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Funai ameaa segurana jurdica, imobiliria e ambiental 1t2n4j

por Pedro Puttini Mendes
04/09/2023 - 09:00

Em agosto/2020 no texto chamado “burocracias georreferenciadas”, foi comunicada uma novidade do ms de abril daquele ano, a Instruo Normativa no. 09/2020 da Funai, que trouxe segurana jurdica para os processos que envolvem produtores rurais e comunidades indgenas em reas com discusso de demarcaes. 5216v

A Instruo Normativa da Funai no. 09/2020 de 16 de abril fez modificaes no processo de certificao dos limites de imveis, alterando a emisso de um documento chamado Declarao de Reconhecimento de Limites, que serve para fornecer aos proprietrios ou possuidores imveis privados a certificao de que os limites do seu imvel respeitam os limites das terras indgenas homologadas.

O destaque na expresso homologadas foi proposital, pois existem tambm terras indgenas sob estudo (no concludas) chamadas de “delimitadas”, ou seja, apenas a indicao do local de estudo pela Funai e as “declaradas” em portaria do atual Ministrio dos Povos Indgenas, ou seja, validando a delimitao da Funai para prosseguir com o estudo da demarcao.

Os processos istrativos de demarcao de terras indgenas apenas se encerram aps trs principais atos istrativos, em respeito s premissas constitucionais da legalidade, devido processo legal, contraditrio e ampla defesa, que so: 1) a de portaria declaratria pelo Ministrio dos Povos Indgenas (no mais do Ministrio da Justia); 2) o decreto de homologao do presidente da Repblica e; 3) a transferncia do imvel em matrcula, do antigo proprietrio para o patrimnio da Unio, o que normalmente feito pela Funai em posse dos documentos anteriores.

A homologao de terras indgenas ocorre quando o Presidente da Repblica emite o decreto de homologao, como anunciado pelo atual Governo desde o ms de abril/2023, no sentido de que seriam demarcadas “todas as terras indgenas do pas at o final do mandato, em 2026”.

Para que o processo de demarcao chegue at a presidncia da repblica precisa ar por uma srie de etapas, estudos e procedimentos determinados pelo Decreto Federal no. 1.775/1996, regulamentador do Estatuto do ndio (Lei Federal no. 6.001/1973), especificamente do artigo 17, inciso I que trata das terras tradicionalmente ocupadas, em que se discute o “marco temporal”⁴.

Estes processos duram anos, dcadas e transitam por sucessivos governos. Enquanto isso, aqueles que so proprietrios dos imveis rurais sob estudo de demarcao necessitam cumprir a lei, realizando procedimentos como a certificao de georreferenciamento no INCRA e a inscrio do imvel no Cadastro Ambiental Rural – CAR junto aos rgos ambientais estaduais.

Alm do mais, durante este tempo de tramitao, os proprietrios, que devem manter o imvel produtivo, cumprir obrigaes ambientais e cadastrais, tambm exercem direitos de propriedade e posse, como por exemplo a compra e venda, desmembramento, sucesso familiar, arrendamento, parcerias rurais, usufruto, usucapio, enfim.

Em meio a este contexto, a Funai insere os polgonos das reas “em estudo” (delimitadas, declaradas) nos sistemas dos referidos rgos pblicos (Incra, cartrios imobilirios, rgos ambientais), praticando evidentes atos ilegais de afronta ao direito de propriedade e posse previstos pela Constituio Federal e demais legislaes.

gravssima a conduta praticada pela Funai, impedindo o exerccio de direitos inerentes posse e propriedade, como o bloqueio de processos de certificao de georreferenciamento, impedimento de validao dos dados do Cadastro Ambiental Rural, impedimento de atos registrais imobilirios (compra e venda, desmembramentos, condomnios, multipropriedade), alm da dificuldade de o s polticas pblicas agrcolas como de crdito rural, garantias bancrias e outros abusos.

A “certificao” est relacionada um dos cadastros obrigatrios de toda propriedade rural o CCIR – Certificado de Cadastro de Imvel Rural, feito atravs do sistema SIGEF – Sistema de Gesto Fundiria, onde so apresentados os limites georreferenciados de cada imvel rural por meio de tcnico com emisso de anotao de responsabilidade tcnica, uma ferramenta criada em 2013, utilizada pelo INCRA para certificar imveis por obrigao legal.

O Decreto Federal no. 4.449/2002 afirma que a certificao do memorial descritivo pelo INCRA apenas certifica que a poligonal objeto do memorial descritivo no sobrepe outras poligonais que a certificao do memorial descritivo “no implicar reconhecimento do domnio”, o que serve, por bvio para regularizao de divisas para ambos os envolvidos.

O SIGEF trouxe transparncia com a integrao de dados fundirios de outros rgos, como a Fundao Nacional do ndio (FUNAI), Instituto Chico Mendes de Conservao da Biodiversidade (ICMBio) e Cartrios de Registro de Imveis, por outro lado, permitiu uma pssima gesto destas ferramentas por meio do abuso de poder de determinados gestores, resultando em insegurana jurdica e vulnerabilidade do planejamento territorial nacional.

Percebe-se que o problema est em permitir que informaes sem validao oficial e sem cumprimento de etapas processuais legais de demarcao, impeam a certificao de imveis rurais, criando embaraos imobilirios, ambientais, bancrios, fundirios e outras consequncias, como ocorre tambm no Cadastro Ambiental Rural que j apontou sobreposies com terras indgenas geradas pelos dados inseridos pela Funai com relao s terras “identificadas” e “delimitadas”, sem homologao por decreto presidencial.

A Instruo Normativa no. 09/2020, havia solucionado este ime, considerando para fins de certificao de limites apenas as reas homologadas por decreto presidencial, o que parece um tanto bvio sob o ponto de vista jurdico, j que a existncia de um processo demarcatrio no pressupe o seu xito ou sucesso, que pode ser questionado por inmeros fatores.

Eis que no dia 9 de agosto deste ano, a nova presidncia da Fundao Nacional do ndio – FUNAI, revogou aquela instruo normativa, promulgando outra, a Instruo Normativa 30/2023.

So basicamente duas pssimas notcias sob o ponto de vista jurdico e de planejamento territorial, a primeira delas a determinao constante no artigo 7 de que “no ser emitida” a Declarao de Reconhecimento de Limites para imveis incidentes terras indgenas de ocupao tradicional “delimitadas”, com Relatrio Circunstanciado de Identificao e Delimitao aprovado pela autoridade mxima da Funai e publicado no Dirio Oficial da Unio; e terras indgenas de ocupao tradicional declaradas com Portaria Declaratria expedida pelo Ministro de Estado competente.

Neste sentido, j foi ponderado que, tecnicamente, s deveria ser considerada terra indgena, unidade de conservao ou alterao imobiliria com os devidos processos concludos, em respeito premissa constitucional do devido processo legal, do contraditrio, da ampla defesa e da legalidade.

Gravssima situao pelo fato de que terras “delimitadas” pela Funai ou terras “declaradas” em portaria declaratria pelo Ministrio competente, so etapas provisrias do processo de demarcao.

A outra pssima notcia a que consta no artigo 5 da IN Funai 30/2023, determinando que a “Declarao de Reconhecimento de Limites” no ser fornecida a terceiros que no sejam detentores do imvel ou seu representante legal.

Evidentemente esta situao representa um entrave para segurana jurdica em transaes imobilirias, impedindo que pretensos compradores ou at mesmo posseiros como arrendatrios, parceiros, situaes de usucapio, possam certificar-se da situao fundiria destes locais.

Portanto, fica claro que a FUNAI voltar a produzir documentos que restringem a posse e propriedade de imveis ainda no homologados como terras indgenas, violando direitos dominiais.

Alm do mais, voltam a ser obscuros e subjetivos os critrios para emisso da Declarao de Reconhecimento de Limites, pela falta de atendimento legislao competente, prejudicando a certificao de inmeros imveis do pas, pequenos, mdios ou grandes, em razo das sobreposies topogrficas.

Se antes, no havia ofensa a direitos indgenas, visto que se tratava de processos em carter “provisrio” (terras delimitadas e declaradas, no homologadas), agora so escancaradas violaes jurdicas em meio esta grande quantidade de impedimento e bloqueios.

Sendo assim, a nova instruo normativa trouxe prejuzos ao planejamento territorial e violao de direitos de propriedade e posse, como tambm a possibilidade de responsabilidade civil-istrativa e penal⁶, bem como a possibilidade da prtica de ato de improbidade istrativa⁷, dos agentes pblicos envolvidos com a no emisso da declarao de limites, impedimento de certificao, impossibilidade de validao do CAR e bloqueios comerciais pela sobreposio.

Disponvel em/noticias/artigos/52980/burocracias-georreferenciadas.htm. o em 31/08/2023.
Sobre o assuntohttps://scotconsultoria-br.noticiascatarinenses.com/2023-jan-27/puttini-mendes-qual-ministerio-decide-demarcacao; o em 31/08/2023.
Sobre as etapas do processo de demarcao e os direitos dos envolvidos, vale conferir o artigo:https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-istrativo/analise-processual-transversal-da-demarcacao-de-terras-tradicionalmente-ocupadas-por-indigenas-e-sua-judicializacao/
⁴Sobre o assuntohttps://agribrasilis.com/2023/06/23/marco-temporal-terras-indigenas/. o em 31/08/2023.
⁵Disponvel em:https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/instrucao-normativa-funai-n-30-de-9-de-agosto-de-2023-502742547. o em 31/08/2023.
⁶ Lei Federal n 8.112/1990, artigos 124 e 125.
⁷ Lei Federal n 8.429/1992, artigos 9 a 11.