H quase trs anos, escrevi sobre como na produo animal existem vrias situaes em que esperamos um determinado resultado e o que ocorre totalmente contra intuitivo. O nosso mapa-mental indica uma rota aparentemente clara e, quando vemos, ele nos levou para a escurido. Enfim, o resultado prtico contradiz a lgica que estava internalizada. k3i2b
Quando somos capazes de perceber isso, essas situaes so bastante ricas em termos de aprendizado. Essa riqueza vem, alm de entender o porqu da nossa lgica estar furada, de perceber que sempre devemos estar dispostos a rever nossas crenas e nos dobrarmos aos fatos.
Abaixo, em complemento ao anterior, trazemos mais dez situaes que ilustram isso e todas as frases com o mesmo comeo: “No seria lgico que...”.
1)...se tenho o espao recomendado suficiente de cocho, colocar mais um cocho no ir aumentar o consumo?
Obter o consumo-alvo do suplemento essencial para conseguir o resultado almejado. bastante frustrante quando se percebe que o consumo mdio dos animais do lote menor do que o esperado. Se a quantidade e tamanho dos cochos garante o espao linear (cm/cabea) recomendado, era de se esperar que a colocao de um cocho adicional no deveria alterar o consumo. Na prtica, porm, frequentemente o consumo mdio aumenta com a disponibilizao de maior espao de cocho. Provavelmente o que esse fato nos indica que os valores recomendados so “o mnimo dos mnimos” e, sempre que possvel, bom usar valores mais folgados. Por outro lado, a maior parte do efeito pode estar acontecendo por haver um segundo ponto de oferta, em que os animais submissos, enfim, encontram paz para consumirem o suplemento. No final das contas, portanto, importante ter o (i) mnimo de espao linear de cocho (ou mais), (ii) de preferncia ter mais de um cocho e deixa-los bem espaados, ajudando os animais submissos a arem o suplemento, e, por fim, (iii) trabalhar com o lote mais homogneo possvel, o que reduz o problema da submisso.
2)...se coloco palatabilizantes no suplemento ou dieta, o consumo vai aumentar?
Outra tentativa que no costuma ajudar tentar colocar algo muito palatvel na dieta ou suplemento, na expectativa de aumentar o consumo. H uma falsa esperana inicial, pois comum haver um forte aumento de consumo, mas em um curto espao de tempo ele vai desaparecendo. como quando experimentamos um tempero diferente, que quebra a monotonia alimentar: a gente come bastante, encantado pela novidade, mas logo que o sabor deixa de ser novidade, o encanto se vai e deixamos de exagerar. O interessante que isso observado, inclusive, quando o animal muda de pasto e a forragem diferente, at sendo aventada a hiptese de usar isso como vantagem, num manejo rotacionado multi-espcie.
3)...se um lote refuga um determinado suplemento, os que vierem depois vo refugar tambm?
Esse caso mostra que, mais efetivo que palatabilizantes, o exemplo de outros animais. Fui testemunha disso em um experimento em que, para ter o suplemento com determinados nveis nutricionais, fomos obrigados a usar um ingrediente notoriamente problemtico em ser aceito pelos animais. No primeiro lote de animais a consumir o suplemento, conforme esperado, os animais praticamente no consumiam o suplemento. Aps alguns dias com pouco sucesso ao insistir para que os animais aceitassem o suplemento, e j com a formulao alternativa na manga, inesperadamente os animais comearam a aumentar o consumo. Nesse ponto, entrou o segundo grupo de animais e antevamos a repetio do processo de resistncia ao consumo do suplemento. Para nossa surpresa, o segundo e terceiro lotes de animais jamais refugaram o suplemento, consumindo todo ele sem problema. Claramente foi um caso tpico do que os estudiosos do comportamento animal chamam de “facilitao social”. Ele j bastante usado na prtica, como ao se colocar um bezerro “experiente” no lote para ensinar bezerros novatos a arem cochos de o exclusivo a eles (creep-feeding).
4)...se o consumo da dieta est abaixo (ou acima) do esperado tenho que mudar a dieta?
Uma boa parte dos relatos de problemas de consumo em dietas para ruminantes simplesmente no existem quando o consumo que, de fato, interessa para o desempenho avaliado. Na nutrio de ruminantes, seja em pastagem, seja em confinamento, a quantidade de gua que compe os alimentos muito varivel. Por isso, temos que descontar toda essa gua que vai junto com o alimento e considerar apenas sua matria seca (MS). Se considerarmos uma silagem com 30% de MS e um consumo estimado de 9 kg de MS, ento devemos ofertar 30 kg da silagem por animal (9 kg de MS [30/100]). Se, ao ofertar essa quantidade silagem, avaliarmos uma sobra de 3 kg, o consumo foi de apenas 27 kg de matria original (MO) por animal. Se, antes de colocar mais esses 3 kg de MO que estariam faltando para o animal, ao analisarmos a MS da silagem, constatamos que o valor correto do teor de MS 33%, percebemos que o consumo em MS est dentro dos 9 kg esperados (27 kg de MOX [33/100]). Assim, antes de corrigir o consumo muito importante certificar-se de estarmos usando o valor correto de teor de MS da dieta. Evidentemente, h muitos outros fatores que podem fazer o consumo variar e eles devem ser avaliados, mas a sugesto sempre comear por essa certificao do consumo em MS.
5)...se s tem um animal com problema e todos esto na mesma dieta, todos tero problema?
O exemplo anterior um desses casos que o problema (o subconsumo aparente) deve se repetir no restante dos animais do lote. Esse raciocnio de generalizar, portanto, na maioria das vezes pode at funcionar, mas preciso entender no se tratar de uma verdade absoluta. Isso porque existem casos em que a individualidade animal se sobrepe ao comportamento do grupo. Esse o caso, por exemplo, da ocorrncia de doenas metablicas, como acidose e timpanismo, em que h essa individualidade. Assim, mesmo em uma situao em que tudo indique no haver predisposio para ocorrncia desses problemas, um ou outro animal aparece com sintomas clnicos. Outro exemplo disso intoxicao por nitrato, pois h animais muito tolerantes que fazem difcil o estabelecimento de valores mximos genricos que delimitem bem at qual teor de incluso possvel ir com segurana. Uma boa parte dessa variao pode ser devida ao microbioma que habita o animal e que, ao contrrio do que nutricionistas como eu gostariam, varia bastante de animal para animal. O importante aqui considerar que padres comuns em dietas compartilhadas pelos animais pode at ser a regra, mas que importante considerar a existncia de excees.
6)...se reduzir a oferta de alimento, o desempenho vai cair?
A resposta mais normal reduo de oferta de alimento o desempenho cair. H uma situao especfica, contudo, em que possvel reduzir um pouco a oferta, mantendo o ganho de peso, ou seja, com melhora na eficincia. No se trata do caso de excesso, por exemplo, de concentrado ou gordura desafiando o metabolismo ruminal. Mesmo em dietas perfeitamente balanceadas possvel ter esse ganho de eficincia ao se restringir levemente o consumo. Essa restrio leve ocorre no prprio manejo de cocho em confinamento para ter o mnimo de sobra. Quando fazemos isso o consumo do animal no voluntrio, ou seja, ele come menos do que gostaria. O que ocorre, ento, que, como ele ingere menos alimento no tempo, a agem desse pelo trato digestivo fica mais lenta, permitindo uma ao das enzimas digestivas, dos microrganismos no rmen e do prprio animal, por mais tempo ao longo do caminho at o nus. Se esse aumento de energia ganho pela maior digestibilidade for suficiente para compensar a reduo de energia ingerida, o ganho se mantm. Essa seria uma dupla vantagem do manejo de sobras mnimas: menor gasto de mo-de-obra com aumento de eficincia alimentar.
7)...se demoro mais para aumentar o concentrado na dieta, o ganho ser pior?
Quando o animal est no processo de adaptao de uma dieta de volumoso para uma dieta com quantidades significativas de concentrado, como quando sai do pasto e entra no confinamento, a lgica se inverte. Nessa situao, um aumento mais gradual, aos poucos, do concentrado resulta em melhor desempenho do que quando, na nsia de ganhar peso mais rpido, tenta-se queimar etapas. Mesmo que o animal no desenvolva nenhum problema metablico, acelerar demais na adaptao pode repercutir por um longo perodo, piorando o desempenho. Enfim, tenha um bom protocolo de adaptao e no tente abrevi-lo.
8)...se o que eu quero exatamente engordar o animal, quanto mais gordura protegida eu der, melhor?
No incomum transportarmos nossa lgica nutricional humana para os animais. o caso dessa expectativa que “nada deve ser melhor do que gordura para colocar gordura no ganho do animal”. Um aspecto comum aos bovinos e humanos: ter gordura pr-formada uma vantagem aproveitada pelo organismo, afinal ele pode economizar energia na produo desse elemento. O que muda que o bovino tem sua evoluo ao longo da histria comendo forragem, notoriamente pobre em gordura e, portanto, valores relativamente baixos de gordura (6% da MS da dieta) j trazem problemas para sua degradao ruminal. Como o fator mais determinante para deposio de tecido adiposo a taxa de ganho (quanto maior o ganho, maior a deposio), se a gordura adicional atrapalhar o ganho, a gordura ser depositada mais lentamente e devemos ter uma carne mais magra ou um animal que ficar mais tempo na terminao para atingir o acabamento desejado. Uma opo para tentar evitar a reduo da interferncia negativa da gordura usar a gordura protegida que sobrea o rmen e libera a gordura no trato digestivo posterior. Se o seu uso fizer o animal ganhar mais peso, o resultado ser positivo, todavia muitas vezes essa resposta de aumento de ganho limitada, pois os maiores nveis de gordura no sangue decorrentes do aporte desse nutriente parecem sinalizar ao sistema nervoso central que o animal j estaria saciado, reduzindo o estmulo de consumo. Enfim, o resultado mais comum no ajudar na terminao.
9)...se eu ajudo a vaca dando rao no “creep feeding” para os bezerros, seus ndices reprodutivos vo melhorar?
Um dos motivos quando se enumeram as vantagens de fazer o “creep-feeding”, quando o bezerro tem o exclusivo a um suplemento, que essa suplementao permitiria um alvio matriz. Esse alvio, por sua vez, permitiria vaca recuperar mais rapidamente sua condio corporal e isso acabaria se refletindo em uma maior fertilidade. Mais uma vez, tudo parece bem lgico. Quando procuramos resultados de pesquisa que comprovem essa tese, simplesmente, eles no existem. H um bom motivo para isso: com o consumo do suplemento o bezerro ganha mais peso e, mais pesado, mama mais, estimulando a vaca a produzir mais leite. Esse aumento de estmulo de produo de leite em funo de maiores exigncias dos bezerros ficou claro em um experimento com par vaca-bezerro em que os bezerros machos fizeram suas mes produzirem 10% mais leite do que as bezerras. Portanto, ao contrrio de um alvio para as vacas, o “creep” pode acabar resultando em um aumento das suas exigncias.
10)...se eu continuar fazendo do mesmo jeito, o resultado sempre ser igual?
Essa costuma ser lgica mesmo e fica como lembrete para no cairmos da armadilha de no mudar e esperar que, do nada, haja melhora. bem capaz que o leitor possa lembrar-se de alguma situao em que essa lgica foi contrariada. Isso se chama “acaso” e a tendncia de deixar por conta dele que, para cada melhora ao acaso, haver uma piora ao acaso, ou seja, no longo prazo no samos do lugar. Da, a lgica a seguinte: ficar parado, enquanto todo mundo avana, dar r!
Aproveito para desejar aos leitores um 2021 em que prevalea a lgica de seguir pelos caminhos iluminados pela cincia e assentados na empatia com o prximo. Vacinados contra o negacionismo e com anticorpos contra o dio, ser mais fcil conseguirmos a unio necessria para vencermos tantos desafios que nos esperam nos anos vindouros. Se os melhores sentimentos que caracterizam o Brasil puderem aflorar, no h porque no termos as melhores esperanas!