Para a Unio da Indstria de Cana-de-acar, a manuteno de barreiras ao combustvel brasileiro encerra dilogo e agora resta apelar para a OMC
Na quinta-feira da semana ada, dia seguinte deciso do Senado dos Estados Unidos de aprovar a manuteno, ao menos at o fim de 2011, da tarifa de US$ 0,54 por galo (3,17 litros) de etanol importado e os subsdios de US$ 6 bilhes indstria norte-americana de lcool, o presidente da Unio da Indstria de Cana-de-acar (Unica), Marcos Jank, divulgou uma nota. Nela ele critica o Senado norte-americano e avalia que a deciso aponta para o fim do dilogo com o governo dos Estados Unidos. No entendimento de Jank, a questo ser levada Organizao Mundial do Comrcio (OMC). “ chegado o momento para que a OMC resolva a questo, luz do direito internacional e de medidas cabveis”, informou.
As medidas protecionistas para o etanol dos EUA esto na lei de corte de impostos de US$ 858 bilhes, originada no governo de George Bush, e agora prorrogada por 81 votos a favor e 19 contra. A deciso foi ratificada pela Cmara dos Deputados. “Como afirmamos anteriormente, a Unica discutir com o governo brasileiro o incio de um processo legal na OMC, j que foram exauridas todas as opes para resolvermos nossas diferenas atravs do dilogo bilateral e dentro do processo legislativo dos Estados Unidos”, ratificou o presidente da Unica.
Segundo ele, vrios apelos da entidade foram feitos nos Estados Unidos pelo corte dos subsdios e da tarifa, o que no sensibilizou os parlamentares americanos. “Apesar de todos os apelos da sociedade civil americana, que incluem mais de 100 editoriais e artigos de opinio publicados nos principais jornais do pas, mais de 80 mil cartas enviadas (...) o Senado tomou a deciso de estender por mais um ano os subsdios que protegem o etanol produzido domesticamente nos Estados Unidos”, lamentou Jank.
O executivo relatou que procura dar prioridade, desde que assumiu a Unica, divulgao do etanol brasileiro no exterior, inclusive com a manuteno de um escritrio em Washington (EUA). “Por 30 anos, os Estados Unidos tm subsidiado os produtores de etanol de milho e mantido barreiras comerciais sobre o produto importado atravs de tarifas. Nos ltimos trs anos, a Unica tem procurado dialogar com diversas entidades pblicas e privadas americanas, em um esforo pela reviso da poltica vigente, buscando reduzir as distores comerciais causadas pelo protecionismo e evitar conflitos comerciais”, informou.
Jank lembra ainda que “aps no ter obtido sucesso por duas vezes - primeiro com a proposta de legislao agrcola de 2008 (farm bill) durante a istrao Bush, e agora, durante as negociaes no perodo legislativo conhecido como ‘Pato Manco’ (perodo anterior posse de congressistas eleitos nas ltimas eleies) da istrao Obama - est claro que os Estados Unidos no esto comprometidos com um comrcio livre e justo envolvendo energias limpas, particularmente no que se refere ao etanol”.
Os exportadores brasileiros tambm recebem o subsdio americano, mas devido ao valor da tarifa h uma barreira comercial de US$ 0,09 ao produto. Em 2009, o Brasil exportou cerca de 72 milhes de gales de lcool aos EUA. O pas produz aproximadamente 6 bilhes de gales ao ano, perdendo no mundo s para os norte-americanos, com 12 bilhes. Representantes de setores ambientais, de carne e antigastos dos EUA tambm criticaram a agem da medida. Mas congressistas ligados aos produtores de milho americano (origem do lcool local) celebraram. “Essa lei estende 51 incentivos fiscais diferentes’’, disse o senador Chuck Grassley (republicano de Iowa). “Esses incentivos vm sendo renovados porque so teis na criao de atividade econmica. ’’
A aprovao provocou uma onda de protestos entre as organizaes que defendem o corte de subsdios do governo, associaes de produtores de alimentos, alm de grupos de defesa ambiental. Eles alegam que subsdio precisa acabar porque ineficiente e muito caro para os contribuintes dos Estados Unidos, em um momento onde a dvida nacional do pas j ultraa os US$ 13,8 trilhes. “Apesar de estarmos desapontados com o resultado no Senado, que rejeita as vozes de 100 mil americanos que escreveram aos seus representantes no congresso, ns temos certeza de que a tarifa e os subsdios ao etanol do milho tm seus dias contados”, disse o representante da Unica nos EUA, Joel Velasco.
Segundo o diretor de Poltica de Energia Renovvel dos EUA, Nathanael Greene, o Senado estendeu o crdito por apenas um ano ao invs dos cinco anos que a indstria queria. “Mas se a reduo dos subsdios fosse de 20% conforme a emenda apresentada e no includa na lei votada, a economia gerada seria de US$ 1,25 bilho. E se ela fosse eliminada, os ganhos atingiriam US$ 6 bilhes. Estes dlares seriam mais bem utilizados se investidos em energia limpa e na criao de empregos reais”, disse.
Brasil disputa a liderana na exportao do combustvel
Subsdios e proteo comercial, alm de uma obrigatria mistura gasolina, continuam a ser os ingredientes dos EUA para avanar no mercado mundial de etanol. O pas ultraou o Brasil como maior produtor mundial do combustvel limpo em 2006. Neste ano, graas ao dlar desvalorizado, vo se aproximar da liderana brasileira de exportaes (uma consultoria, a F.O. Licht, diz que os EUA aram o Brasil no primeiro semestre, outros estudos dizem que a ultraagem ainda no ocorreu).
De janeiro a setembro, 949 milhes de litros de etanol foram embarcados pelos EUA, inclusive para o Brasil, responsvel pela venda de 1,330 bilho de litros ao exterior. “Preferimos no exportar e atender demanda domstica em crescimento. Queremos ser um setor exclusivamente nacional, que gera empregos no pas e se mostra capaz de abastec-lo”, disse Matt Hartwig, diretor de Relaes Pblicas da Associao de Combustveis Renovveis (RFA, na sigla em ingls).
Mas, este ano, as movimentaes do setor mostraram uma indita preferncia pela exportao. Nas contas da RFA, as exportaes americanas devem somar 1,247 bilho de litros em 2010, contra a estimativa da Unica de embarque de 2,750 bilhes de litros de etanol brasileiro. “Os EUA podem se tornar apenas exportadores ocasionais de etanol, como acontece neste ano. Com a perspectiva de demanda interna americana, muito difcil imaginar essa liderana”, afirma Marcos Jank. “O Brasil o nico Pas em condies de ser exportador estrutural de etanol. Mas isso depende da reduo do protecionismo, a comear pela eliminao da tarifa de importao e do subsdio com que os EUA beneficiam seu setor de etanol.”
A produo americana de etanol deu uma arrancada a partir de 2006, graas ao custo de capital baixssimo, deciso do governo de obrigar a mistura de 12,5 bilhes de gales gasolina ao ano, tarifa de importao, ao subsdio e s subvenes produo de milho. Os EUA hoje abrigam 200 usinas, responsveis pela produo de 40,1 bilhes de litros em 2009. O volume foi mais do que o dobro da fabricao total nas 400 usinas brasileiras no perodo, de 17,7 bilhes de litros.
Em artigo, o presidente da RFA, Tom Dinneen, tratou o limite de adio de 10% de etanol gasolina como uma “barreira interna” ao setor. A demanda domstica americana, hoje estacionada nos 12,5 bilhes de gales anuais, tem potencial de atingir 47,2 bilhes ou at 51,0 bilhes antes de 2022, em seus clculos, se o limite for elevado. A indstria americana do etanol tem capacidade de atingir a produo de 47,2 bilhes de gales e ainda conta com projetos que a expandiria em mais 1,2 bilhes de gales, informou Dinneen.
Para isso, o Departamento de Energia ter de aprovar a demanda pela elevao do limite de adio a 15% ou at mesmo a 20%. A medida est em fase de estudos, que envolvem testes nos carros americanos, e no tem prazo para ser concluda. Hartwig reconhece que o contnuo aumento dos preos do milho ter interferncia na produo e na exportao futura de etanol. Neste ano, a cotao internacional do milho cresceu 39%. A colheita da terceira maior safra de milho da histria em 2011 alimenta a previso de preos menores no prximo ano. Mas, como lembra Jank, o etanol da cana continua a ter uma produtividade por hectare duas vezes maior do que o de milho.
O mercado interno, entretanto, um fator ainda decisivo para o comrcio exterior de etanol de ambos os concorrentes. Em 2008, por exemplo, a quebra da safra de milho obrigou os EUA a importar 1,519 bilho de litros de etanol do Brasil. Em 2006, quando foi adotada a mistura obrigatria gasolina, a importao do combustvel brasileiro atingiu 1,749 bilho de litros. No ano ado, essa compra foi de apenas 270 milhes. Mesmo ocasional, a briga entre Brasil e EUA pelo mercado internacional de etanol ter no custo de produo o seu fator preponderante. Segundo Joel Velasco, representante da Unica para a Amrica do Norte, at 2009, o etanol brasileiro alcanava o porto de Nova Iorque a um preo de US$ 1,85 por galo, enquanto o custo final do americano era de US$ 2,15. Mesmo sem tarifas e subsdios, o preo do combustvel brasileiro custaria US$ 0,06 a mais que o americano, nas contas da RFA.
Seca reduz a safra de cana-de-acar e colheita deve ficar abaixo da previso
A produo de cana-de-acar na Regio Centro-Sul do Pas diminuiu 18,1% em novembro, comparada com igual perodo do ano ado. Do incio da safra at 1 de dezembro, a queda j soma 7,26%. Os dados do Centro de Tecnologia Canavieira (CTC) foram divulgados pela Unica na semana ada.
De acordo com o diretor da entidade, Antnio de Pdua Rodrigues, o motivo foi o tempo seco que afetou a produtividade agrcola. Ele prev que ser difcil atingir 560 milhes de toneladas colhidas no fechamento do ano. Em agosto, a expectativa era de uma safra de 570,1 milhes de toneladas.
Apesar dessa reduo, o moagem do produto aumentou 8,86% desde o incio da safra at novembro, ante igual perodo de 2009, com um total de 499,4 milhes de toneladas. A partir da segunda quinzena de novembro, no entanto, o processamento caiu 27,95%.
Pdua esclareceu que a qualidade da matria-prima brasileira, com alto teor de sacarose, minimizou o impacto da estiagem. No perodo, a produo de acar alcanou 33,02 toneladas, aumento de 20,35% sobre a safra 2009/2010. A produo de etanol somou 24,72 bilhes de litros, 14,04% acima da safra ada.
O diretor acredita na estabilizao no preo do acar, uma commoditie cotada no mercado internacional. “No d para imaginar uma queda (de preos) tanto no mercado interno quanto no externo, mas eu no falaria em alta, e sim, em manuteno dos nveis atuais.”
Mas essa estabilidade de preos significa que o produto vai permanecer caro para os consumidores brasileiros. O acar refinado figura entre os itens que mais tm contribudo para a elevao da taxa de inflao. S na cidade de So Paulo, por exemplo, o preo do acar subiu 10,29% entre 8 de novembro e 7 de dezembro, segundo um levantamento da Fundao Instituto de Pesquisas Econmicas (Fipe). No mesmo perodo, o lcool combustvel ficou 2,04% mais caro. O presidente da Unica, Marcos Jank, prev que o setor crescer acima de 5% neste ano.
Fonte. Jornal do Comrcio. 23 de dezembro de 2010.