Essa coluna consta de duas partes: A) Manejo sanitrio para o ms; B) Registro recente de doenas transmissveis ou no, sugerindo medidas para suas prevenes. Tais registros so obtidos com o apoio das Agncias Estaduais de Defesa Sanitria Animal, de pesquisadores acadmicos e da rede de contato de veterinrios extensionistas de campo, assim como minhas observaes. 534o3a
Novembro um dos meses-chave para o manejo sanitrio, centrado na campanha oficial de vacinao contra brucelose e a vermifugao estratgica em todo o Brasil.
A vacina contra brucelose com a vacina “B19”, com exceo de Santa Catarina, obrigatria em todas as bezerras de trs a oito meses de idade, sob superviso e controle de um veterinrio credenciado no Mapa. No se recomenda a vacinao concomitante de brucelose e da vacina contra as clostridioses (manqueira, ttano, botulismo etc.), pois um estudo brasileiro demonstrou que a produo de anticorpos contra estas doenas menor, recomendando a vacinao contra clostridioses 30 dias aps a imunizao contra brucelose. Em Santa Catarina, proibido o uso da vacina “B19”, sendo obrigatrio o uso da vacina RB51 nos rebanhos que tiveram surtos da doena e facultativo nas propriedades que no registraram a enfermidade. E outros estados, permitido o uso da vacina RB51 em fmeas superiores a oito meses de idade.
Vrios estudos brasileiros verificaram os melhores momentos no ano para a vermifugao estratgica dos bovinos, com o intuito de diminuir o nmero de vermes no organismo e no ambiente.
Brasil Central
Para as reas do Brasil chamadas de Central (Nordeste de Santa Catarina, Paran, todo Sudeste e Centro-Oeste, Tocantins, centro sul da Bahia, regio amaznica do Maranho, Rondnia, Acre e sul do Par), recomenda-se a vermifugao segundo o esquema “5-8-11” (maio, agosto e novembro). Para novembro, recomendo a vermifugao com o princpio ativo Moxidectina 10,0%. Nesse esquema, tratam-se todos os bovinos da desmama at os 24 meses de vida. Animais vermifugados nesse esquema ganham, por ano, 70,0kg a mais de peso em relao aos no tratados e 30,0kg a mais em relao aos vacinados apenas nos meses maio e novembro.
Extremo Sul
Para o Rio Grande do Sul e o noroeste e sul de Santa Catarina (esquema 3-6-7-11), o ms de novembro coincide com o Brasil Central, recomendando-se o mesmo tratamento com o princpio ativo (Moxidectina 10,0%).
Surtos de anaplasmose em bezerros jovens no Rio Grande do Sul
Um importante parasitologista veterinrio acompanhou e descreveu dois surtos de anaplasmose em bezerros recm-nascidos (primeiros cinco dias de vida) e em bezerros com 30 a 40 dias de idade, em dois rebanhos diferentes da raa Braford, criados no municpio de Uruguaiana, na fronteira com o Uruguai.
No primeiro deles morreram trs animais e exigiu o tratamento de trs outros bezerros, em um lote 57 recm-nascidos (10,5% de morbidade e 50,0% de letalidade). Os animais aparentemente nasceram bem e chegaram a mamar o colostro, mas, nos cinco dias posteriores, manifestaram um quadro de tristeza, febre, anemia e leve amarelamento dos olhos (da esclertica) (figura 1), que antecedeu a morte dentro de uma semana de vida. Neste caso, foi feito um diagnstico clnico e laboratorial de anaplasmose “congnita”, ou seja, os bezerros contraram a bactria (Anaplasma marginale) da prpria me, ainda no tero, manifestando plenamente a doena logo aps o nascimento. A quantidade de hemcias (glbulos vermelhos) examinadas contendo a bactria variava de 20,0% a 50,0%, considerada muito alta (figura 2). Esse quadro congnito pode ser oriundo de anaplasmose aguda ou crnica na vaca gestante, permitindo a agem do agente bacteriano pela placenta. Embora, bezerros de raas taurinas ou cruzadas tenham uma frequncia maior de anaplasmose congnita devido a maior chance de serem infestados por carrapatos, recm-nascidos da raa Nelore tambm podem ser acometidos em diferentes regies do pas.
O outro surto aconteceu em bezerros com 30 a 40 dias de vida, nascidos aparentemente normais, oriundos de vacas submetidas inseminao artificial em tempo fixo (IATF). No primeiro dia de vida, os bezerros foram medicados com um vermfugo e um antibitico injetveis, istrados por via subcutnea e intramuscular, respectivamente, pelo prprio tratador. Segundo apurao, o funcionrio usava poucas agulhas para a medicao dos animais, sem a devida desinfeco.
Os primeiros sintomas foram a falta de acompanhamento da me, febre, anemia, amarelamento dos olhos, desidratao, queda e morte. Dos 96 bezerros nascidos no lote, cinco morreram e outros sete adoeceram (12,5 % de morbidade e 42,0% de letalidade), mas foram tratados de forma eficaz.
Semelhante ao caso descrito acima, foi isolado um grande nmero da bactria Anaplasma marginale em sangue perifrico. Na necrpsia, encontraram-se os seguintes achados: bao e fgado aumentados, congesto nos pulmes (figura 3) e presena de ictercia. Para prevenir o surgimento de novos casos, visto que os bezerros tinham alto valor zootcnico, o veterinrio realizou um tratamento metafiltico em todos os bezerros aparentemente sadios, no surgindo novos casos aps a terapia.
Tudo indica que esse surto foi causado pela transmisso da bactria atravs de agulhas contaminadas, empregadas na preveno da bicheira e de uma possvel onfalite (causa iatrognica). Para a preveno do problema, foi recomendado o uso de agulhas descartveis, para cada animal, na injeo de medicamentos no primeiro dia de vida.
Figura 1.
Mucosa ocular "anmica".
Fonte: banco de imagens do autor
Figura 2.
Hemcias infectados por A. marginale.
Fonte: banco de imagens do autor
Figura 3.
Pulmes congestos.
Fonte: banco de imagens do autor
Tudo aconteceu muito rpido, segundo apurou o IDARON (Agncia de Defesa Sanitria de Rondnia) com o proprietrio de uma grande fazenda no municpio de Parecis. s 20h do dia 13/10, chovia muito; a tempestade estava acompanhada de contnuos raios e troves, o que interrompeu a energtica eltrica na regio por mais de um dia. Na manh seguinte, foram encontrados mortos 98 bovinos (52 vacas, 30 novilhas e, 16 machinhos e fmeas desmamadas) da raa Nelore, que estavam agrupados numa rea de 50m2, em um nico piquete. Interessantemente, cerca de outros 50 animais manejados no mesmo piquete encontravam-se sadios. Segundo o IDARON, o piquete, alm de ser o mais alto da propriedade, no continha rvores no seu interior, e as cercas estavam longe do local do desastre. O prejuzo foi alto. Segundo o IDARON, que calculou a perda dos animais pelo preo do mercado, esse valor estaria em torno R$240,0 mil, mas o proprietrio estimou em R$300,0 mil. Os animais no estavam segurados.
A cena vista foi macabra! Os bovinos estavam “inchados” e em rigor mortis (endurecimento da musculatura). Muitos animais apresentavam a extremidade da lngua decepada, acompanhada de contrao da mandbula. Ao lado de algumas vacas, encontraram fetos abortados, com idade estimada de dois a trs meses de vida. Dois animais tinham as entranhas abertas, com a exposio de vsceras, e boa parte estava com a cabea voltada para baixo.
Chuvas intensas acompanhadas com raios induzem um rpido agrupamento de animais, muitas vezes embaixo de grandes rvores ou na mata, ou mesmo ao lado de cercas. Assim, grande parte dos bovinos mortos por raios so encontrados embaixo de rvores e ao lado de cercas. Mas, pelo fato de no existir rvores no local e o gado estar longe de cercas, os animais se reuniram, em dois grupos, em outros locais escolhidos. Certamente, o raio atingiu um dos grupos e a descarga eltrica se difundiu pelo solo mido matando todos os bovinos reunidos (figura 4).
Uma forte descarga eltrica, produzida pelo raio, danifica os tecidos do sistema nervoso e podem matar a bovino por parada cardiorespiratria. O choque deve ter provocado uma contrao sbita da musculatura da mandbula e do tero provocando a decepao da lngua e os abortamentos, respectivamente.
Segundo o ELAT (Grupo de Eletricidade Atmosfrica), o Brasil o pas com a maior concentrao de raios do planeta. Em nmero de raios, a regio Amaznica imbatvel, porm, se for considerada a quantidade de raios por km2, a liderana a para SP, RJ, RS, PR e MS. Por sinal, tivemos informao que ocorreram mortes de bovinos por raios, mas em quantidade bem inferior, nos estados de SP e RS.
A preveno contra raios para bovinos criados extensivamente complexa e difcil de ser realizada. Mas, recomenda-se que as cercas no sejam contnuas, ou seja, que tenha um espaamento a cada 50 a 100 metros entre moires, para impedir a transmisso da descarga eltrica pelos fios de arame, que pode se deslocar por at 3,0km.
Figura 4.
Os bovinos morreram agrupados.
Fonte: Portal de Notcias da Globo G1
Veterinrio extensionista acompanhou a mortalidade de 40 bovinos (em um lote de 380 animais, com morbidade de 10,5% e letalidade de 100,0%), num pequeno confinamento paulista ( 4,0 mil cabeas), situado no centro do estado.
Devido falta de bois magros na regio, o confinamento comprou esse lote de bovinos mestios leiteiros em um leilo, no norte de Minas Gerais. A condio corporal dos animais era de regular (2,5/em 5) a magra (2/em 5), com idade estimada entre dois e trs anos de vida. A viagem foi longa e demorou cerca de 40h. Assim que chegaram ao centro de engorda, foram imediatamente pesados, vermifugados e vacinados contra uma srie de clostridioses (carbnculo sintomtico, ttano, botulismo, hemoglobinria bacilar, enterotoxemia causada por C. perfringens tipo C e D, hepatite necrtica e gangrena gasosa). Em seguida, foram introduzidos no confinamento recebendo imediatamente a dieta final (50,0% de silagem de milho mido, bagao de cana-de-acar, casquinha de soja e silagem de milho, farelo de soja e suplemento mineral), correspondente a 2,0% do peso vivo. O consumo de alimento (avaliado pela quantidade de oferecimento de rao e pela leitura de cocho) no foi grande nos primeiros quatro a cinco dias, se elevando grandemente em seguida.
A partir do stimo dia, comearam a morrer bovinos (n=23), com ambas as condies corporais, em que os tratadores percebiam que no dia anterior, os animais ficavam abatidos e no comiam, e pela manh morriam ou j estavam mortos. Na necrpsia, chamava a ateno as alas do intestino delgado (segmentos do jejuno e do leo), que se apresentavam bem avermelhadas e com a presena de gs (figura 5). No seu interior, detectava-se a presena de contedo sanguinolento (hemorrgico), com secreo clara e espessa (fibrinosa).
A suspeita clnica do caso foi de enterotoxemia (figura 6), produzida pela bactria Clostridium perfringens, que normalmente habita o intestino, mas que, em condies anormais, devido grande agem de acares (amido oriundo da silagem de gro mido) neste rgo, tenha se multiplicado excessivamente, produzindo uma toxina que causa necrose de grandes reas do intestino, gerando morte sbita. Essa enfermidade tambm chamada de doena da superalimentao, pois supem-se, no presente caso, que ado os primeiros dias de adaptao ao novo ambiente, os animais comeram bastante, aumentando a chance de agem rpida de muito amido para os intestinos. Para prevenir novos surtos, o veterinrio sugeriu um maior tempo de adaptao dieta, aumentando aos poucos o oferecimento da silagem mida de gros de milho
A partir do 10 dia, comearam ocorrer mortes sbitas (n=17) de bovinos com melhor condio corporal. Apenas em um deles constatou-se que, no dia anterior morte, o animal mancava e andava com muita dificuldade e rigidez. As rezes mortas se apresentavam com os membros traseiros geralmente esticados e rgidos. Ao toque da regio inchada da musculatura das pernas, detectava-se um rudo de estalar (crepitao), indicando a presena de gs na regio. O quadro foi diagnosticado como carbnculo sintomtico, popularmente chamado de “manqueira”, que tambm uma clostridiose (figura 7). Essa doena acomete os animais mais bonitos do lote, que esto em rpido crescimento de massa musculares. A nesses tecidos, em especial se forem lesionados, h o rpido crescimento da bactria Clostridium chauvoei, que produz uma toxina que lesa as massas musculares, o diafragma e a musculatura cardaca, matando o animal rapidamente.
A vacinao aos quatro e cinco meses de idade protegem contra a doena, mas, nesse caso, acredita-se que as rezes desse lote nunca tinham sido vacinadas contra clostridiose, e a imunizao na entrada do confinamento no ofereceu proteo suficiente, por no produzir anticorpos em quantidade contra a toxina, a qual s ocorre aps 15 dias ou mais da imunizao. Acredita-se que outro fator predisponente para o surgimento dessa doena foi o estresse do leilo e do transporte, que devem ter lesionado a musculatura, facilitando o desenvolvimento de C. chauvoei nos tecidos.
Figura 5.
Alas do intestino delgado (segmentos do jejuno e do leo), que se apresentavam bem avermelhadas e com a presena de gs.
Fonte: Banco de imagens do autor
Figura 6.
Bovino acometido de enterotoxemia.
Fonte: Banco de imagens do autor
Figura 7.
Foto ilustrativa de carbnculo sintomtico.
Fonte: Banco de imagens do autor
Veterinrio extensionista diagnosticou um surto de grandes propores de brnquio-pneumonia em um boitel/confinamento paulista. A doena se manifestou num lote de 100 bovinos, da raa Nelore ou azebuados, com 380,0 a 400,0kg de peso e condio corporal regular (2,5/5), oriundos da regio Norte do estado de Tocantins. A viagem de translocao demorou dois dias e meio. Na chegada ao centro de engorda, os animais foram imunizados contra clostridiose, vermifugados, pesados e brincados. Em seguida, foram introduzidos no confinamento, recebendo dieta de adaptao, com oferta de pequena quantidade de gros energticos na primeira semana. Tal adaptao durou 14 dias e transcorreu normalmente. No terceiro e quarto dia de cocho, ocorreu na regio uma sbita e pronunciada queda de temperatura (mnima de 8,0 C), acompanhada de chuva intermitente.
No stimo dia de confinamento, alguns animais apresentaram um quadro manifestado por apatia, isolamento do lote, grande diminuio do consumo de alimentos, febre e ligeiro aumento da frequncia respiratria. Parte deles tambm eliminou pelas narinas uma secreo sero-mucosa, e em alguns deles lacrimejamento bilateral discreto, mas contnuo (epfora). Com o surgimento de muito casos, os funcionrios “leitores de sade” aram a inspecionar esse lote de uma para trs vezes por dia. Mesmo assim, no decorrer da semana seguinte, foram surgindo trs a quatro casos novos dirios, atingindo um total de 35 animais, com morte de 20 deles (morbidade 35,0% e 57,0% de letalidade). A maioria dos doentes, que sucumbiram, foram tratados sem sucesso com antibiticos de amplo espectro. Frente a isso, o veterinrio recomendou a equipe de leitura de sade a retirada imediata de bovinos doente do lote e completo isolamento, interrompendo em poucos dias o surto.
Acredita-se que a grave brnquio-pneumonia nesses animais tenha sido causada inicialmente por um agente viral (vrus sincicial respiratrio), acompanhada em seguida de outras bactrias oportunistas (Mannheimia haemolytica ou Histophilus somni), complicando grandemente o caso. Outros bovinos que entraram no confinamento ao mesmo tempo do referido lote, mas que vieram de localidades bem mais prximas, tiveram baixa morbidade (2,0% a 3,0%) de quadros respiratrios, sem nenhuma morte, inclusive com ao efetiva do uso dos mesmos antibiticos, a despeito de terem sido submetidos a idntica queda de temperatura do ambiente. Supem-se, no referido caso, que essa alterao ambiental e o estresse da viagem tenha reativado o vrus de algum bovino do lote, que j tenha tido a doena, iniciando a contaminao e o espraiamento da enfermidade em outros animais do lote estressado.
Figura 8.
Bovino com quadro respiratrio.
Fonte: Henderson Ayres
Inicialmente, a palavra artrogripose vem do grego e significa artro=articulao ou junta; gripose=curvado, ou em gancho. Veterinrio ligado Empresa informou o nascimento de sete bezerros da raa Nelore nascidos com artrogripose em duas fazendas paulista, entre mais de 1000 recm-nascidos (figura 9). Os animais foram produto de IATF, com uso de touros selecionados.
A artrogripose ocorre esporadicamente e pode ser gerada por algumas condies, com destaque alterao gentica. Em boa parte dos casos (60,0%), essa m-formao atinge os membros dianteiros; nos casos em que atinge apenas os traseiros, a frequncia de 25,0%, e nos demais 15,0% afetam todos os membros. Em muitas condies, ela vem acompanhada tambm de m-formao no cu da boca (palato duro) e/ou de deformidades de coluna vertebral (cifose ou escoliose). Muitas dessas associaes de deformidades ocorrem em vacas gestantes de ingerem tremoo (no presente nas pastagens brasileiras) ou que so contaminadas pelo vrus Akabane, no descrito ainda no Brasil.
Assim, a alterao gentica parece ser a causa mais frequente dos bezerros nascidos com artrogripose por aqui. Para desenvolver essa anomalia, tanto o touro como a vaca tm que ter um gene para a doena e, por azar, ambos tm que doar para a formao do feto o gene alterado, ou seja, com um carter homozigoto recessivo. Em rebanhos que os cruzamentos so consanguneos aumentam a chance de surgimento do problema.
Essa alterao gentica promover, durante a gestao, uma atrofia dos msculos flexores, que faz com que a extremidade da perna fique reta e no dobrada, associada ao menor nmero de neurnios na medula que estimulam os msculos a se contrarem. A artrogripose, principalmente nos membros dianteiros, pode levar a complicaes no parto, exigindo assistncia veterinria.
A recuperao de bezerros com artrogripose pode ser feita, aps cirurgia especfica e colocao de talas nos membros afetados para mant-los esticados. Mesmo assim, o deslocamento e a movimentao do animal dificilmente sero normal e muito optam pelo sacrifcio.
Nesse caso, foi sugerido aos proprietrios levantarem a origem paterna dos bezerros e evitar, em futuras gestaes, o uso destes reprodutores em vaca que geraram bezerros com artrogripose.
Figura 8.
Bezerro com artrogripose de membros posteriores.
Fonte: banco de imagens do autor