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Caminhos para a reduo das emisses na produo pecuria 4w4y

por Sergio Raposo de Medeiros
28/10/2024 - 06:00

H muitos caminhos para reduzir as emisses de gases de efeito estufa (GEE) relacionados ao setor da pecuria. A Organizao das Naes Unidas para a Alimentao e a Agricultura (FAO) lanou, no ano ado, uma bela publicao, Caminhos para emisses mais baixas, mostrando o potencial de vrios deles. A boa notcia que o setor pode ajudar muito a resolver tanto a questo das mudanas climticas, como o desafio para alimentar uma populao humana crescente e, cada vez mais, vida pelo consumo de alimentos de origem animal. 70284w

Esse texto basicamente um reporte resumido dos caminhos apontados, alguns de seus desafios e quanto eles podem contribuir na reduo das emisses, de maneira a divulgar o contedo da publicao a um pblico mais amplo.

Aspectos gerais sobre os GEE e o setor pecurio 3n1g4d

As emisses de sistemas agroalimentares pecurios (gado, bfalos, ovinos, caprinos, sunos e aves) equivalem a 6,2 Gt CO2-eq, cerca de 12,0% de emisses antropognicas de gases do efeito estufa (GEE, ano base 2015). Isso com uma avaliao abrangente das emisses de gases de efeito estufa (GEE) de sistemas agroalimentares pecurios, compreendendo processos jusante (upstream) e montante (downstream) da porteira da fazenda, incluindo a mudana no uso da terra (MUT), da cadeia de suprimentos e do processamento primrio. Os valores foram calculados com o Modelo Global de Avaliao Ambiental Pecuria, GLEAM, da FAO.

Uma caracterstica interessante que a intensidade de emisso (kg de CO2-eq/kg de produto) varia muito em funo do local, da espcie, dos sistemas de produo, do manejo etc., o que uma boa notcia ao permitir vislumbrar grandes redues, por vrios caminhos.

A espcie bovina responsvel por mais de 60,0% das emisses, em funo de sua participao em nmero, biomassa e, particularmente, pela fermentao entrica. Com essa contribuio, cerca de 2/3 das emisses de produtos comestveis da pecuria (carne, leite e ovos), de todas as espcies advm da carne. A maior parte dos GEE emitidos pela pecuria o metano (CH4), perfazendo 54,0 %, enquanto o dixido de carbono (CO2) e o xido nitroso (N2O) representam 31,0% e 15,0 %, respectivamente.

Para produtos de origem animal esperado um aumento de demanda, de mais de 20% at 2050. Na frica, onde mais a populao pode se beneficiar com o aumento de oferta de alimentos de origem animal, esperado o dobro da demanda para 2050. Uma vantagem dos produtos de origem animal que eles usam apenas 17,0% de alimentos veis de consumo por humanos e o que explica esse baixo ndice de competio que, alm de 60,0% da matria seca necessria ser de pastagens e folhosas, h um grande aproveitamento de coprodutos e resduos pelos animais, com destaque para os ruminantes.

Considerando o crescimento populacional e o aumento de demanda at 2050, se mantivermos os atuais ndices de produo, ser necessrio aumentar o rebanho, fazendo com que as emisses globais estimadas atingissem a casa dos 9 Gt CO2-eq at 2050, valor quase 50% superior ao atual.

A partir daqui, so elencadas 11 opes de mitigar a emisso e o quanto podemos esperar de cada uma delas. Exceto pelo uso de energia e reduo de desperdcio de alimentos, juntos num nico item no final, as opes esto em ordem crescente do potencial mitigador.

1. Manejo de dejetos 6v15o

H muitas maneiras para mitigar as emisses de CH4 e N2O dos dejetos, desde a alimentao (por exemplo, ao evitar excesso de protena), ando pelas formas de alojamento de animais, pelo manuseio e armazenamento, at a aplicao destes como fertilizantes no solo.

Opes de tratamento de dejetos que reduzem as emisses podem ser empregadas, incluindo digesto anaerbica, acidificao e compostagem. No caso da digesto anaerbica, possvel produzir metano e biometano, que podem ser usados como fonte de energia alternativa. Foi estimado que o manejo dos dejetos pode contribuir com a reduo das emisses globais em 150 Mt CO2-eq.

2. Mudanas na dieta 4i624v

A reduo da demanda por alimentos de origem animal uma das formas de reduo das emisses de GEE, pois a pegada de carbono dos vegetais menor, ainda que haja superestimativas dos valores, especialmente para ruminantes, ao se igualar o CH4 ao CO2, bem como outras limitaes usadas na estimativa. O interessante dessa publicao da FAO que, ao contrrio de outros estudos que mostram grandes efeitos ao propor uma reduo global no consumo de produtos de origem animal, reconheceu-se que, para a maioria dos pases, haveria grande prejuzo para a sade e qualidade de vida da populao ao estimular essa linha de reduo de demanda. Portanto, no caso desse trabalho, apenas 37 pases, supostamente com consumo “de luxo”, foram selecionados. O efeito na reduo da emisso global estimada ficaria entre 2,0% e 5,0%, na mdia em torno de 362 Mt CO2-eq.

3. Economia Circular 6g711r

Sistemas pecurios podem ser tanto receptores como contribuintes na economia circular. So receptores quando utilizam resduos de outras atividades, como subprodutos da indstria como ingredientes de uma dieta (Bagao de cana-de-acar, por exemplo). So contribuintes, ao fornecer coprodutos valiosos para outras atividades, como o esterco para fertilizao de plantaes.

Alm disso, incorporar coprodutos industriais na rao animal pode ajudar a mitigar as emisses relacionadas aos resduos que, se no fossem usados como recurso produtivo, teriam o nus do processo de descarte. Alguns desses resduos (ou coprodutos, quando se tornam comercializveis) podem potencialmente reduzir as emisses de CH4, como o caso do bagao de uva. Nesse caso, se ganha em ter mais um recurso alimentar, que reduz a demanda geral por alimento, adicionado de reduo do custo de descarte pela cadeia da uva e, por fim, h o benefcio direto da reduo de metano na fermentao entrica.

Maximizar o uso de esterco melhora a fertilidade do solo, tanto pelos nutrientes, como por efeitos na fsica do solo, melhorando a produo agrcola e, ao mesmo tempo, reduzindo a necessidade de adubos sintticos e do consumo de energia e demais emisses associadas a estes insumos.

O trabalho lembra, tambm, que os sistemas pastorais e silvipastoris so naturalmente bioeconomias circulares, com animais pastando em terras marginais que no seriam usadas para outros fins devido s suas limitaes biofsicas, provendo esterco e nutrientes para o solo que sero reciclados como novos crescimentos da parte area a serem usados como recursos forrageiros pelos animais. A economia circular pode reduzir em 453 Mt CO2-eq as emisses globais.

4. Manipulao Ruminal 1e112c

A publicao coloca em destaque dois aditivos que reduzem bastante a emisso: O 3-NOP e uma alga marinha encontrada em diversas regies do mundo, principalmente em guas tropicais e temperadas quentes. No caso do 3-NOP, a incluso de apenas 70,5 mg por kg de matria seca (MS) reduziu a emisso diria de CH4 em 32,7%, a emisso por kg de MS em 30,9% e a intensidade de emisso (g/kg leite produzido) em 32,6%. H trabalhos, contudo que mostram redues de at 90% na emisso diria.

A suplementao da alga Asparagopsis taxiformis tem uma faixa de reduo da emisso entre 9,0% e 98,0% em dietas para novilhos e vacas leiteiras. Como o efeito dessa alga decorrente de altas concentraes de bromo, que pode causar problemas na qualidade do leite e trazer riscos sanidade dos animais e dos consumidores de leite, preciso ainda definir limites para seu uso seguro.

Por fim, feita aluso s vacinas, mas tanto preocupaes quanto sua segurana e eficcia global, como a variao dos micro-biomas mundo afora, fazem com que seu uso na prtica precise ser mais bem avaliado. O uso destas tecnologias tem o potencial de reduzir em 453 Mt CO2-eq as emisses globais.

5. Alimentao e nutrio animal 5a6uk

Para reduzir a pegada de carbono da produo pecuria, importante formular raes com ingredientes que possam, idealmente, aumentar a produtividade enquanto reduzem as emisses lquidas, sem comprometer a lucratividade. Isso a por, na medida do possvel, usar ingredientes com menos emisses de GEE incorporadas, o que o caso dos coprodutos e resduos, cujas emisses herdadas so divididas com os produtos principais e eventuais outros resduos.

J a estratgia diettica de aumentar o nvel de concentrado nas dietas de ruminantes pode levar a um menor tempo de reteno ruminal, o que diminui o o microbiano digesta, reduzindo a emisso por kg de MS consumida. Se isso no comprometer a produo, reduz-se a intensidade de emisso.

Incluir gordura na dieta outra estratgia de mitigao, pois os cidos graxos so txicos contra bactrias metanognicas e protozorios, que fazem o rmen produzir mais propionato e, consequentemente, reduzir as emisses entricas de CH4.

Forragens tanferas podem ser uma estratgia de mitigao, com a vantagem de ser vel de introduo para a maioria dos sistemas existentes, incluindo animais em pastagem sem suplementao. Taninos podem diminuir as emisses de CH4 de 6,0% a 45,0%.

Alm de se preocupar com as emisses montante (quanto de GEE h intrinsicamente no alimento), deve-se observar se h, jusante, efeitos que podem reduzir os efeitos lquido de reduo, como no caso de excesso de protena, que pode aumentar a emisso de N2O dos dejetos ou a maior emisso de CH4 no esterco em dietas com muita gordura, pela maior quantidade de fibra indigerida nas fezes.

O potencial dessa estratgia em reduzir as emisses globais empata com a da economia circular e da manipulao ruminal: 453 Mt CO2-eq.

6. Sequestro de C em pastagens 654f

Sequestrar carbono em sistemas de pastagem possvel aumentando a captura de carbono acima e abaixo do solo, por meio de melhor manejo de pastagens e do plantio de rvores. O sequestro de carbono do solo em pastagens depende das condies agroecolgicas e prticas de manejo.

A quantificao global dos estoques de carbono existentes algo bastante desafiador, alm de ser sujeita a mudanas ao longo do tempo, com preocupaes sobre a reversibilidade dos esforos de sequestro e com as variaes nas metodologias de estimativa de carbono do solo. H necessidade de experimentos de longo prazo para validar suposies. Nesse contexto, a manuteno das pastagens mais crucial do que restaurar terras degradadas, pois a falta de cuidado com os pastos causa perdas significativas nos estoques de carbono do solo.

Seja como for, o sequestro de carbono em pastagens tem uma faixa potencial muito grande: de 37 Mt CO2 a 2.090 Mt CO2/ano. Estima-se que, dependendo do valor do crdito de carbono seria possvel at conseguir 800 Mt CO2 de sequestro por ano. O estudo considera que reduzir as emisses globais em 600 Mt CO2-eq possvel com o sequestro de C em pastagens.

7. Sade e Bem-estar animal (BEA) o3m4f

Problemas de sade aumentam as perdas de animais e piora desempenho, portanto investimento em sanidade animal melhora a produtividade e, consequentemente, reduzem a intensidade de emisso. Efeito semelhante decorre de situaes ruins para o animal como, por exemplo, exposio ao estresse trmico, sede, fome, maus tratos etc.

Intervenes em melhoria da sade e BEA, como vacinao e sombra, reduziram em 10,0% as emisses em sistemas leiteiros mistos na frica Oriental e at em 41,0% em pequenos ruminantes na frica Ocidental, conforme estudos de caso publicado pela FAO. Melhorar a sanidade e o BEA podem reduzir as emisses globais em 906 Mt CO2-eq.

8. Melhoramento gentico 5mp2q

A emisso de GEE pelos animais uma caracterstica que tem herdabilidade, ou seja, herdvel pelos seus descendentes. Portanto, pode ser incorporada em programas de melhoramento. Alm disso, selecionando para animais mais eficientes, indiretamente, pode haver uma reduo de 11,0% a 26,0% em 10 anos na produo de CH4. Em todo caso, relao desse efeito com outros, como ingesto e caractersticas de produo (qualidade da carnes e ndices reprodutivos) precisa ser mais bem entendida, de forma a conseguir fazer a melhor combinao entre elas. Ainda assim, o melhoramento gentico uma das mais promissoras ferramentas, pois tem grande efeito quando incorporada, se espalhando pelo rebanho ao longo do tempo. O valor estimado a reduzir por essa estratgia seria de 1.359 Mt CO2-eq, ficando apenas atrs do aumento de produtividade.

9. Aumentos de produtividade 155se

a mais promissora das opes para reduzir a emisso de GEE. Por exemplo, ganhos de eficincia por animal na produo leiteira podem contribuir com a reduo de at 38,0% a 46,0% no total das emisses at 2050. No gado de corte, melhoria das prticas de manejo, como a reduo da idade de abate tambm reduzem as emisses, tanto por reduzir a emisso por unidade de matria seca consumida, como pela reduo no tempo que o animal permanece emitindo. Assim, melhorias contnuas de produtividade podem reduzir 24,0% das emisses atuais da pecuria at 2050, com valor esperado de 1.797 Mt CO2-eq, o mais elevado de todas e quase cinco vezes mais do que a reduo na demanda por mudanas na dieta.

Outros: Energia e desperdcio de alimentos 6k5t5d

O uso de energias alternativas nas cadeias produtivas de protena animal e a reduo do desperdcio de alimentos de maneira completa ao longo das cadeias de produo so outras duas oportunidades de reduo da pegada de carbono da produo pecuria. A contribuies delas seriam de 152 e 453 Mt CO2-eq, respectivamente

Situao se conseguirmos 100,0% do potencial de todas at 2050

Na hiptese de que fosse possvel abater todo o potencial somado de cada uma dessas intervenes, em vez dos 9.061 Mt CO2-eq, teramos a produo da demanda de produtos de origem animal para 2050 com apenas 1.922 Mt CO2-eq. Apesar de ser improvvel conseguir esse feito, mesmo se consegussemos apenas a metade, ainda assim, estaramos produzindo 7,0% a menos do que a emisso de hoje e 36,0% menos em relao ao valor de 9.061 Mt CO2-eq, a quantidade se no tivssemos feito nada. Todas as alternativas e esses valores esto na Figura 1, ao final do texto.

Limitaes do estudo e da aplicao das medidas

A primeira que os dados assumem que haver 100,0% de adoo e que as intervenes tm sempre efeito aditivo. Nesse caso, no esto consideradas eventuais duplas contagens, nem interaes negativas, que reduziriam o efeito, mas tambm no so consideradas possveis sinergias, que poderiam aumentar o efeito.

Outra limitao do mtodo a alocao de emisses exclusivamente para produtos comestveis, sem considerar as multifuncionalidades da pecuria, como ser fora de trao, por exemplo. Ficam fora, tambm, todos os subprodutos das cadeias das protenas animais.

A eficcia das opes de interveno depende de fatores como o a servios, disposio dos produtores em implementar intervenes, viabilidade econmica e das prprias incertezas de que as medidas funcionem parcial ou totalmente. Um dos grandes desafios entender as barreiras que impedem a implementao e a ampliao das intervenes, para poder propor polticas pblicas que incentivem a adoo. Especialmente porque cada sistema de produo possui caractersticas, custos, interaes e compensaes nicas, muitas vezes as solues precisam ser customizadas.

Uma interao possvel que vrias intervenes com ganhos de eficincia aumentem os lucros e podem levar a um maior crescimento no setor pecurio que compense, ou at ultrae, as redues obtidas. Alm disso, melhorias podem ocorrer s custas de outros objetivos, como o bem-estar animal. Os esforos para reduzir a intensidade das emisses devem, portanto, analisar essas compensaes e interaes de maneira a conseguir o melhor equilbrio possvel entre elas.

Um aspecto importante a destacar , em que pese a abrangncia do trabalho, que importantes alternativas de ponta, como pecuria de preciso, as cincias “micas” (genmica, transcriptmica, protemica etc.) e a inteligncia artificial ficaram de fora. Elas podem acelerar bastante a reduo, por exemplo, ao criar um aditivo ou vacina que seja muito eficiente e fcil de escalar seu uso.

Consideraes finais

O relatrio “Caminhos para emisses mais baixas” demonstra inequivocamente que o setor pecurio pode desempenhar um papel fundamental na reduo das emisses de GEE. Todavia, essencial reconhecer que a produo pode ser afetada por mudanas climticas e condies ambientais, comprometendo as estimativas. Investimentos contnuos no setor pecurio sero fundamentais para avanar nossa compreenso das barreiras implementao e ampliao das intervenes, bem como conseguir avanos inditos com base em pesquisa de ponta.

Ao avaliar item a item, fica claro que a pecuria do Brasil tem muito a oferecer no esforo para reduzir a velocidade e intensidade das mudanas climticas, mas isso fica para uma prxima oportunidade.

Figura 1.
Ano base e emisses projetadas de sistemas pecurios, mostradas como um grfico em cascata com uma srie de medidas de mitigao aplicadas at 2050 com seu potencial tcnico.

Fonte: Pathways to Lower Emission, FAO, 2023.

Referncias

Mottet, A. et al. 2017b. Climate change mitigation and productivity gains in livestock supply chains: insights from regional case studies. Regional Environmental Change, 17(1): 129–141. https://doi.org/10.1007/s10113-016-0986-3