Em Baradero, 140 quilmetros ao norte de Buenos Aires, uma empresa japonesa chamada Gialinks planta soja e milho orgnico, cujo destino ser fazer a longa jornada de volta ao Japo. Do outro lado do Atlntico, na frica, uma agncia japonesa de auxlio financeiro trabalha com scios de Brasil e Moambique em um projeto para transformar parte da ampla savana guineense em terras frteis, apropriadas para o cultivo de culturas como soja, milho e algodo.
Embora em continentes diferentes, esses empreendimentos japoneses em terras estrangeiras tm algo em comum: evidenciam a apreenso cada vez maior dos japoneses em sua busca por novas fontes de alimentos, em meio crescente concorrncia de pases em desenvolvimento, principalmente a China.
Desde que a China comeou a importar soja, em 2000 - depois de se juntar Organizao Mundial do Comrcio (OMC) -, as importaes chinesas anuais aumentaram de 13 milhes de toneladas para um volume estimado em 50 milhes de toneladas neste ano, de acordo com o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA).
O Japo, que costumava ser o maior importador de soja do mundo, agora precisa concorrer com um pas que compra mais de dez vezes as 3,6 milhes de toneladas que recebe por ano. Em consequncia, o Japo perdeu boa parte de seu antigo poder de barganha e encontra-se em desvantagem competitiva ante o gigantesco poder de compra da China.
Os compradores japoneses deparam-se com preos cada vez maiores - o que no mercado se conhece como "gio" do Japo -, segundo executivos das grandes importadoras que dominam o comrcio exterior de alimentos no pas.
Um executivo do setor diz que os fornecedores preferem clientes que "compram muito do produto, de forma constante e por um bom preo", ao contrrio das empresas japonesas que tendem a comprar pequenas quantias e so exigentes em termos de qualidade e preo.
As empresas japonesas de comrcio exterior sustentam que a vulnerabilidade do pas est sendo amplificada neste ano, uma vez que a voracidade da China pela soja vem espremendo a oferta.
"Desde o fim de agosto, a soja e o milho para outubro e novembro esgotaram-se por causa das compras da China. Isso incomum", afirma Koji Fukuda, que comanda o departamento de gros de uma dessas empresas japonesas, a trading Marubeni. Portanto, "os que entraram no mercado atrasados, provavelmente tiveram de comprar a altos preos."
O Japo sente at o impacto da proibio s exportaes de trigo da Rssia, mesmo no importando o produto do pas. O declnio na disponibilidade de trigo russo aumentou a demanda por milho e soja, para uso em raes, o que elevou o preo desses gros, segundo Eiryu Sanatani, responsvel pela rea de segurana alimentar no Ministrio da Agricultura do Japo.
Neste ano, um acontecimento ainda mais surpreendente sacudiu o setor agrcola japons, j que dados do mercado mostraram que a China estava importando mais milho do que o usual. A China importou cerca de 1,3 milho de toneladas no ano encerrado em setembro, 27 vezes a mais do que no ano anterior, de acordo com o USDA.
Embora ainda no esteja certo se a China continuar a importar milho nesse ritmo, Keiji Ohga, professor de economia alimentar na Universidade Nihon, diz que se acredita que "o que eles fizeram com a soja (...) existe uma grande possibilidade de que eles faam com o milho". O funcionrio de uma trading diz que, se a China se tornar uma grande importadora de milho, o fato poder ter um "grande impacto" sobre a disponibilidade para o Japo.
"Se a China se tornar realmente sria e comear a comprar terra ou terminais de exportao nos EUA, no sabemos o que acontecer, pois os terminais de exportao so como as torneiras [que controlam o fluxo de gros]", afirmou o executivo.
Apesar da presso dos preos altos para as tradings japonesas, ningum est sugerindo que a alta crescente na demanda chinesa ameaar seriamente a capacidade japonesa de comprar os gros de que o pas necessita, enquanto ele disp dos meios financeiros para tanto.
Ohga, por exemplo, acredita que a demanda vinda do setor de biocombustveis seja uma ameaa maior ao abastecimento do que as compras chinesas de gros. Reina um amplo consenso, porm, de que a concorrncia dever se acirrar e que Tquio precisa tomar providncias para garantir que tenha uma variedade de opes para obter gros.
A Marubeni, por exemplo, firmou um acordo recentemente que lhe confere o ao trigo proveniente da Frana - algo que jamais cogitara antes. "A Frana jamais chegou sequer a ser uma opo [como fornecedora de trigo], mas o pas se tornou uma opo devido mudana da situao no mundo", diz Fukuda.
Yutaka Hongo, consultor senior da Agncia de Cooperao Internacional do Japo, que oferece ajuda ao projeto Moambique, diz que uma concentrao de fornecedores representa a mais "assustadora" ameaa segurana alimentar. Para ele, embora o projeto Moambique possa se estender por 20 anos, se o pas se tornar um exportador de alimentos, "isso poder ajudar a segurana alimentar do Japo". (Traduo de Sabino Ahumada)
Fonte: Valor Econmico. Por Michiyo Nakamoto. 5 de outubro de 2010.