rea e com problemas de o s tecnologias e de titulao, que podem ser uma grande oportunidade de melhoria com a diversificao e adoo de prticas mais modernas de produo. Comentou tambm sobre a questo do desmatamento, pontuando que, apesar da dificuldade de apurar informaes, tudo indica que quase a totalidade seja ilegal e muito dele em terras pblicas. Em contraposio a isso, citou o Cdigo Florestal e os 120 milhes de hectares em reas privadas, cuja conservao bancada pelo proprietrios, e a agricultura de baixo carbono que tem ajudado a reduzir o ndice de emisso de gases de efeito estufa (GEE), isto , os quilogramas de GEE por quilograma de produto. Fez um paralelo entre os srios problemas eroso que ocorrem na China e a ocorrncia de grandes extenses de pastagem degradada no Brasil, sendo ambos exemplos de oportunidade de aplicao de tcnica sustentveis que, ao mesmo tempo aumentem a produtividade e reduzam a presso por novas reas. O Brasil teria, ento, em suas iniciativas de sucesso, como as integraes lavourapecuria- floresta, algo a oferecer aos chineses que tm, alm do problema com os solos, restries hdricas cada vez mais severas. De maneira semelhante, tambm temos os biocombustveis como um bom exemplo para a China. Junto com demais tecnologias adaptativas (melhoramento gentico, por exemplo), China e Brasil podem se ajudar a se tornarem mais resilientes s mudanas climticas.
Roberto Rodrigues, destacou pontos da fala de cada apresentador (j includos acima), que, segundo ele, mostram como essa parceria natural e espontnea, unindo quem pode ofertar alimento que garanta a segurana alimentar de quem tem uma enorme demanda por alimentos. Frisou, contudo, que ela vai muito alm disso, mas envolve o desenvolvimento de infraestrutura e logstica, de produo com sustentabilidade e toda questo histrica de formao de polticas e estratgias, sobre as quais essa relao foi e continua a ter que ser construda.
Para a pergunta recorrente do risco de nos tornarmos dependentes da China, a resposta um categrico “no”, pois somos muito grandes para isso, mas precisamos que esse relacionamento seja entendido por todos, inclusive, e sobretudo, pelo governo, para se traduzir numa relao diplomtica bem estruturada para que as estratgias garantam relaes fludas em benefcio de seus povos.
Por fim, o tambm ex-Ministro da Agricultura, Allyson Paolinelli comentou que, em 1975, atuando no MAPA foi instado pelo ento presidente Geisel, a participar da reaproximao do Brasil com a China, no reconhecimento, j em 1974, que seria importante aproveitar nossas complementariedades, a despeito de resistncias ideolgicas poca. Ele considera a publicao uma verdadeira cartilha para ajudar a guiar esses grandes pases a intensificarem a colaborao mtua, numa possvel relao ganha-ganha, convidando a todos que estejam envolvidos com o tema em no deixar de l-la.
Fica claro que combater a relao comercial entre Brasil e China, no s contraproducente, como provavelmente intil, dado s foras que nos aproximam serem gigantescas. No caso da nossa cadeia da carne bovina, as perspectivas so extremamente interessantes, mesmo se limitarmos apenas a questo de possibilidade de ampliao do volume exportado. Um dado da publicao que evidencia bem isso o consumo per capita de 4 kg de carne bovina por habitante na China, contra cerca de 25 kg por brasileiros.
A provocao que faria, comea pelo entendimento que esse potencial aumento dever ocorrer concomitantemente com o aumento da renda da populao chinesa. Assim, ao mesmo tempo que temos mais gente podendo comprar mais carne, temos cada vez mais pessoas que possam pagar por qualidade. O ponto central aqui, ento, seria considerar fazer um exerccio de, baseado em nossas vantagens competitivas, estabelecer uma carne “” brasileira para alm das exigncias atuais dos chineses, na tentativa de agregar valor. Nossas vantagens competitivas so uma carne produzida quase a totalidade com base em pastagens, naturalmente “light” e com maior bem estar animal. Devidamente amparados por profissionais do marketing com amplo conhecimento da alma chinesa, essas vantagens poderiam ser exploradas e “empacotarem” o “bife do Brasil” para conquistarem a mente e os paladares daquele povo. Essa experincia, poderia ser replicada para os demais pases asiticos que apresentam tambm amplo potencial para aumento desse mercado, pelos mesmos motivos que a China.
O Drago o smbolo mtico duradouro da milenar sociedade chinesa, significando proteo, sabedoria, fora, poder e riqueza. A bem mais jovem sociedade brasileira tem tambm sua rica mitologia. O que a apresentao do livro deixou claro que, para nos beneficiarmos dessa parceria vai ser importante nos inspirarmos na astcia do Saci Perer, evitando o voluntarismo inconsequente da Mula-Sem-Cabea.