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Marco temporal em conflito entre os trs poderes 1e4qs

por Pedro Puttini Mendes
23/10/2023 - 16:30

O chamado marco temporal, seria o critrio para demarcao das terras indgenas chamadas pela legislao de tradicionalmente ocupadas, ou seja, tradicionalidade e ocupao, que se traduzem, por si s, nos requisitos do que prescreve o artigo 231, da Constituio Federal. 636f50

Este processo de demarcao surgiu aps 1988, em 1996, com o Decreto Federal n 1.775, em seus singelos 11 artigos orientando que as “terras tradicionalmente ocupadas” pelos indgenas seriam demarcadas por iniciativa e sob a orientao do rgo federal de assistncia ao indgena, com base em trabalhos desenvolvidos por antroplogo de qualificao reconhecida, que deve elaborar estudo antropolgico de identificao (artigo 2).

Dezenove anos depois da Constituio Federal, em meio a judicializao desta situao, surge a ideia de regulamentar o que seriam “terras tradicionalmente ocupadas em carter permanente”, por meio do Projeto de Lei n 490/2007, que tramitou mais 16 (dezesseis) anos at sua votao no Congresso que ocorreu na Cmara dos Deputados no dia 30 (trinta) de maio deste ano, resultando em sua aprovao e encaminhamento ao Senado.

No Senado, se tornou o PL 2903/2023, aprovado na CCJ e quase que totalmente vetado pelo Presidente da Repblica na sexta-feira, dia 20 de outubro, j que suprimiu todas as menes s datas de 05/10/1988 para demarcaes de terras indgenas, como prev a Constituio Federal.

Alm do mais, o presidente removeu o artigo 11, que previa indenizaes e, portanto, bloqueou as discusses votadas pela maioria dos parlamentares de ambas as casas do Congresso, que agora dever decidir pela derrubada do veto Presidencial.

Retomando o contexto histrico deste ime, entre 1998 e 2005 eram discutidas as Portarias 820/1998 e 534/2005 do Ministrio da Justia, sobre a demarcao de terras indgenas tradicionalmente ocupadas Raposo Serra do Sol em Roraima, julgado em 2009, pelo Supremo Tribunal Federal, dando interpretao ao artigo 231 da Constituio Federal, no sentido de que so demarcadas apenas as terras indgenas em que povos indgenas ocupavam ou disputavam at 5/10/1988, promulgao da Constituio, recentemente reconsiderado pelo prprio STF em nova composio.

O voto daquela poca partia da premissa do fato indgena ou do “esbulho renitente”, em outras palavras, o efetivo conflito possessrio, iniciado no ado e persistente at o marco demarcatrio temporal de 05/10/1988, oposto ao Indigenato.

J o novo entendimento, cuja novidade no se explica juridicamente, considera a inconstitucionalidade do marco temporal, afrontando completamente o entendimento anterior e vrios dos ministros ainda estenderam a questo ao definir indenizao aos proprietrios de terras demarcadas.

A tese do Ministro Alexandre de Moraes, por exemplo, entende que deve ser feito um pagamento em dinheiro ou em ttulos da dvida agrria, previamente entrega da posse das reas, pago pela Unio, aplicvel a demarcaes atuais e pretritas, tanto em relao terra nua, quanto s benfeitorias necessrias e teis realizadas, oriundas de ocupao de boa-f, um assunto que comentamos em edio ada.

Os ocupantes de boa-f seriam os compradores de terras que somente depois souberam que eram indgenas, que tero reconhecidos seus ttulos de propriedades como legtimos, para fins de indenizao pelo valor da terra nua e garantia do direito de reteno at o depsito do valor do incontroverso.

J o Ministro Zanin, entendeu que as indenizaes seriam para casos a partir da data do julgamento em no casos pretritos ao julgamento, sendo que o pagamento deveria ser realizado por meio de ttulos da dvida agrria depois da entrega da posse da propriedade aos indgenas, pleiteado em processo autnomo.

E em outro voto, o Ministro Luis Barroso entendeu que as indenizaes deveriam ser pagas para casos de demarcaes pretritas e a partir do julgamento, por meio de dinheiro, pleiteado em processo autnomo, aps demarcao e entrega da posse das terras demarcadas s comunidades indgenas.

E assim, a questo ficou decidida por maioria de votos no sentido de que cabe ao particular o direito justa e prvia indenizao das benfeitorias necessrias e teis, pela Unio; e, quando invivel o reassentamento dos particulares, caber a eles indenizao com direito de regresso em face do ente federativo que titulou a rea, recebendo pela terra nua, em dinheiro ou em ttulos da dvida agrria, em autos apartados do procedimento de demarcao, com pagamento imediato da parte incontroversa, garantido o direito de reteno at o pagamento do valor incontroverso.

Porm, o STF considerou que no cabe indenizao em casos j pacificados, decorrentes de terras indgenas j reconhecidas e declaradas em procedimento demarcatrio, ressalvados os casos judicializados e em andamento, em outras palavras, no existe indenizao para ocupantes de terras indgenas com Portaria Declaratria.

Portanto, as indenizaes podero ser concedidas em duas modalidades, a prioridade que o reassentamento, que se no for possvel, ser substitudo pela indenizao do valor da terra nua em dinheiro ou atravs de ttulos da dvida pblica, com a concordncia do proprietrio.

Faltaria ainda definir como ser feita a avaliao do valor das indenizaes, um assunto ainda sem maiores detalhes, como tambm dever ser definida a modulao dos efeitos da deciso e as formas de indenizao.

E por fim, vale destacar que h uma diferena entre identificao, delimitao, demarcao e homologao de terras indgenas. Todas so etapas do processo de demarcao de terras indgenas tradicionalmente ocupadas em carter permanente, sendo que, apenas a “homologao” seria o ato final, do Presidente da Repblica.

Identificao e delimitao so as primeiras etapas, quando o grupo de trabalho nomeado pela Funai, coordenado por um “antroplogo de qualificao reconhecida”, realiza estudos de natureza etno-histrica, sociolgica, jurdica, cartogrfica, ambiental e o levantamento fundirio. Uma etapa provisria.

A demarcao acontece, quando a Funai aprova o relatrio circunstanciado, encaminha ao Ministrio da Justia (Dec 1.775/1996) ou Ministro dos Povos Indgenas (Dec 13.348/2023), que dever publicar a portaria demarcatria, indicando a rea em discusso. Outra etapa provisria.

Sendo assim, os processos istrativos de demarcao de terras indgenas apenas se encerram aps trs principais atos istrativos: 1) a de portaria declaratria pelo Ministrio da Justia; 2) o decreto de homologao do presidente da Repblica e; 3) a transferncia do imvel em matrcula, do antigo proprietrio para o patrimnio da Unio, o que normalmente feito pela Funai em posse dos documentos anteriores.

A perda da propriedade somente ocorre aps a homologao pelo Presidente da Repblica e transferncia da matrcula para o patrimnio da Unio, pela Funai, dando autonomia para que o Governo ingresse com as medidas judiciais cabveis para imisso de posse.

Lembrando que a Instruo Normativa n 30/2023 da Funai, somada reconsiderao do marco temporal pelo STF e veto do Presidente da Repblica, produziro gravssimos efeitos ao planejamento territorial e segurana jurdica, j que sero provisoriamente identificadas terras indgenas, inseridas nos sistemas cadastrais fundirios, no emitindo a Declarao de Reconhecimento de Limites, bloqueando transaes imobilirias, verificaes para arrendamentos e parcerias, bloqueio de crdito, sobreposies do Cadastro Ambiental Rural e outras consequncias.