Em meados de novembro, foi anunciado o nascimento do oitavo bilionsimo ocupante do planeta Terra. A notcia suscitou novamente a dvida se h lugar para tantos terrqueos ou, melhor, se nossa Terra capaz de ar tanta gente assim. Afinal, ocupamos espaos, demandamos energia, ar respirvel, gua potvel e alimentos. 38556j
O medo da fome sempre assombrou a humanidade e, no final do sculo XVIII, parecia matematicamente inevitvel, conforme previa a teoria malthusiana, segundo a qual o aumento da populao criaria uma demanda de alimentos de alcance inexequvel. O colapso previsto no ocorreu, em especial, graas aos avanos do conhecimento cientfico e incorporao de tecnologia que permitiram um aumento na produo agropecuria muito acima do previsto.
Hoje, j est suficientemente claro que a produo de alimentos precisa ser feita com cautela, de maneira a evitar que as mudanas no ambiente no comprometam o funcionamento dos servios ecossistmicos que garantem a estabilidade dos sistemas ambientais. A ruptura dos ciclos naturais coloca em risco a produo de alimentos.
A previso da ONU que os 9 bilhes sejam atingidos at 2050 e os 10 bilhes, antes do final de 2100. Com mais restries vista, medida que os ambientes naturais escasseiam, mais presso colocada no setor agropecurio que, ao mesmo tempo, tem que responder maior demanda, mas com menores margens de manobra. Tudo isso em um contexto em que a fome ainda se faz presente de forma relevante, pois, atualmente, temos mais de 800 milhes de pessoas em privao alimentar.
Importante entender que as estatsticas indicam haver produo suficiente de alimentos para todos, mas a m distribuio da produo e, especialmente, a falta de renda restringem a aquisio de comida, sobretudo em pases pobres. A distribuio desigual fica evidente pela ocorrncia, concomitante de surtos de obesidade e fome, at mesmo em uma mesma localidade. Uma grande ironia completa esse triste cenrio: a estimativa que, da colheita at o consumidor, mais de um tero do alimento produzido no mundo desperdiado.
Em seguida, dez opes para reduzir o risco do flagelo da fome, tanto hoje, como na trilha do 10. bilionsimo habitante.
O preo dos alimentos costuma ser determinado pela lei da demanda e oferta e, assim, quando a oferta alta os preos caem. O limite para a reduo de preo corresponde s condies em que os produtores se consideram minimamente recompensados economicamente a produzir. Abaixo dele, a atividade inviabiliza-se. Nesse caso, a oferta cai, a demanda fica maior do que ela e h encarecimento do alimento. Com isso, mais pessoas se interessam em produzir, a oferta aumenta, o preo cai... e segue o ciclo.
O que o aumento na eficincia permite , ao reduzir o custo de produo, ampliar a janela em que a atividade vivel economicamente, ou seja, mesmo mais barato, ele segue sendo produzido. Isso particularmente aplicvel pecuria, cujo preo de venda depende do mercado e, nesse caso, o exemplo da deciso por confinar ou no a cada ano ilustra bem essa situao.
Assim, um produtor pode desistir de confinar o bovino cujo custo da arroba produzida esteja maior do que o valor previsto de venda. Todavia, caso ele seja apresentado a um aditivo que aumente 10% seu ganho ou reduza 10% a ingesto de alimentos com o mesmo desempenho pode refazer os clculos e perceber que, agora, h margem positiva de ganho, decidindo confin-lo.
Ao longo das cadeias de produo h relatos de perda de at mais de 40% de alimentos, o que tem feito brotarem iniciativas visando a reduo do desperdcio.
Na colheita de gros, por exemplo, um melhor ajuste das mquinas e testes, que permitam quantificar as perdas antes da colheita, podem fazer grande diferena. O pastejo por curtos perodos dessas reas recm colhidas permite que os gros que tenham ficado no campo ainda sejam aproveitados pelos animais, que so eficientes na tarefa de resgat-los.
No transporte, a pecuria tem um bom exemplo: a colocao de uma lance adicional horizontal no embarcadouro, logo aps a rampa. Essa simples providncia reduz o choque da garupa do bovino na parte superior da entrada do caminho, evitando muito as perdas de carne por contuso. Isso, junto com motoristas bem capacitados, que seguem uma srie de recomendaes de como dirigir para causar menos estresse aos animais e evitar novas contuses, permite reduzir as perdas no transporte at o frigorfico.
Ainda na cadeia da carne, no caso da comercializao, a manuteno das peas com bom resfriamento, garante que o prazo de validade estabelecido se efetive. Por fim, ao ser usado na cozinha, perde-se em toaletes excessivas ou preparo inadequado, que podem ser revertidos com melhor capacitao dos manipuladores.
A lista dos alimentos que formam a base da alimentao mundial extremamente pequena, especialmente se considerarmos o enorme nmero de opes que temos, mas ficam fora ao no se enquadrarem nos nossos hbitos alimentares. Por exemplo, ao contrrio de brasileiros, mexicanos apreciam comer a palma forrageira como mais um ingrediente da saladas.
Para ir alm dessa possibilidade de “aprender” a usar novos recursos alimentares com outros povos e culturas, h um movimento que visa incentivar a ampliao do nosso repertrio alimentar. Ele busca reconhecer plantas comestveis no convencionais (PANCs), que tenham bom valor nutricional e outros atributos, como boa palatabilidade, e possam cair no gosto dos consumidores. Alguns exemplos de PANCs que j tiveram algum sucesso: ora-pro-nbis, chicria-do-campo, taioba, azedinha, peixinho, dente-de-leo, hibisco e serralha.
Alm da vantagem trazida pela biodiversidade em termos agronmicos, como o fato de poderem ter resistncias a determinadas doenas ou pragas, h chances de ganho nutricional da dieta, por enriquecimento de alguns nutrientes em teores mais elevados nesses alimentos.
Resduos e coprodutos podem ser usados na alimentao de animais, reduzindo a necessidade de compra de alimentos mais caros. Os ruminantes, em particular, podem fazer uso de uma grande gama de resduos e h casos de uso intenso de resduos e coprodutos nas dietas.
Muitas vezes o limitante para o uso deles a questo de logstica ou de conservao. No caso da logstica, novas tecnologias de geolocalizao podem ajudar o uso, ao indicarem os meios, rotas, compartilhamento de cargas etc. que viabilizem esses alimentos em uma regio maior do que s contando com os meios tradicionais de comercializao.
Comer insetos faz parte do hbito alimentar de alguns pases, especialmente, na sia, portanto, uma das alternativas seguir esse exemplo. Todavia, a produo crescente, devido aos bons resultados obtidos, vai mais no sentido de ser fonte de alimento para a nutrio animal, notadamente para aquicultura.
No rol de positividades, a produo feita com base em resduos e, assim, so resolvidos dois problemas ao mesmo tempo: mais recursos alimentares e menos lixo. Outro ponto importante que deve ser destacado que, ao contrrio da cena da pessoa colocando um inseto boca abaixo, o consumo para humanos dever ser majoritariamente pela farinha dos insetos, incorporada como um ingrediente a mais, em alimentos processados.
As produes integradas, seja Lavoura-Pecuria (ILP), silvipastoril (IPF), ou Integrao Lavoura-Pecuria-Floresta (ILPF), tm se mostrado como casos de sucesso, pois h muita complementariedade entre as atividades, bem como sinergias, que reduzem seu impacto ambiental.
O fato que se produz mais por rea, com a pastagem produzindo mais carne aps a lavoura, a lavoura mais gros depois do pasto. Adicionalmente, a mo-de-obra de uma atividade pode colaborar com a outra e as sombras das rvores melhoram o conforto trmico dos animais, ao mesmo tempo que se est diversificando a renda.
O aumento de rea com sistemas integrados no Brasil de 2010 a 2020, ando de 5 para 17 milhes de hectares, d uma boa ideia de como elas so atraentes, com a vantagem adicional de sua adoo ser possvel mesmo para pequenos produtores.
Nela, o resduo de um processo o insumo da seguinte, fechando o ciclo em alguma parte do processo. Um exemplo pecurio seria o uso do esterco bovino como substrato para produzir uma alga que, em seguida, seria incorporada na rao dos animais confinados. O esterco do confinamento, ento, seria levado s reas de produo das algas, fechando o ciclo.
Alm da reduo de insumos, a circularidade tambm resolve o manejo dos resduos. Uma outra oportunidade que pode ser considerada no futuro de economia circular seria o uso de farinha de carne e ossos calcinada retornando dieta dos animais como fonte de clcio e fsforo.
A TI pode ajudar ao otimizar no s uma unidade produtiva, mas toda uma regio. A ideia seria implantar uma plataforma central com todas as informaes de determinada regio com dados sobre as fazendas, prestadores de servio de transporte de bovinos, lojas de insumo etc. Ao cruzar os dados da plataforma, o sistema procuraria encontrar situaes em que algum com sobra de alimento poderia se juntar a outro com excesso de animais e propor um negcio em que ambos se beneficiariam em uma engorda conjunta dos animais.
Os algoritmos utilizados garantiriam o sistema como uma ferramenta justa e imparcial, de forma a quebrar resistncias e permitir a otimizao alm das porteiras das propriedades.
Os avanos cientficos tm se acelerado e trazido complexidades que desafiam nossa limitada capacidade mental. Para compensar isso, ferramentas sofisticadas de anlises tm sido criadas, mas, mesmo elas acabam sendo limitadas pela capacidade interpretativa humana. A IA aparece como uma alternativa para contornar nossas limitaes.
Um experimento realizado recentemente, em que um sistema de IA projetado para achar novas ligas metlicas foi sendo alimentado com informaes sobre o assunto da dcada anterior ao tempo atual, tendo sido capaz de propor uma “nova” liga com alguns anos de antecedncia em relao ao que realmente aconteceu.
Mais recentemente, a empresa Deepmind, criou uma plataforma baseada em IA, chamada Alphafold, que prev a estrutura das protenas com exatido, o que j foi um enorme feito. Agora, a Deepmind anunciou que ir conseguir ampliar seu banco de dados de 1 milho de estruturas proteicas para cerca de 200 milhes, o que representaria quase todas as protenas catalogadas pela cincia hoje.
No caso da pecuria, um dos campos que pode se beneficiar muito da IA a nutrigenmica, que promete uma nutrio feita sob medida para cada animal baseada na composio do seu genoma, o que, em tese, deve ser o pice da eficincia alimentar. Importante que, muito antes de chegarmos a esse ponto, existiro benefcios ao conhecimento em nutrio pelo aprendizado ao longo do processo.
A educao entra aqui em vrias vertentes. No patamar mais elementar, temos o efeito dela no aumento da renda mdia das pessoas que, por si s, resolve muito da questo de o comida por poder de compra. Num nvel mais elevado, temos o fator capacitante da educao com o qual as pessoas so capazes de fazer melhor uso dos recursos, reduzindo, por exemplo, o desperdcio de alimentos. Com um pouco mais de elaborao, pode-se compreender o efeito das suas aes em relao sua sade e ao ambiente, permitindo fazer escolhas sobre o que melhor consumir.
Por fim, em um nvel mais sofisticado de educao, sero as pessoas que assumiro papis na pesquisa, desenvolvimento e inovao e, nesse caso, podem colaborar para a ocorrncia de grandes avanos, como no exemplo acima da empresa Deepmind.
Importante ressaltar que o sucesso desse ltimo nvel dependente dos sucesso nos nveis mais bsicos de educao, com especial nfase para os primeiros ano da infncia. Quanto mais inclusiva for a educao, mais teremos possibilidade de descobrir talentos, alm de, ao juntar pessoas criadas em realidades distintas, criar um caldo de cultura favorvel inovao.
Obviamente, com esses dez itens no se tem a pretenso de esgotar as alternativas produo de alimentos, mas apenas apresentar uma coleo relevante para o desafio de alimentar tantas bocas.
A relevncia de darmos solues para mais alimento com menos impacto ambiental muitas vezes lembrada, pois temos apenas nosso planeta para morar e, portanto, no existiria plano B.
De fato, ainda no h, mas h um candidato a plano B: Marte. Nos planos para torn-lo habitvel, sero as plantas que produziro o oxignio para formar sua atmosfera, ou seja, ser graas ao agro que a humanidade ter chance de, enfim, ter um segundo endereo.
Como h uma longa jornada at l, melhor ir exercitando com o que temos e incorporando novas formas de fazer, cada vez mais eficientes, para chegarmos l sem maiores sobressaltos.