Preparao para o nascimento de bezerros 2x29e
Seguindo o calendrio de cobertura, ou inseminao, da vacada de meados de outubro a janeiro, os bezerros vo comear a nascer em agosto. Assim, julho o ms de preparo de materiais e treinamento para pees para o nascimento de bezerros.
Lave, ou compre, frascos apropriados para o tratamento do umbigo (figura 1); nos frascos, j deixe preparada soluo de iodo a 6% ou o uso de produto comercial adequado (consulte seu veterinrio). Treine os “materneiros” para a imerso de todo o umbigo na soluo desinfetante por 30 a 60 segundos nessa soluo, evitando molhar a pele do bezerro, pois provocar uma inflamao no local.
Compre uma soluo de iodo forte a 10% e use 600ml dessa soluo em 400ml de gua filtrada ou lcool absoluto. Estoque essa soluo num frasco escuro (frasco claro pode interferir no produto) e s transfira a soluo para o frasco apropriado no comeo da estao de pario.
Prepare tambm a soluo de antiparasitrio, para a preveno da bicheira no umbigo, disponibilizando seringas e agulhas descartveis para a aplicao subcutnea.
Resultados desapontantes tm sido obtidos com o uso de ivermectina, devido alta resistncia das larvas de bicheira a este princpio ativo. Embora a eficincia da doramectina esteja diminuindo a cada ano, ainda muitos tcnicos tm recomendado o seu uso.
Muitos me perguntam da necessidade do uso de antibiticos injetveis no dia do nascimento. Acompanhei uma fazenda que tratou metade dos bezerros com esse medicamento e a outra metade no. No existiu diferena entre os grupos nas frequncias de inflamaes de umbigo e diarreias. Deve-se evitar o uso de antibiticos quando no necessrio, pois alm de ter um custo aumenta a chance de resistncia de bactrias a esses medicamentos.
Figura 1.
Copo, sem retorno, para o tratamento de umbigo.
Fonte: Enrico L. Ortolani
Segundo dados da IAGRO (Instituto Estadual de Defesa Animal e Vegetal), de 11 para 12 de junho, 1.071 bovinos morreram de frio (hipotermia), a esmagadora maioria da raa Nelore (figura 2), em diferentes pontos do Mato Grosso do Sul, com destaque para a regio de Nhecolndia (Pantanal). Inicialmente, estima-se que o prejuzo foi a R$3 milhes de reais.
Mortes por frio j foram muitas vezes descritas (1975, 2000, 2010 e 2014) nesse estado, com destaque para a regio Sudoeste, matando em conjunto provavelmente mais de 50 mil cabeas. importante lembrar que, em 2010, foram contabilizadas mais de 5 mil mortes de gado Nelore por hipotermia no Pantanal boliviano e no paraguaio.
A hipotermia (hipo = baixa; termia = temperatura corporal) acontece pela associao de trs fenmenos meteorolgicos: A) alta temperatura no dia anterior chegada da frente fria; B) seguida de chuvarada (acima de 25mm de chuva/dia) acompanhada de ventos gelados, neblina e nevoeiro; e C) queda brusca de temperatura ambiente, com mnimas inferiores a 9C. Nessas condies (baixa temperatura, alta umidade do ar e algum vento) a sensao trmica do animal de 4C – 5C e no de 9C, como registrado no termmetro. A amplitude trmica (diferena entre a mxima do dia quente e mnima do dia frio) para ocorrer a morte deve ser superior a 17C, fenmeno denominado de inverso trmica.
Na regio de Nhecolndia, onde mais ocorreu morte pelo frio, a amplitude trmica foi de 25C (34C mxima e 9C mnima), em menos de 15 horas, e choveu 30mm num dia. Em Ponta Por, onde mais comum morrer gado de frio, mas no foi registrada morte nesta atual “friaca”, a amplitude foi de 20C, mas as chuvas atingiram apenas 8mm.
Nessas condies, o gado procura abrigos contra o frio, a chuva e o vento, sendo a morte mais frequente em bovinos criados em ambientes muito abertos. Segundo apurei, 80% das rezes que morreram eram vacas paridas e bezerros desmamados, boa parte deles subnutridos, porm sucumbiram alguns poucos animais relativamente gordos.
Segundo informaes que obtive com meteorologistas, em Mato Grosso do Sul, com destaque para sua regio sudoeste, o fenmeno de inverso trmica mais pronunciado e rpido, entre todos os estados do pas, facilitando a morte de zebunos.
Num estudo que realizamos na FMVZ-USP, verificamos que animais subnutridos produzem 65% menos hormnios da tiroide (T3 e T4), que estimulam o animal queimar calorias para aumentar sua temperatura, que bovinos bem alimentados e gordos. Animais bem nutridos tm uma maior capa de gordura debaixo da pele, que funciona como isolante trmico. Porm, a gordura estocada no organismo no sinnimo de que ela possa ser empregada para gerar calorias em curtssimo prazo, pois para que isto ocorra demora um pouco mais de um dia para esta mobilizao de gordura.
A pergunta que no quer calar por que os zebunos so mais atingidos? A morte por hipotermia ocorre de forma idntica em gado Brahman, de sangue zebuno, no Sul da terra do Tio Sam.
Os zebunos, no decorrer do tempo e por viverem em ambientes quentes, foram muito adaptados para dissipar (perder) calor do organismo, evitando o estresse trmico, e no para reter o calor, diferente do gado taurino ou meio sangue.
No dia quente que antecede a “friaca”, o zebuno elimina muito calor. A chuva e o vento fazem o animal perder muito mais calorias para se esquentar. o mesmo que voc acabar de tomar um banho gelado e no se enxugar e, alm disso, ficar no vento frio, baixando sua temperatura interna para valer.
Na madrugada do dia frio, a temperatura interna do corpo, que normalmente fica estvel em torno de 38C, despenca para menos de 35C. Essa hipotermia grave diminui os batimentos cardacos, assim como a presso arterial, e faz o bovino perder a conscincia, provocando a morte por parada cardiorrespiratria em poucas horas. Este espao de tempo insuficiente para desenvolver um quadro de pneumonia, que s iria acontecer se os dias muitos frios se prolongassem.
Porm, o gado zebuno pode sobreviver em ambientes mais gelados (temos relatos de aguentarem at –1C), desde que a temperatura caia mais lentamente, dando tempo para que os animais possam se adaptar e comear a mobilizar suas reservas de energia para a gerao de calor.
A preveno deve ser feita melhorando a nutrio do rebanho, combatendo as doenas, como a verminose, colocando cercas-vivas ao redor das pastagens e acendendo fogueiras para o gado se esquentar nos dias muito frios.
Figura 2.
Bovinos mortos devido frio intenso em Mato Grosso do Sul.
Fonte: IAGRO
Figura 3.
Bovinos mortos devido ao frio intenso em Mato Grosso do Sul.
Fonte: IAGRO
Figura 4.
Localizao dos acontecimentos de mortalidade devido hipotermia em Mato Grosso do Sul.
Fonte: IAGRO
Figura 5.
Fogueira utilizada para minimizar impactos das ondas de frio intensas na regio.
Fonte: IAGRO
Segundo relato de mdico veterinrio que atendeu o surto, numa fazenda de Santarm PA, em poucos dias, 10 vacas Nelore morreram com sintomas muito sugestivos de babesiose: tristeza, abatimento, isolamento, eliminao de urina com cor de “coca-cola” (hemoglobinria) (figura 6), algum grau de anemia, globo ocular amarelado (ictrico), febre etc.
Na necrpsia, detectaram as seguintes alteraes: acmulo de lquido sanguinolento no saco que recobre o corao (saco pericrdico), rins com colorao mais escura (figura 7), fgado aumentado de tamanho e vescula biliar cheia de bile com aspecto viscoso. Comprovou-se a doena ao encontrar a presena de do parasita (Babesia bigemina) dentro das hemcias (figura 8) no exame de sangue. Foram vistos ainda alguns carrapatos na pele dos animais doentes. A partir do diagnstico, outros 10 animais adultos tiveram os mesmos sintomas, mas todos sobreviveram aps o tratamento com medicamentos apropriados.
Figura 6.
Urina cor de “coca-cola”.
Fonte: Enrico L. Ortolani
Figura 7.
Rim com cor mais escura.
Fonte: Enrico L. Ortolani
Figura 8.
Presena de B. bigemina nas hemcias.
Fonte: Enrico L. Ortolani
Essa doena transmitida por carrapatos, embora a minoria deles esteja naturalmente contaminada com o protozorio causador da doena. Animais enfraquecidos, ou que tm poucos anticorpos e defesas contra o parasita, so os mais propensos a se tornarem doentes.
No Brasil, temos trs condies em relao presena de carrapatos em bovinos. Na pontinha do estado do RS (municpio de Santa Vitria do Palmar, onde fica o arroio Chu), no tem carrapatos (livre). Do centro do PR, toda a regio Sudeste e Centro-Oeste e algumas regies da BA, TO, PA e MA, existe a possibilidade de parasitismo por carrapatos no decorrer de praticamente todo ano (estabilidade enzotica). E nos estados do RS, SC, Sul do PR, AC, RN, boa parte da regio Nordeste e em reas do PA, AM, AP e RR, os carrapatos atacam o gado apenas em uma parte do ano, ficando ausente em outros perodos (instabilidade enzotica). Nessa ltima rea, se o tempo sem a presena de carrapatos for muito prolongado ocorrer queda na produo de anticorpos contra os agentes causadores da tristeza parasitria (Babesia bigemina e B. bovis e Anaplasma marginale) ficando os bovinos, principalmente os adultos, mais propensos doena.
Especula-se que, nesse surto em Santarm-PA, os bovinos ficaram “descarrapatados” durante o perodo prolongado de chuvas (dezembro a abril), em que a precipitao mdia ultraa em muito os 100 mm mensais, dificultando muito a sobrevivncia de larvas de carrapatos nas pastagens. Com a diminuio das chuvas em maio e o incio do ataque de carrapatos, surgiu subitamente a doena nos bovinos mais desprotegidos. Ainda faltam maiores estudos na regio de Santarm para comprovar essa especulao.
Embora a cisticercose possa ocorrer em todo o Brasil, nesse ltimo ms, tal parasitose foi mais relatada e preocupante no MS. Segundo levantamento feito por um especialista, foram detectados, em alguns lotes de bovinos confinados, ao redor de 9% de cisticercose nos animais abatidos.
Em cerca de metade deles, a quantidade de cisticercos vivos ou calcificados na carcaa no era to alta (at 8 cisticercos vivos ou calcificados), tendo a possibilidade de a carcaa ser “tratada” pelo frio (- 9 C) por 10 dias para a morte do cisticerco, mas as demais carcaas dos animais altamente infectados foram parar na graxaria, imprprias para consumo.
Em ambas as situaes, os prejuzos so enormes para o pecuarista, pois constatei que os frigorficos descontam em mdia 50% do valor pago pelo boi nos casos de carcaas “tratadas pelo frio” e a perda total no caso de graxaria, no sendo remunerado nada para o pecuarista.
Nesse caso particular do MS, o especialista conseguiu detectar como os bovinos se contaminaram com o parasita. Depois de investigar, concluiu que os animais permaneciam numa grande pastagem, para descanso e adaptao ao ambiente, antes de entrarem no confinamento. Esse piquete era recm-formado e ficava em rea com alto fluxo de pessoas, entre eles contratados para reforma de cercas, plantio de cana-de-acar e caadores, que defecavam no local, contaminando o ambiente com ovos de Taenia saginata.
Esses ovos, depois de ingeridos pelo boi, se transformam em embries no intestino e por a penetram no organismo. J um pouco mais evoludos, migram e ficam encarcerados na musculatura e em outros rgos, dando origem aos cisticercos (canjiquinhas). Para prevenir o quadro, recomendou-se cercar melhor o local e evitar a entrada de estranhos.
A cisticercose bovina pode se originar da ingesto de alimentos ou de gua contaminada com fezes humanas de pessoas que tm a tenase, por comerem carne bovina, com “canjiquinha”, mal ada.
bom que se frise que, em muitos casos, difcil o controle da cisticercose na boiada, ou porque no se sabe onde os ovos esto, ou pela dificuldade em combat-los nas pastagens, nas aguadas e em outras paragens. O pior que o homem est no centro de tudo!
Em junho, durante o incio da estao seca, continua relativamente alta a infestao de bernes nas boiadas das regies de Sorocaba e So Joo da Boa Vista. Segundo minha contagem, o nmero de bernes mdios por animal foi um pouco mais alto em junho de 2023 que no mesmo ms de 2022 (11,40 x 8,12), num rebanho mestio (Nelore x Angus) criado na regio de Sorocaba.
Estudos clssicos, no estado de So Paulo, identificaram que o maior ataque de bernes est associado aos meses cujas temperaturas (> 23C) e as pluviosidades (> 80mm) mdias so mais altas. Porm, como esses valores (temperatura e pluviosidade) foram muito semelhantes em 2022 e 2023 acredita-se que a maior populao de bernes, no presente ano, esteja ligada maior resistncia destes ectoparasitas aos bernicidas empregados, no presente caso a base de organofosforados.
A questo da resistncia dos bernes a um maior nmero de princpios ativos parece aumentar ano-a-ano e desafia os pesquisadores e as empresas veterinrias que fabricam tais medicamentos, alm de assustar os pecuaristas, principalmente das regies Sul e Sudeste, onde o berne mais campeia.
Figura 9.
Vaca muito atacada por bernes.
Fonte: Enrico L. Ortolani
Mato Grosso: Diamantino e Chapada dos Guimares (INDEA)
Par: Tom-A (ADEPAR)
So Paulo: Tup, Marlia, Miracatu, Juquitiba, Juqui e Pindamonhangaba. Curiosidade: foi comprovado raiva em uma anta de vida livre em Novo Horizonte. (EDA)
Rio Grande do Sul: Alegrete, Bossoroca, Cachoeria do Sul, Campo Bom, Dom Feliciano, Gravata, Itaqui, Itati, Jari, Jaguari, Santiago, Redentora, Taquara (SEAPI)