Escrevi uma vez, também para a Carta Boi, que a moda agora é bater na pecuária. Falar mal da atividade se tornou
fashion, chique,
in. E além de tudo dá ibope.
O pior é que os ataques, que antes se restringiam aos bovinos vivos e à carne, estão indo além. Chegaram, vejam só, ao sebo.
Matéria do último dia 22, veiculada pelo Repórter Brasil, dá conta de que a gordura animal (ou seja, o sebo) já responde por quase 15% da produção nacional de biodiesel, chegando a atingir um pico de aproximadamente 25% em janeiro deste ano.
Fantástico, não?
Mas a reportagem afirma que as usinas de biodiesel não costumam divulgar que utilizam gordura animal no processo de fabricação do combustível (como se precisassem). E argumenta: “A explicação para o silêncio pode estar nos graves problemas sociais, ambientais e trabalhistas da pecuária no Brasil. Associar a cadeia do agrocombustível a esses impactos negativos certamente prejudicaria a boa imagem de combustível limpo que empresários e gestores públicos vêm tentando criar”.
“Omitir dos consumidores a relação entre pecuária e biodiesel significa... enganá-los com o falso discurso da sustentabilidade”.
Para finalizar: “Quando um caminhoneiro abastece seu veículo com a mistura de 4% de biodiesel ao óleo diesel, obrigatória por lei, ele é levado a acreditar que está contribuindo para mitigar os efeitos das chamadas mudanças climáticas globais, por meio de redução nas emissões de gases de efeito estufa. O que provavelmente o caminhoneiro não sabe é que parte significativa daquele biodiesel (o percentual variou de 10,70% a 24,54% entre outubro de 2008 a junho de 2009) foi produzido com sebo bovino - e que, não por acaso, os municípios brasileiros com maiores taxas de desmatamento são também os que têm maior quantidade de bois e de casos fiscalizados de trabalho escravo”.
Aos fatos
Tem-se aí uma coleção, perigosa, de meias-verdades. Eis os fatos:
1. Sim, o Brasil é, hoje, o campeão de desmatamento (apesar das taxas decrescentes), simplesmente porque é o único ainda com florestas para derrubar. De acordo com dados da Embrapa, o Brasil mantém 69,4% das áreas originais de suas florestas, ao o que a América do Sul conserva 54,8%, a América do Norte 34,4%, a Oceania 22,3%, a África 7,8%, a Ásia 5,6% e a Europa apenas 0,3%.
2. Há 8 mil anos, ainda de acordo com a Embrapa, o Brasil possuía 9,8% das áreas de floresta do planeta. Hoje possui 28,3%. Nosso agropecuarista, portanto, é conservacionista.
3. Cruzando dados da FAO (órgão das Nações Unidas para questões de agricultura e alimentação) e do MAPA (Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento), constatamos que, entre 1975 e 2007, a produção brasileira de carne bovina aumentou 227%, ao o que as áreas de pastagem cresceram apenas 3%. A pecuária, portanto, se expandiu através de aumento de produtividade, permitindo que as florestas permanecessem em pé.
4. Aliás, o aumento da produtividade da pecuária superou o da agricultura, que registrou 27% de expansão de área e 207% de crescimento da produção entre 1976 e 2007, de acordo com a Conab (Companhia Nacional de Abastecimento).
5. O boi é uma verdadeira fábrica de matérias-primas. Os derivados do abate – carne, couro, sebo, farinhas, miúdos... – alimentam 49 segmentos industriais diferentes, dentre eles o de biodiesel. Os impactos ambientais gerados pela atividade, portanto, têm que ser rateados para uma enorme gama de produtos.
6. Por fim, estudos recentes mostram que a tecnificação da pecuária, além de reduzir a necessidade de abertura de novas áreas, promove a redução da “pegada de carbono” da atividade através da diminuição das emissões e da maximização do seqüestro de gases de efeito estufa. O segredo está na eficiência de aproveitamento dos alimentos e no aprimoramento do manejo das pastagens.
Os fatos mostram que a pecuária brasileira tem se expandido sobre bases sustentáveis. Ainda assim, pesquisadores, técnicos e produtores se esforçam, dia a dia, no desenvolvimento e na adoção de novas tecnologias que permitam melhorar ainda mais o quadro exposto.
São persistentes, apesar da falta de incentivo à pesquisa, da falta de crédito, das invasões de terra, da pressão descabida para a adoção de novos índices de produtividade (alguém me convença, com números, que eles são necessários), dos problemas logísticos e dos ataques descabidos e preconceituosos à imagem da atividade.
Para arrematar
Segui acompanhando a matéria. Depois de descer o porrete na pecuária, os redatores defendiam que uma das saídas para a produção de biodiesel era o dendê, o pinhão manso e outras culturas do tipo.
Nada contra essas culturas, mas elas não têm a escala e muito menos o aparato técnico-logístico com que já conta o sebo.
Aí fui obrigado a pegar na caneta e responder.
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