A participao dos confinamentos na produo pecuria brasileira, majoritariamente focados na fase de terminao, vem crescendo nos ltimos anos. Estimativas da ABIEC apontaram que em 2001 tnhamos cerca de 2 milhes de cabeas confinadas. Em 2022, esse nmero j superava 7,5 milhes de cabeas. Enquanto duas dcadas atrs o ganho mdio de carcaa no perodo de confinamento era de 6 arrobas por cabea, dados recentes levantados pelo ConfinaBrasil , capitaneado pela Scot Consultoria, apontaram que nos ltimos anos o ganho mdio em confinamento girou em torno de 8,5 arrobas por cabea. Ademais, a partir de dados disponibilizados pelo IBGE , calcula-se que em 1997 o peso mdio da carcaa dos machos era de 16,4@, mas elevou-se para 19,7@ em 2023, um ganho de 20%. O levantamento feito pelo ConfinaBrasil mostrou que os machos confinados saem mais pesados, em mdia com cerca de 21@, sendo que entre 69% e 75% dos animais tm peso de carcaa entre 19-23@. Estima-se que atualmente a participao do confinamento no abate (% carcaa) de cerca de 8%. 35135u
Essa mudana no perfil da pecuria brasileira vem contribuindo de modo marcante para a reduo da idade mdia de abate, para a elevao do peso mdio de carcaa e, tambm, para a melhoria da qualidade da carcaa. Se a taxa de crescimento (2002-2022) na participao dos sistemas confinados no abate se sustentar pela prxima dcada, a participao do confinamento no abate total dever alcanar 20% em 2037. Apesar dessa ampliao da participao dos sistemas confinados na pecuria, a parcela majoritria da produo nacional ainda se encontra alicerada na produo a pasto. E por um bom tempo, dever continuar assim.
A produo pecuria em sistemas pastoris o resultado do produto entre a rea de pastagens e a produtividade (Equao 1). A estimativa desses dois componentes da produo pecuria, no entanto, ainda levanta dvidas e questionamentos.
H certa concordncia entre as diferentes fontes de que a rea atual de pastagem no Pas menor do que no ado. Entretanto, no h convergncia das estatsticas quanto ao momento em que essa reduo na rea de pasto se iniciou, tampouco quanto aos valores absolutos da rea de pastagem no Pas ou em seus biomas.
Por exemplo, de acordo com os Censos Agropecurios do IBGE , a mxima rea de pastagem no Brasil ocorreu em 1985, quando atingiu 179,2 milhes de ha. No ltimo Censo, de 2017, a rea de pastagem no Brasil foi de 159,5 milhes de ha. Pelos levantamentos do Atlas de Pastagens, do Laboratrio de Processamento de Imagens e Geoprocessamento (Lapig) , coordenado pela Universidade Federal de Gois (UFG), a rea de pastagem em 2022 era de 177,3 milhes de ha, sendo que a rea mxima ocorreu em 2008 (179,7 milhes de ha). Para fins comparativos, a rea de pastagem em 2017, de acordo com o Lapig, era de 178,7 milhes de ha. O Mapbiomas , em sua coleo 8, a mais atual, apontou que em 2022 a rea de pastagem no Brasil era de 164,3 milhes de ha. A rea mxima de pastagem teria sido observada em 2009 (164,6 milhes de ha), sendo que em 2017 a rea estimada foi de 163,5 milhes de ha.
Os dados e estatsticas divulgados pelo Projeto TERRACLASS , executado pela Embrapa e INPE, esto ando por uma abrangente atualizao em 2024. No incio de agosto, as estimativas quanto ao uso e cobertura do solo nos biomas Cerrado e Amaznia foram disponibilizadas para o pblico. Por essa base, a rea de pastagem, considerando apenas os biomas Cerrado e Amaznia, era de 111,7 milhes de ha em 2022. Comparativamente, pelo Mapbiomas, a rea de pastagem nesses biomas, em 2022, era de 109,1 milhes de ha.
De modo geral, esses levantamentos revelam que no agregado do Brasil houve pouca variao na rea de pastagem nas ltimas duas dcadas. As estimativas de rea de pastagem feitas pelo IBGE e pelo Mapbiomas so da ordem de 160 milhes de ha. A estimativa do Lapig cerca de 10% mais elevada. A anlise mais aprofundada e regionalizada dessas bases de dados e estatsticas revela que dinmicas regionais especficas so observadas. Ainda h alguma expanso da rea de pasto em regies localizadas, como o “Arco do desmatamento”. Entretanto, h retrao em outras regies, em particular naquelas do centro-sul em que lavouras dinmicas demandam mais rea, aumentando a competio pelo uso da terra. Nessas condies, reas de pastagem so realocadas principalmente para a produo de gros, mas tambm para a cana-de-acar. interessante notar que conforme h expanso nas reas de integrao lavoura-pecuria, isso significa que em determinada gleba possvel fazer tanto pecuria como lavoura. Desse modo, provvel que nessas regies se observe uma presso de alta nos preos da terra de pasto, e o referencial de preos assuma um patamar mais elevado, mais prximo aos preos da terra de lavoura.
O outro componente da produo pecuria a pasto a produtividade. Essa mtrica procura capturar o quo eficiente a produo em termos de uso de recursos. Aumentar a produtividade implica em expandir a produo por meio da utilizao mais eficiente dos fatores de produo.
Na agropecuria um dos indicadores de produtividade mais utilizados refere-se produtividade (parcial) da terra, ou rendimento. Essa mtrica mede a quantidade de produto produzida por unidade de rea. Para a agropecuria moderna e competitiva, busca-se ao mesmo tempo ampliar a produtividade (e.g. maior eficincia no uso do recurso terra) e a eficincia no uso de outros insumos, como suplementos, fertilizantes e agroqumicos. Quando as lavouras so consideradas, isoladamente ou em rotao com as pastagens, busca-se adicionalmente uma maior intensidade de cultivos (i.e. nmero de cultivos/ha/ano).
Cabe uma certa analogia para a “intensidade de cultivos” e a produo pecuria a pasto. Seria como ter o pasto gerando uma maior produo e receita na maior parte dos meses do ano. Esse objetivo demanda pastagens produtivas na propriedade e um bom planejamento (ajuste da taxa de lotao e na estrutura do rebanho, planejamento da suplementao, etc.), por exemplo, para minimizar os impactos da estacionalidade da produo forrageira e para acomodar diferentes estratgias de produo, de maior relao benefcio/custo, quando as condies do ambiente de produo e de deciso se alteram. Se a expectativa de preos relativos (insumos/produto) se altera, uma tomada de deciso otimizada possivelmente indicaria a necessidade de alterao do patamar de produtividade, s vezes um pouco para cima, s vezes um pouco para baixo, em funo da direo das mudanas.
A estimativa de produtividade das lavouras (equao 2), como sacas (ou kg) de soja por hectare, ou caixas de laranja por hectare, tem sido medida de maneira correta e amplamente utilizada em anlises para apoiar a tomada de deciso. J a estimativa deprodutividade para a pecuria a pasto tem sido frequentemente feita de maneira incorreta. Por exemplo, comum apresentar indicadores para essa mtrica como "produo de leite por vaca" ou "cabeas por hectare". No primeiro caso, trata-se de uma medida de desempenho animal, desconsiderando o efeito da taxa de lotao. No segundo, refere-se ao nmero de animais por unidade de rea, desconsiderando o efeito do desempenho animal.
A medida correta de produtividade da pecuria a pasto (quantidade de produto por ha) obtida pelo produto entre o desempenho animal (ganho de peso, em kg de peso vivo ou equivalente-carcaa, por cabea) e a taxa de lotao (cabeas por hectare) (equao 3).
De maneira muito comum, o que se observa no cotidiano da pecuria uma abordagem distorcida para relatar a produtividade em sistemas pastoris . Isso ocorre em diferentes fruns de discusso tcnica e, inclusive, na orientao de grandes aes de poltica. Exemplificando, o resumo para formuladores de poltica ("policy makers") do relatrio do "The Intergovernmental on Climate Change" (IPCC), que trata de questes relacionadas ao uso da terra e mudanas climticas, aponta que "... Intensive pasture is defined as having a livestock density greater than 100 animals/km2 ...[i.e. ... Pastagem intensiva definida como tendo uma densidade do rebanho superior a 100 animais/km2 ...]" . Por essa mtrica, em que uma taxa de lotao acima de 1 cabea/ha (i.e. 100 animais/km2) seria proxy para um “sistema intensivo”, muitos dos sistemas de produo pecuria a pasto no Brasil seriam considerados “intensivos” h pelo menos duas dcadas.
O uso da taxa de lotao como proxy para a produtividade em sistemas pastoris pode introduzir um vis na tomada de deciso por trs razes principais. Em primeiro lugar, as taxas de lotao explicam apenas uma frao da produtividade observada na prtica. As taxas de lotao, como proxy da produtividade, capturariam apenas um tero dos ganhos reais de produtividade na pecuria brasileira no perodo 1996-2006 . No perodo 2006-2017, a taxa de lotao indicaria que a "produtividade" diminuiu marginalmente, de 1,10 cabeas/ha para 1,09 cabeas/ha. Na verdade, nesse perodo, o desempenho animal contribuiu para um aumento da produtividade, quando medida corretamente, de 13% (de 43 a 48 kg de equivalente-carcaa/ha) .
Um segundo ponto diz respeito incapacidade da taxa de lotao informar aspectos importantes da dimenso ambiental relacionada com a produo pecuria a pasto. Isso ocorre porque essa mtrica no captura a intensidade de emisses (kg metano / kg ganho de peso). Dessa maneira, quando a taxa de lotao usada como proxy da produtividade, a variao desse indicador no pode ser relacionada com estimativas criteriosas de intensidade de emisses relacionadas ao desempenho animal.
O terceiro ponto diz respeito dimenso econmica. A taxa de lotao, de modo isolado, captura de maneira inadequada os sinais de preos associados com mudanas na demanda e na oferta de carne bovina, que transmitem os incentivos (desincentivos) para expandir (contrair) a produo. Isso ocorre porque a taxa de lotao no est diretamente ligada ao valor da carne comercializada.
Portanto, a taxa de lotao, como mtrica de produtividade, ou de maneira mais ampla, como indicador de estratgias de intensificao sustentvel nos sistemas de produo de pecuria a pasto, no capaz de, isoladamente, sinalizar muitas das mudanas que efetivamente ocorrem no mundo real, quer seja por uma dimenso biofsica ou econmica. Nesse sentido, tem alcance limitado para orientar de maneira mais robusta a tomada de deciso pblica e privada.
A avaliao da produtividade a pasto considerando apenas um dos seus componentes uma abordagem equivocada e pode levar a interpretaes e cursos de ao viesados, tanto na esfera pblica como na privada. Considere, por exemplo, as quatro situaes ilustrativas abaixo.
Perodos referem-se aos Censos Agropecurios. Para detalhes adicionais.
O Caso (a), com taxa de lotao e desempenho animal mais baixos frente aos outros casos, obviamente o pior pela tica da produtividade. Embora o Caso (b) tenha uma taxa de lotao 50% inferior quela registrada no Caso (c), a sua produtividade marginalmente mais elevada. O maior nvel de desempenho animal no Caso (b) vis--vis aquele do Caso (c) resultaria, tambm, em uma menor intensidade nas emisses de metano (kg metano / kg ganho de peso). Obviamente, com esses exemplos ilustrativos, no se quer sinalizar que uma taxa de lotao mais baixa prefervel. Entre os exemplos apresentados, o Caso (d), com os maiores nveis de taxa de lotao e desempenho animal seria o caso mais interessante com foco na produtividade. O ponto a ser ressaltado que a produtividade animal a pasto o produto entre a taxa de lotao e o desempenho animal (equao 3). Considerar apenas um desses componentes implica em uma viso parcial, e por vezes distorcida, da produtividade da pecuria em sistemas pastoris no mundo real. E essa distoro na estimativa da produtividade pode induzir a erros na tomada de deciso.
Em termos prticos, se um nvel mais elevado de desempenho animal estiver associado a uma taxa de lotao muito baixa, a produtividade e o desempenho econmico so comprometidos. Em contrapartida, se a taxa de lotao se eleva sem que a produo de forragem aumente concomitantemente, de modo a manter uma determinada oferta de forragem (i.e. relao geralmente expressa por kg de massa seca / 100 kg de peso vivo), o desempenho animal prejudicado. O cuidado aqui que a produtividade pode se elevar dentro de certos limites com a elevao da taxa de lotao, mesmo com um certo prejuzo no desempenho animal. Entretanto, se a elevao da taxa de lotao reduzir de modo mais significativo a oferta de forragem e, assim, comprometer o desempenho animal de maneira mais severa, a produtividade cair e o fluxo de receitas ser impactado negativamente. Como j comentado, a reduo no ganho de peso implica, tambm, em uma maior intensidade de emisses de metano.
Um outro aspecto a ser destacado que para se atingir taxas de lotao mais elevadas, especialmente em ambientes com solos tropicais, mais intemperizados, cidos e com fertilidade qumica geralmente mais baixa , necessrio um maior uso de corretivos e fertilizantes . Paralelamente, a maior taxa de lotao na propriedade requer um planejamento mais refinado e uma tomada de deciso mais gil, entre outros, quanto ao manejo do pastejo, estratgia de suplementao, necessidade de uso de volumoso conservado, compra e venda de animais. Com a ampliao no uso de insumos no sistema de produo uma abordagem mais elaborada, de avaliao de ciclo de vida, a a ser mais interessante pela tica de monitoramento das emisses de GEE.
O conceito de produtividade (da terra), ou rendimento, est bem consolidado para lavouras. Entretanto, na pecuria a pasto, a definio correta da mtrica ainda no est amplamente difundida, quer seja em discusses tcnicas, na orientao de polticas, ou na prtica da propriedade rural. A relativa facilidade com que se estima a taxa de lotao – cabeas por unidade de rea – tem fomentado o uso desse indicador como proxy da produtividade em sistemas pastoris. Essa abordagem conceitualmente equivocada e pode induzir a erros na tomada de deciso, tanto na dimenso privada como pblica. A taxa de lotao, como mtrica de produtividade, no captura integralmente a produtividade obtida no mundo real, no capaz de informar respostas em intensidade de emisses (kg metano / kg ganho de peso), e por no estar diretamente ligada ao valor da carne comercializada no capaz de adequadamente transmitir incentivos (e desincentivos) para a produo.
Para se analisar de maneira mais robusta o impacto real das estratgias de intensificao sustentvel nos sistemas de produo pecuria a pasto preciso utilizar a medida de produtividade estimada corretamente, isto , pelo produto entre a taxa de lotao e o desempenho animal. Mudanas nesses dois componentes formadores da produtividade podem levar a variaes na produtividade e no desempenho econmico. No existe uma regra prtica. Aumentar a taxa de lotao ou o desempenho animal pode ou no ampliar o desempenho econmico e at mesmo o impacto da atividade, positivo ou negativo, sobre o meio ambiente. De modo crescente, as variveis ambientais devem ser explicitamente consideradas como parte da tomada de deciso na agropecuria.
Cada situao , portanto, contexto-especfica. O planejamento e a tomada de deciso devem considerar as relaes de preo e de transformao para ambos os componentes de produtividade, taxas de lotao e desempenho animal, incluindo a possibilidade de utilizao de suplementos para os animais em pastejo. As perspectivas do produtor quanto aos custos de oportunidade e aos riscos envolvidos na tomada de deciso so nicas em relao a uma dada combinao produtor-propriedade. Isso acontece porque a quantidade e a qualidade dos recursos (terra, trabalho, capital fsico e humano) e de insumos disponveis, sujeitos aos preos relativos pertinentes, variam caso a caso.